Por quase sete horas, a primeira audiência do processo criminal que apura o assassinato de Rafael Mateus Winques, 11 anos, em maio deste ano em Planalto, no norte do Estado,teve contradições em depoimentos, reprimendas da juíza Marilene Parizotto Campagna, choro e pedido de novas apurações. Três testemunhas foram ouvidas na tarde de quinta-feira (1º).
A mãe de Rafael, Alexandra Dougokenski, 33 anos, confessou ter matado o garoto e escondido o corpo em uma caixa de papelão na madrugada 15 de maio na residência ao lado da casa onde viviam. Denunciada pelo Ministério Público, a ré, que responde por homicídio doloso, acompanhou todas as falas por meio de vídeo de uma sala da Penitenciaria Estadual Feminina de Guaíba, onde está presa preventivamente
A principal declaração do pai, Rodrigo Winques, contrapõe os seus depoimentos anteriores dados na fase do inquérito policial. Winques afirmou que Alexandra "sempre dava de pau neles", ao responder uma pergunta sobre como a ré tratava Rafael e o irmão mais velho, de 17 anos. Por videoconferência na comarca de Bento Gonçalves, o pai disse que, se nutria amor por Rafael, a mãe "não mostrava muito, gritava muito com o guri".
A fala do pai provocou a ira da defesa de Alexandra. Advogado da mãe, Jean Severo mostrou um depoimento de 4 de junho à Polícia Civil no qual Winques afirma que Alexandra "sempre foi boa mãe e que ele acreditava que o relacionamento dela com os filhos era muito bom". Ao ser confrontado pelos defensores sobre a declaração dada há quatro meses, o pai se justificou com uma frase confusa: "Nunca vou dizer mais."
Os defensores insistiram. O pai não respondeu. Mais de uma vez, a juíza chamou a atenção de Winques quando ele tergiversava sobre o que havia sido perguntado ou dava afirmações vagas. A magistrada repetia: "Senhor Rodrigo, responda a pergunta que está sendo feita."
Na audiência, o Rodrigo falou o que sentia. Em uma parte muito triste do depoimento, ele disse que Rafael cuidaria dele depois de velho, era o único filho dele. Tiraram a esperança de vida dele, ele está com sentimento a flor da pele, sofrendo muito.
DANIEL TONETTO
Assistente de acusação representando o pai
Assistente de acusação representando o pai, o advogado Daniel Tonetto justifica que, na época em que falou com a polícia, o pai ainda estava sob o impacto do crime:
— Naquele momento, ele estava estarrecido, era difícil para ele acreditar. Na audiência, o Rodrigo falou o que sentia. Em uma parte muito triste do depoimento, ele disse que Rafael cuidaria dele depois de velho, era o único filho dele. Tiraram a esperança de vida dele, ele está com sentimento a flor da pele, sofrendo muito.
O depoimento do pai foi o mais longo — mais de duas horas e meia de fala —, entre momentos de exaustão e aborrecimento da testemunha. Winques afirmou que recebeu uma ligação do celular de Rafael no dia 15. Era Delair Souza, namorado de Alexandra na época, que teria dito: "Não é teu filho não, quero saber onde tá teu filho, ele desapareceu".
Na mesma versão que deu à polícia, o pai reafirmou que não esteve em Planalto na semana anterior à morte de Rafael. Chegou à cidade um dia depois da ligação de Souza, no dia 16, um sábado. Na descrição do pai, Rafael era um "guri doce, muito bom, não tinha problema nenhum, ia sempre bem nas matérias" do colégio, mas que "parecia tá meio depressivo."
"Não percebi nada no comportamento dela", disse ex-namorado da mãe
Namorado de Alexandra na época do crime e morador de Ametista do Sul, Souza afirmou que não ligou para Winques em 15 de maio do telefone do garoto, apontando outra contradição na fala do pai. Até que o corpo foi encontrado, Rafael ficou 10 dias desaparecido e, segundo a fala de Souza, Alexandra não auxiliou nas buscas. Segundo ele, a mãe estava preocupada com o filho mais velho. "Nos dias em que a gente não estava procurando o Rafael não percebi nada no comportamento dela. Mas quando ela confessou o crime, ela se tornou uma pessoa muito fria."
Souza afirmou que trocou mensagem de boa noite com Alexandra na noite entre os dias 14 e 15 de maio — data do assassinato de Rafael. Em sua fala, disse que a criança gostava de joguinhos no celular e que se a mãe tivesse estabelecido horários para uso do aparelho, acredita que Rafael os respeitaria. Segundo ele, Alexandra se preocupava com uso excessivo do aparelho, porém ele "não via ela mudar isto": "Ela não agia com eles, entende? Na alimentação, nesta parte, ela era muito organizada."
A conclusão do Ministério Público é que Alexandra matou Rafael pois ele a desobedecia quanto ao uso do celular. Ao ser questionado se achava que Alexandra teria matado o filho, Souza disse: "Acredito pela quantidade de mentiras que ela fez para amigos e família. Depois de tudo, chocou a cidade toda. "
Contou ainda que a morte do menino mexeu com sua vida pessoal e profissional. Chegou a ficar 40 dias afastado do hotel em que trabalhava, em Ametista do Sul, mas já retornou à função. E disse que gostaria que uma foto sua com Alexandra fosse retirada das redes sociais, pedido que foi aceito pela juíza.
São questões supérfluas que nem se sabe se são contradições. Não ouvimos todas as testemunhas. Não sabemos ainda qual a versão final da defesa, uma vez que a ré deu várias versões: primeiro negou, depois disse que era culposo e depois assumiu. No interrogatório dela, terá que apontar uma versão final.
DIOGO TABORDA
Promotor
Uma pausa foi feita quando Souza chorou após a fala do advogado Jean Severo. A defesa afirmou que Alexandra teria dito que Rafael considerava Souza mais pai que Winques.
Na avaliação do promotor Diogo Taborda, o depoimento do pai não traz nenhuma contradição capaz de mudar o rumo do processo. Salienta que todos os crimes indicados a Alexandra na denúncia permanecem incontestáveis:
— São questões supérfluas que nem se sabe se são contradições. Não ouvimos todas as testemunhas. Não sabemos ainda qual a versão final da defesa, uma vez que a ré deu várias versões: primeiro negou, depois disse que era culposo e depois assumiu. No interrogatório dela, terá que apontar uma versão final.
Os pontos divergentes na fala de Winques serão exploradas pela defesa durante o processo. Um familiar do pai será ouvido em audiência em 15 de outubro por videoconferência, quando também deve ser confrontado com a fala do pai. Nas próximas oitivas, professores, familiares e policiais também devem depor.
— Para a defesa a audiência foi excelente. O Delair conta que esteve com o irmão de Alexandra, falando com parentes do Rodrigo, que disseram que ele esteve em Planalto antes do Rafael morrer. Coisa que Rodrigo nega e diz que não falava com ele desde o Dia das Mães — afirma Severo.
A defesa pediu acareação entre Winques e Alexandra, que foi negada pela magistrada. A solicitação poderá ser reavaliada após o interrogatório da mãe. Após examinar o celular da ré, a juíza identificou uma conversa de Alexandra com uma conselheira tutelar em que a mãe afirma que Winques teria viajado até Planalto na semana da morte de Rafael, ocasião em que pagou IPTU do terreno que possui na cidade. A prefeitura de Planalto foi intimada a informar em cinco dias a data de retirada do carnê e o dia do pagamento do imposto.
"Desconfiei desde o primeiro dia", diz professora
Terceira testemunha ouvida, Ana Maristela Stann, professora de Rafael, contou em uma hora de depoimento que passou a frequentar à casa de Alexandra com o desaparecimento do menino, e que todas vezes que ia lá, a mãe "estava serena e tranquila". Complementou: "Enquanto a gente chorava, passei 10 noites sem dormir, ela aparentava tanta paz." Questionada, a educadora diz que considerou o envolvimento da mãe no desaparecimento: "Desconfiei desde o primeiro dia."
Contou ainda que os colegas de classe do garoto choravam porque queriam participar das buscas por Rafael. Ana Maristela afirmou que Rafael "era totalmente na dele" com todos os professores, era tímido e introvertido. Entre os 16 alunos da turma, apenas ele não dizia "presente, professora" no momento da chamada. Só acenava, levantando o dedo.
Para a professora, Rafael era "impecável" como aluno: "Me chamou a atenção que ele estava todos os dias lindo, super bem vestido. Sempre muito bonito. "
Afirmou nunca ter visto Rafael com o celular no colégio ou na sala de aula: "Era disciplinado."