A Justiça concedeu habeas corpus a Luiz Carlos Pail Júnior, motorista que fugiu de uma abordagem da Brigada Militar (BM) em Gravataí, na Região Metropolitana, em maio deste ano. Na perseguição, os policiais atiraram mais de 30 vezes contra o veículo que ele conduzia. A ação resultou na morte da costureira Dorildes Laurindo e nos ferimentos ao turista angolano Gilberto Casta Almeida, que voltavam do Litoral Norte de carona com Luiz Carlos após conhecê-lo em um app de viagens.
A decisão é da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos dos desembargadores, atendendo pedido do advogado dele, Alencar Coletto Sórtica. O defensor afirma que não há provas de que Luiz Carlos tenha atirado contra os policiais, como afirmaram os brigadianos.
— As alegações foram no sentido das incongruências apresentadas no inquérito policial e na denúncia apresentada pelo Ministério Público, onde só a palavras dos policiais trazem a versão de troca de tiros, quando todas as outras provas carreadas aos autos do inquérito, em nenhum momento, demonstram qualquer tiro desferido pelos ocupantes do veículo alvejado pelos mais de 30 tiros disparados pela polícia — alegou Sórtica.
Além disso, o advogado também lembrou que o exame residuográfico, feito pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) para localizar resíduos químicos nas mãos, concluiu que não é possível afirmar que Luiz Carlos tenha atirado. Também recordou que Gilberto, o turista angolano baleado, relatou em seu depoimento que não viu se Luiz Carlos atirou.
O homem era procurado pela BM em maio por ser foragido da Justiça por violência doméstica — o mandado foi revogado em agosto. Com isso, ele pode deixar a qualquer momento a Penitenciária Estadual de Charqueadas, onde estava detido. O TJ permitiu a saída desde que ele mantenha o telefone e endereços atualizados, como medida cautelar.
Em 15 de setembro, a 1ª Promotoria de Justiça Criminal de Gravataí ofereceu denúncia contra Luiz Carlos. Ele foi denunciado por três tentativas de homicídio contra os policiais, porte ilegal de arma de fogo, desobediência e falsa identidade.
À época, o promotor Fernando Bittencourt relatou que há indícios de que o homem atirou contra os policiais, apesar de a perícia ter sido inconclusiva. Ele se baseou na palavra dos três policiais e em fotos e vídeo, no celular do acusado, em que ele portava um revólver similar ao que foi apreendido.
Na mesma denúncia, o promotor concluiu que os três policiais envolvidos na ocorrência não tiveram dolo (intenção) em seus atos. Por isso, repassou o caso de volta à promotoria militar, para que se investigue eventual crime militar.
O MP foi procurado nesta terça-feira (29) por GZH, após o habeas corpus ter sido concedido, e informou que "está analisando a possibilidade de recurso".
O caso
Gilberto, que vive no Brasil há cerca de cinco anos, havia conhecido Dorildes pelas redes sociais e os dois mantiveram contato por quatro meses, até que ele decidiu viajar para o Rio Grande do Sul para conhecer pontos turísticos, como Gramado. O primeiro passeio foi para Tramandaí, no Litoral Norte, onde mora um irmão de Dorildes. Para a viagem, contrataram Luiz Carlos — que usava CNH com nome falso de Emerson — por meio de aplicativo de viagens. Para retornar para Cachoeirinha, pegaram a viagem particular com o mesmo homem. A abordagem dos PMs aconteceu na madrugada de 17 de maio.
Primeiro, os PMs afirmaram que Luiz Carlos e Gilberto haviam atirado, mas a versão não foi aceita pela investigação da Delegacia de Homicídios de Gravataí. Ao serem ouvidos novamente pelo delegado Eduardo Limberger do Amaral, os policiais modificaram a versão. Afirmaram que Luiz Carlos havia atirado ao descer do Palio Weekend. Quanto a Gilberto, não souberam informar se ele realmente empunhava uma arma. Conforme a ocorrência, apenas um revólver foi apreendido no local.
Em 7 de agosto, os três policiais militares envolvidos no caso foram indiciados por crime militar, conforme informou a Brigada Militar (BM). O trio também deve responder ao Conselho de Disciplina no âmbito administrativo e deve permanecer afastado das funções até sua conclusão do caso.
Em junho, GZH revelou que um dos três policiais militares investigados pela perseguição já possui três processos em aberto na Justiça Militar em razão da sua atuação na BM. Em um deles, em março de 2020, o soldado foi condenado a sete meses de prisão por invasão de domicílio e agressão contra um adolescente em uma abordagem ocorrida em 2016, também em Gravataí.