Em agosto de 2018, o desaparecimento de uma jovem enquanto caminhava em um ponto turístico de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, terminou em desfecho trágico. O corpo de Francine Rocha Ribeiro, 24 anos, foi encontrado em mato próximo da pista onde ela se exercitava sozinha no Lago Dourado. O crime brutal — a vítima foi espancada e estrangulada — inquietou e estarreceu a comunidade. Dois anos depois, o réu Jair Menezes Rosa, 60 anos, está mais perto de ser encaminhado a júri, mas a defesa tenta conseguir na Justiça que ele deixe a prisão.
No fim de julho, o Tribunal de Justiça negou recurso da defesa de Jair e manteve a sentença da Justiça de Santa Cruz do Sul, que havia determinado que ele seja submetido a julgamento popular. Antes disso, a defesa havia pedido que o réu passasse por exames, para verificar se tinha capacidade mental de compreender os fatos na época do crime. O chamado incidente de insanidade mental, no entanto, acabou arquivado.
Agora, a defesa de Jair pretende recorrer novamente, desta vez, ao Superior Tribunal de Justiça — o pedido deve ser protocolado nesta segunda-feira (17). Paralelo a isso, um habeas corpus será julgado no dia 25 de agosto, às 14h, pela 2ª Câmara Criminal. Nele, a defesa pede que o réu seja posto em liberdade provisória ou tenha concedida a prisão domiciliar. Jair continua preso de forma preventiva no Presídio Estadual de Candelária, também no Vale do Rio Pardo. A defesa alega no pedido que o réu possui idade compatível com grupo de risco para contaminação por coronavírus, doença cardíaca e diabetes crônica.
— Atualmente, o momento do sistema carcerário em todo Brasil está delicado, pela pandemia do coronavírus. Por isso, ingressamos com esse pedido, por entender que se ele se enquadra nesse grupo, e aguardamos julgamento. A defesa discorda da descrição fática na acusação e como o acusado teria supostamente feito tudo. A versão pessoal do acusado é de negativa de autoria — afirma o advogado Mateus Porto.
"É uma ferida que nunca vai cicatrizar", diz a mãe
Foi da casa da mãe, em Vera Cruz, município vizinho a Santa Cruz do Sul, que Francine saiu na tarde daquele domingo para ir ao Lago Dourado. Era um dia ensolarado e ela queria fazer uma caminhada. Quando a filha saiu de casa, a costureira Eronilda Machado estava sentada em frente à residência — era a última vez que veria a jovem com vida. Dois anos depois, a mãe conta que espera que a Justiça seja feita e que os dias ainda são difíceis.
— Só esperamos Justiça. Uma pessoa que fez o que ele fez não pode estar em liberdade. Cada dia que passa, a saudade aumenta mais. Só de pensar que um ser humano teve coragem de fazer tudo que fez. Só quem está passando por isso sabe a dor. É uma ferida que nunca vai cicatrizar. Dói muito — descreve.
Naquele domingo, Francine havia almoçado na casa do pai, ao lado da irmã gêmea Franciele — era Dia dos Pais. Na manhã seguinte, foi o pai que deparou com o corpo da filha em meio ao matagal, enquanto fazia buscas pela jovem.
— Nunca vou esquecer a forma como encontrei a minha filha. Isso nunca vai sair da minha cabeça — desabafa Runer Rocha Ribeiro, 53 anos.
Assistente de acusação no processo, o advogado criminalista Roberto Oliveira argumenta que os elementos que contribuíram para que a prisão preventiva do réu fosse decretada há dois anos continuam existindo. Entre elas, o fato de que o crime gerou comoção na comunidade e que estar em liberdade pode gerar risco para o próprio réu.
— É um crime emblemático, que causou comoção muito grande na sociedade. Foi uma situação realmente muito brutal. Desde antes de saberem o que tinha acontecido, o sumiço da filha causou angústia profunda dentro daquela família. Se ele for posto em liberdade, as pessoas ainda se lembram do que ele fez. Não é um sujeito que vai poder viver na normalidade. Como explicar para a população que ele está em liberdade, e não preso? O processo não vai de maneira nenhuma curar o que foi provocado naquelas pessoas, mas pode dar uma resposta institucional para essa família — afirma.
Entenda
Jair Menezes Rosa foi preso em 23 de agosto de 2018, durante investigação da Polícia Civil de Santa Cruz do Sul. A perícia constatou que havia vestígios de material genético dele no corpo e nas roupas da vítima. Duas testemunhas ouvidas pela investigação relatam ter visto Jair, que residia nas proximidades de onde aconteceu o crime, saindo do matagal, apressado, em horário compatível com a morte de Francine. Para a investigação, ele atacou, estuprou e matou a jovem.
Em depoimento, Jair negou que tenha cometido o crime. Mas alegou que viu quando um homem interceptou Francine e que esse mesmo criminoso lhe obrigou a manter relações sexuais com a jovem (o que na versão dele justificaria o material genético dele localizado no corpo da vítima). A polícia indiciou Jair pelo homicídio qualificado (em contexto de feminicídio), estupro e furto (por conta de pertences da vítima, como celular e roupas, que desapareceram), crimes pelos quais também foi denunciado pelo Ministério Público e se tornou réu.
A partir de um pedido da defesa de Jair, o réu chegou a ser submetido a perícia média no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) para verificar sua sanidade mental — segundo a defesa, o réu é interditado civilmente. No entanto, segundo o Tribunal de Justiça, o laudo afastou insanidade ou doença mental do réu quando aconteceu o crime. Com isso, o incidente foi arquivado e o processo voltou a tramitar normalmente.
Em janeiro deste ano, a Justiça de Santa Cruz do Sul determinou que o réu deveria ir a júri, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça. Mas em 29 de julho, houve decisão unânime para negar o recurso. A defesa agora pretende ingressar com pedido no STJ. Caso o recurso não seja concedido, o processo retorna para Santa Cruz do Sul para que seja agendada a data do júri.