Ao contrário da maioria dos indicadores, os feminicídios aumentaram no RS neste primeiro semestre de 2020. GaúchaZH ouviu especialistas que atuam no combate à violência doméstica para compreender os fatores que estão por trás desse aumento e o que pode ser feito para evitar novos desfechos trágicos. Fortalecer a rede de apoio, incentivar as mulheres a buscarem ajuda e ampliar denúncias, além de responsabilizar e tratar os agressores, estão entre os aspectos apontados como fundamentais.
A diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher no Rio Grande do Sul, delegada Tatiana Bastos afirma que a maior parte das vítimas e agressores é jovem e apenas 10% das mulheres assassinadas tinham ocorrência contra o autor.
— O fato de serem muito jovens demonstra que continuamos formando, ou deformando, com educações sexistas. E o que é pior: as mulheres estão morrendo caladas. Não é nem sem medida protetiva, é sem ter feito qualquer ocorrência. Precisamos incentivar as mulheres a buscarem ajuda e, mais do que isso, como sociedade, assumir nossa responsabilidade, acolher e não julgar as vítimas. Nascer mulher é um fator de risco. Se não enfrentarmos a violência de gênero, vamos continuar perdendo mulheres e enxugando gelo — analisa.
Sobre o crescimento de casos, a delegada afirma que o primeiro trimestre concentrou 66% do aumento, mas nos meses seguintes, com redução de mortes em maio e junho, a diferença caiu. Ela pontua que os meses de verão costumam concentrar maior elevação, por conta do consumo de álcool e drogas, além da maior convivência em períodos de férias. Estes também são fatores presentes no período de distanciamento social. O risco de aumento da violência doméstica durante a pandemia vem alertando autoridades.
— Ninguém se torna agressor por conta do distanciamento, mas as violências que já aconteciam ficam mais graves e frequentes. Aliado a isso, temos risco maior de subnotificação. Temos feito trabalho intenso desde o início da pandemia para cumprir mais mandados e apreender armas, prender autores, além de flexibilizar canais de denúncias. Temos tido bem mais participação da comunidade. Precisamos desacomodar essas lógicas de violência, ao invés de reforçar. Quando a mulher procura ajuda nas pessoas próximas, não pode ser desencorajada a denunciar. Se nós conseguirmos ter acesso à essa mulher, podemos evitar que termine num feminicídio — avalia a delegada.
Para a promotora Ivana Bataglin, da Promotoria de Justiça Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre, este cenário da pandemia agrava ainda mais a possibilidade de que mulheres não informem as violências. Ela considera o isolamento fator de risco, pelo fato de reduzir a possibilidade de a vítima pedir ajuda e permitir que o agressor tenha mais controle sobre a rotina da mulher.
— O feminicídio é a ponta do iceberg de todo um histórico de violências. É um fenômeno que não tem como esconder. E, por isso, um indicador importantíssimo. Quando o mapa da violência nos mostra o aumento de mortes de mulheres, as violências subnotificadas nos saltam aos olhos — afirma.
Neste contexto, campanhas foram lançadas nos últimos meses como forma de tentar possibilitar às vítimas pedir ajuda, inclusive em estabelecimentos, como farmácias, entre elas a Máscara Roxa e Sinal Vermelho. A Polícia Civil do Estado disponibilizou WhatsApp para receber informações de casos de violência contra a mulher: (51) 98444-0606. Os registros também podem ser feitos por meio da Delegacia Online.
— Este é um crime gerado por uma sociedade machista, onde o homem tem sentimento de posse sobre a mulher, como se ela fosse propriedade dele. Precisamos de uma rede de proteção fortalecida para amparar a mulher, dentro do tempo dela, quando decide romper a relação. É nessa hora que muitas vezes o crime acontece — analisa advogada Sueme Pompeo de Mattos, presidente da Associação de Justiça e Apoio às Mulheres (Ajam) de Cachoeirinha.
Para registrar as histórias dessas vítimas, tanto daquelas que foram mortas, como das que superaram as agressões, a Ajam lançará nos próximos dias o site Incontáveis. A iniciativa — inspirada no projeto Inumeráveis desenvolvido para mortos pela covid-19 — pretende se transformar numa espécie de memorial contra a violência doméstica. A associação também está desenvolvendo projeto para atuar junto aos agressores. Para isso, estão sendo capacitados três psicólogos. O Tribunal de Justiça do RS já mantém esse tipo de atendimento.
— Isso está previsto na Lei Maria da Penha e fundamental para o combate da violência doméstica. Precisamos compreender quem são os agressores que estão por trás dos casos de violência doméstica, até para que eles não repitam esse comportamento com outras mulheres — defende Sueme.
Onde pedir ajuda
- Disque Denúncia: número 181
- WhatsApp: (51) 98444.0606
- Denúncia Digital 181, no site da SSP
- Emergências pelo 190 (Brigada Militar)
- Disque 180