Não é apenas o rosto infantil de Rafael Mateus Winques, 11 anos, estampado em publicações e cartazes como criança desaparecida desde 15 de maio em Planalto, que traz à tona a lembrança da emblemática morte do menino Bernardo Uglione Boldrini, de Três Passos.
Mesmo antes de o corpo de Rafael ser encontrado a partir da confissão da mãe, a polícia já reunia elementos com base na semelhança entre os dois casos. A principal delas é a que também mais choca: a de um crime cometido no ambiente familiar.
As semelhantes começaram a ficar tão fortes que a delegada que investigou a morte de Bernardo, Caroline Bamberg, estava sendo chamada para apoiar o trabalho. Nesta terça-feira (26), ao falar de detalhes da investigação, o diretor do Departamento de Polícia do Interior, delegado Joeberth Pinto Nunes, disse não descartar que a morte de Bernardo possa ter servido de inspiração no caso Rafael.
Dois meninos com a mesma idade, cujos assassinatos foram encobertos com falso registro de desaparecimento por familiares — no caso de Bernardo, pelo pai, e no de Rafael, pela mãe — que acabariam se tornando alvo de suspeitas e de investigação, até acabarem presos. A confissão da mãe, na tarde da segunda-feira (25), revelou mais um elemento a ligar as duas histórias.
Alexandra Dougokenski alegou que a morte foi acidental, decorrente de excessiva dose de Diazepam, usado para atenuar crises de ansiedade. Bernardo recebeu doses de Midazolam, sedativo e indutor anestésico, ministradas, conforme apuração da polícia, pela madrasta, Graciele Ugulini, também sob alegação de que a criança precisava ser acalmada. Durante julgamento do crime, Graciele sustentou que a morte ocorrera "por acidente" em função do excesso de medicação.
Depois de receber a medicação, Bernardo foi jogado em uma cova. O corpo estava nu, enrolado em um saco de ráfia. Houve dúvida se já estaria morto quando o buraco foi fechado com terra. A partir da perícia, a polícia considerou que sim, já que não foram encontrados vestígios na traqueia que indicassem tentativa de respiração sob a terra.
Sobre Rafael, que já teve a causa da morte confirmada como asfixia mecânica, ainda não há certeza de uso do remédio. A perícia indicará se havia mesmo Diazepam no organismo. Conforme Nunes, a polícia ainda verifica se Rafael foi levado ao local onde estava o corpo já morto ou apenas dopado por medicamentos. A cabeça do menino estava enrolada em um saco.
O enredo dos supostos sumiços de Bernardo e de Rafael também é semelhante. O primeiro teria saído para dormir na casa de um amigo e não teria retornado. Rafael teria aberto a porta de casa durante a madrugada e saído sem explicação. Apesar de serem crimes cometidos no núcleo familiar, as duas histórias têm um tópico que as diferencia: a relação das crianças com parentes.
No caso de Bernardo, logo no começo da investigação, a polícia já teve elementos de que havia motivos para o pai, Leandro Boldrini, e a madrasta estarem envolvidos no sumiço e na morte do menino. Havia dezenas de relatos de maus-tratos e negligência em relação a Bernardo, que seria considerado um estorvo pelo casal. Já na história de Rafael, tudo que foi apurado levava a uma relação familiar sadia, sem violência ou outras dificuldades. Mãe e filho costumavam ser vistos sempre juntos pela cidade.
A peça chave para desmascarar a mãe, no entanto, também foi um elemento presente na apuração de Três Passos: a frieza. Pai e madrasta não demonstravam sofrimento com o sumiço de Bernardo. A mãe de Rafael, da mesma forma, "não esboçava emoção, não chorava, não se desesperava", contou a promotora Michele Taís Dumke Kufner.
O desafio da investigação agora é saber o que realmente existia por trás da aparente boa relação entre mãe e filho.