Após mais de nove horas de incursões por vielas de chão batido, emolduradas por casebres improvisados, em uma área de invasão em Palhoça, Santa Catarina, os agentes gaúchos decidiram fazer a última tentativa. Ingressaram em um beco, já guiados pela luz da lanterna. Buscavam pista do paradeiro de Marlon Teixeira dos Santos, 31 anos, o Chucky — ele havia escapado horas antes na primeira tentativa de prendê-lo. Apontado como executor de uma facção criminosa de Porto Alegre, suspeito de envolvimento em 15 homicídios, há três anos o foragido se esgueirava do radar da polícia. Só que a fuga terminaria ali.
Mas para chegar até aquele beco que culminaria na prisão de Chucky, ou Yuri, como é conhecido, os policiais da Delegacia de Capturas do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) tinham passado por uma série de tentativas de encontrá-lo. Desde janeiro de 2017, o foragido não era mais localizado no Estado e não tinha novo registro de crime, o que dificultava a localização.
— Ele sumiu, e começaram a entrar os mandados de prisão. Já estava com sete mandados de prisão preventiva todos por homicídio — explica o titular da Delegacia de Capturas, delegado Arthur Raldi.
Desde então, a polícia seguia tentando localizá-lo, mas os investigadores começaram a perceber que ele mantinha escassos contatos por aqui. Decidiram concentrar as buscas no Estado vizinho. Chucky já havia dado indícios, em diálogos obtidos pela polícia, que tinha vontade de seguir para Santa Catarina. Desde o início deste ano, os policiais passaram a rumar para lá, em busca de informações que levassem a alguma pista sobre o paradeiro dele.
Filtrando os rastros, souberam que o foragido poderia estar escondido em uma invasão em Palhoça. Organizaram uma operação e ingressaram às 8h30min do dia 28 de maio na área de ruelas de chão batido.
Identificação
Eram 10 policiais, em busca de informações sobre a companheira de Chucky — suspeitavam que ele estava com ela. As pichações indicavam que a busca seria complexa. "Delator tem vida curta", intimidavam. Em área dominada pelo tráfico, "nunca vi" era a principal resposta que recebiam.
No início da tarde, a polícia chegou à identificação da rua onde o foragido estaria escondido, mas ainda não tinha certeza sobre qual era a casa. Quando a viatura se aproximou do casebre, alguém espiou por uma janela e um homem de moletom, bermuda e chinelo, saltou por outra. Os policiais desembarcaram em disparada, mas ele seguia correndo entre as casas e, no meio delas, desapareceu outra vez. Dentro da residência vazia, havia documentos da companheira, mas nenhum de Chucky. A mulher também não foi localizada.
Sem conseguir cercar todo território, os policiais pediram reforço e 15 viaturas locais ajudaram a sitiar a área. Mesmo assim, o foragido não aparecia e as horas foram passando, em clima tenso. Já começava a escurecer, quando os agentes ingressaram em um beco a cerca de 500 metros do casebre do qual ele havia pulado a janela. Conferiram duas casas e um comércio, sem sucesso. Quando já estavam de partida, perceberam que uma mulher espiava pela brecha de uma cerca. Era a companheira do foragido. Na casa abandonada, os policiais encontraram Chucky, escondido. Assim que foi preso, o foragido avisou que não falaria nada.
— Isso nos mostra a periculosidade dele. Não só pelos sete mandados de prisão, e o número de homicídios, e por ser apontado como principal executor dessa organização criminosa, que é uma das mais violentas do Estado, mas também pela dificuldade que foi para localizá-lo, do início ao fim — afirma Raldi.
Operação Gângster
O nome de Chucky como um dos executores da facção, com berço na zona leste da Capital, surgiu durante a Operação Gângster, há quatro anos. Essa investigação resultou na prisão de líderes do grupo. Em agosto de 2016, José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, foi preso em Ciudad del Este, também pela equipe da Delegacia de Capturas, em parceria com policiais paraguaios.
— No bojo dessa investigação, o Chucky foi apontado como matador. Executava as ordens a mando dessas lideranças, principalmente do Minhoca. Homicídios e tomadas de territórios — explica Raldi.
Em um dos vídeos obtidos pela investigação, Chucky é identificado como um dos criminosos envolvidos em tiroteio na Vila Cantão, no bairro Nonoai, na Zona Sul. É apontado como sendo um dos atiradores, que está de colete à prova de balas, com rosto coberto por máscara e carregando uma metralhadora. Ao fim da incursão pelo território de outra facção, o grupo comemora por acreditar que mataram dois rivais — a polícia conseguiu confirmar pelo menos um homicídio resultado desse tiroteio.
Em 2017, um ex-gerente procurou o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa. Douglas Gonçalves Romano dos Santos detalhou ações da facção, como sequestros de rivais, esquartejamentos, e esquemas envolvendo o tráfico, nos quais Chucky também estava envolvido. Os dois tinham sido presos juntos em 2015, por tráfico.
Como delator, Douglas passou a integrar programa de proteção a testemunhas e também deixou o RS, jurado de morte pela facção. Chucky teve mandados de prisão expedidos e sumiu. O delator acabou sendo executado a tiros em fevereiro deste ano, em Balneário Camboriú após decidir deixar o programa de proteção.
Embora não possua condenações, pois os processos estão em andamento, Chucky acumula oito indiciamentos envolvendo homicídios, segundo a polícia, e segue investigado. Tem ainda o nome citado em processos envolvendo o grupo criminoso como responsável por guardar o armamento, munições e participar das execuções.
Após ser capturado em Santa Catarina, o foragido foi trazido para o RS na mesma noite.