Um dia depois de ficar cinco horas sob a mira de criminosos na zona sul da Capital, a profissional de educação física de 52 anos, que prefere não se identificar, ainda tenta entender o que aconteceu no fim da tarde de segunda-feira (6). A mulher foi mantida em cativeiro em uma ação que envolveu pelo menos cinco bandidos. A Polícia Civil, que acompanhou boa parte da negociação para o resgate no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), trata o crime como extorsão mediante sequestro. Dois suspeitos foram presos no momento em que a vítima foi libertada, no bairro Cristal, mas os investigadores buscam por mais dois homens e uma mulher.
Moradora da Capital, a mulher estava a caminho de um hospital, onde ficaria as próximas 12 horas cuidando da mãe, quando parou na casa de uma amiga na Rua Caeté, na Vila Assunção, por volta das 17h20min. Na calçada, foi abordada por quatro homens armados em um Fiesta. Três desceram:
— Quando vi que não ia conseguir fugir, desci, peguei a chave, entreguei e disse: "Pode levar o carro". No que eles responderam: "A gente não quer o carro, é um sequestro, queremos dinheiro". E aí me enfiaram para dentro do carro.
A amiga presenciou a cena e acionou polícia e familiares. Colocada no banco de trás do próprio carro, com o rosto coberto por uma camiseta, foi acompanhada dos três homens armados. O mais novo deles pegou a direção do Versa, mas teve dificuldade de conduzir o veículo e trocar as marchas. Os criminosos precisaram trocar o motorista antes de chegar ao esconderijo. O quarto criminoso ficou no Fiesta e seguiu o veículo da vítima. Nos 10 minutos entre o momento da abordagem até a chegada no cativeiro, na Vila Pedreira, também na Zona Sul, mexeram na bolsa e pegaram cartões. A mulher não tinha noção de localização, mas tinha a percepção de ter sido levada para longe:
— Só vi que eram umas ruelas, um beco que nem passava carro. Não conseguia enxergar nada.
A vítima ficou em um casebre por cinco horas, período em que diz ter sofrido pressão psicológica e ameaças. Segundo ela, uma mulher saiu com seu cartão. Após três tentativas de saque, conseguiu retirar dinheiro da conta. O valor ainda não foi apurado:
— Começaram dizendo que não eram violentos, que só queriam dinheiro. Mas depois de um tempo passaram a falar que iam colocar fogo no carro e em mim. Que estavam pedindo dinheiro e minha família não ia dar. Disseram que minha vida não valia nada. Tentei ficar o mais calma, se eu me apavorasse, seria pior. Me esforcei para ser sóbria. Tentavam o tempo todo me abalar.
Os sequestradoras se revezavam entre observar a vítima, dentro da casa, cuidar do pátio, vigiando a movimentação externa, e fazer a negociação com o marido da profissional de educação física. Segundo a mulher, os criminosos pediram valores que variavam entre R$ 5 mil, R$ 7 mil e R$ 10 mil. A cada barulho da grade do portão, ela temia o grau de violência da próxima pessoa com quem teria contato:
— Não chegaram a me machucar, mas passa o filme da tua vida na cabeça, tu não sabe como vai sair dali. Buscaram água mineral, perguntaram se eu queria água com gás ou sem. Trouxeram uns salgadinhos, queriam que eu comesse. Imagina como eu ia comer naquela situação. Tentei ser educada e paciente o tempo inteiro.
A vítima conta que chegou a trabalhar como motorista de aplicativo para complementar a renda, mas desde o início da pandemia de coronavírus, deixou a função de lado. Nunca havia sido assaltada e se considera cuidadosa na direção. Ontem, afirma, foi pega no descuido:
Me deixaram bem claro que o público alvo deles é mulher que não está prestando atenção. Disseram que estão sempre rodando, cuidando. Na primeira vacilada, eles vão para cima. Se tu estás parada, é a presa deles. Estão o tempo todo procurando a vítima.
VÍTIMA
Profissional de educação física
— Foi um momento de bobeira. Foram cinco horas intermináveis, para pensar em tudo. Fiquei pensando que não era para eu estar naquele lugar, naquela hora. Rezei. Chega uma hora que tu acha que está vencendo, em outra acha que não vai dar. Eles me deixaram bem claro que o público alvo deles é mulher que não está prestando atenção. Disseram que estão sempre rodando, cuidando. Na primeira vacilada, eles vão para cima. Se tu estás parada, é a presa deles. Estão o tempo todo procurando a vítima.
O marido da profissional de educação física chegou depositar R$ 2 mil em uma conta dos criminosos pouco antes do fim do sequestro. A vítima quer tentar recuperar a quantia:
— As mulheres devem ter cuidado, não parar para mandar mensagem, não mandar áudio. Eles não tiveram o mínimo pudor. Não tem lugar seguro e não tem hora do dia.
No momento em que foi resgatada pelos policiais do Deic, a vítima estava sendo trocada de cativeiro. Segundo ela, os criminosos já tinham a informação de que a polícia estava chegando ao esconderijo. De olhos vendados, foi colocada no banco de trás, deitada. No trajeto, chegaram a dizer que a largariam em um local onde o marido pudesse encontrá-la. Foram abordados pela Polícia Civil na rótula da Avenida Icaraí com a Avenida da Divisa, no bairro Cristal, também na Zona Sul. A ação foi rápida e sem troca de tiros:
— Como o cara que estava no carona tinha um revólver, tive medo de levar um tiro. Mas logo se atiraram no chão e a polícia me tirou do carro. A ação foi impecável, precisa. Mas foram os piores cinco minutos da minha vida.
O celular e o veículo da profissional de educação física estão passando por perícia. O delegado João Paulo de Abreu, da Delegacia de Roubos e Repressão ao Crime, acredita que a ação foi orquestrada por uma quadrilha especializada em roubo a veículos e sequestro relâmpago.
— Neste caso, houve uma progressão criminosa de extorsão para extorsão mediante sequestro, fato ainda mais grave e punido com mais rigor. A vítima não teve condições de pagar pela liberdade e eles exigiram que o valor fosse pago por familiares. Eles disseram à vítima que miram mulheres. Certamente esperam que as mulheres são menos propensas a reagir e, em caso de reação, sejam mais facilmente contidas.
Informações sobre o paradeiro dos criminosos pode ser repassadas ao Disque-Denúncia do Deic pelo telefone: 0800 510 2828.