Ao descrever as roupas com as quais o filho Rafael Mateus Winques, 11 anos, teria saído de casa na sexta-feira, 15 de maio, Alexandra Dougokenski, 32 anos, foi detalhista: camiseta do Grêmio, calça de moletom preta, chinelos e óculos de grau. A informação precisa intrigou a polícia desde o começo. Se a mãe não tinha visto o menino deixar a residência pela porta da frente, como ela alegava que havia acontecido, como podia ter certeza sobre esse ponto? Após a mulher confessar ter matado o garoto, no fim da tarde desta segunda-feira (25), os policiais encontraram o corpo da criança.
Quando relatava as últimas horas que havia passado com o filho, a mãe era detalhista. Descrevia o momento em que havia coberto Rafael na noite anterior ao desaparecimento porque ele estava com o frio. Aquelas descrições integravam as dúvidas que orbitavam a cabeça dos policiais envolvidos na investigação do desaparecimento do menino.
— Ela procurava passar para a polícia uma riqueza de detalhes que ela certamente não tinha como saber — afirmou o diretor do Departamento de Polícia do Interior (DPI), delegado Joerberth Nunes, em entrevista coletiva nesta terça-feira (26).
Quando decidiu comunicar o desaparecimento do filho, a mãe procurou primeiro o Conselho Tutelar. Só depois, buscou a polícia, sob orientação das próprias conselheiras. Segundo o relato de Alexandra, ela havia acordado na manhã do dia 15 de maio e o filho tinha sumido. Ela alegava saber da roupa porque essas tinham sido as únicas peças a desaparecer do quarto da criança. Outro fato que intrigava os envolvidos na apuração do caso era a temperatura baixa naquela madrugada. Por que o garoto teria saído de dentro de casa com tão pouca roupa?
— Naquela noite, fez muito frio aqui. Era uma noite muito gelada. É mais estranho ainda que ele tenha saído com tão pouca roupa para a rua — analisou a promotora Michele Taís Dumke Kufner, em entrevista a GaúchaZH, no dia 22 de maio.
Um dia antes, a promotora tinha estado na residência onde Rafael vivia com a família. Michele queria entender como era o local de onde a mãe afirmava que ele tinha desaparecido. Naquele momento, também lhe chamou atenção que Alexandra narrava os fatos de forma cronológica, sem demostrar emoção.
— Não chorava, não se desesperava. Isso nos chamou muito a atenção — descreve a promotora.
Ao mesmo tempo, a polícia tentava desvendar o perfil do menino e o histórico da família. Rafael era descrito pelos colegas, vizinhos e professores como uma criança calma, educada, porém introvertida. Tinha poucos amigos e era bastante introspectivo. Vivia com a mãe e o irmão, de 16 anos. Mas mantinha contato, principalmente por telefone, com o pai. O agricultor, separado de Alexandra há cerca de três anos, reside em Bento Gonçalves, na Serra.
Em Planalto, município de cerca de 10 mil habitantes, o próprio delegado Ercílio Carletti, responsável por coordenar a investigação do caso, costumava ver a criança passar perto da delegacia, sempre acompanhada da mãe. Ia e vinha da escola, sempre sob supervisão da família. O máximo que o garoto costumava ir sozinho era até o mercado próximo.
O Ministério Público e o Conselho Tutelar também buscaram levantar o histórico da família. Mas nenhum expediente que indicasse negligência ou maus-tratos foi encontrado.
— Nenhum depoimento indicava alguma desavença dessa mãe com esse filho — recorda o delegado Nunes.
Assim, a polícia seguia trabalhando com diferentes hipóteses: que o menino tivesse saído de casa por conta própria — o que começou a perder força com o passar dos dias —, que tivesse sido retirado da residência por outra pessoa e que tivesse sido assassinado dentro de casa. Uma semana depois de desaparecimento, na noite do dia 22, peritos estiveram na moradia e coletaram amostras, em busca de vestígios de sangue.
A partir dali, o comportamento da mãe começou a chamar a atenção novamente. Alexandra se fechou e evitava dar declarações à imprensa. Contrastava com a forma como, em geral, agem os familiares de desaparecidos, em busca da divulgação do caso. A mulher foi ouvida repetidas vezes pela polícia, de maneira informal e formal (quando presta depoimento).
Na tarde de segunda-feira, mais uma vez passou a ser ouvida pela polícia em Planalto. Antes de Alexandra deixar a delegacia, o delegado Ercílio Carletti disse à mulher que queria conversar novamente com ela, a sós.
— Questionei outra vez o que realmente tinha acontecido. Eu sabia que tinha alguma coisa errada. Depois dos vários depoimentos que ouvimos, aquelas versões não batiam. E ela então decidiu falar. Se mostrou emocionada e confessou — disse o policial.
Em uma versão que ainda está sendo investigada pela polícia, a mãe alegou ter matado o filho por acidente, ao medicá-lo com dois comprimidos de diazepam para que ele adormecesse. A perícia confirmou na manhã de hoje que o garoto foi assassinado por estrangulamento. Na confissão, Alexandra disse que brigou com o menino porque ele não queria dormir e nem largar o celular. E, por isso, deu a ele os dois comprimidos. A mulher afirmou que só percebeu a morte da criança durante a madrugada.
— Ela diz que, ao perceber que o filho estava morto, enrolou ele em um lençol e arrastou o corpo até a garagem dessa outra casa. Mas ela não conseguiu nos responder como sabia que ele estava morto e não apenas desacordado — disse Nunes.
A própria mãe indicou o local onde estava o corpo do menino, dentro de uma caixa de papelão. A criança vestia exatamente as mesmas roupas que tinham sido descritas por ela. A casa onde o cadáver foi encontrado é habitada, mas os moradores estavam fora do município há alguns dias — desde antes do desaparecimento do menino. A residência fica a cerca de cinco metros de distância da porta dos fundos da residência onde o garoto vivia. A confissão de Alexandra, no entanto, ainda deixa uma série de dúvidas, que seguem sendo apuradas.
A polícia averigua ainda se mais alguém mais teve participação na morte do menino. Outra questão que depende do resultado da perícia ainda em andamento é se o medicamento que Alexandra afirma ter administrado no filho realmente foi usado. Uma das hipóteses é que a criança possa ter sido dopada e depois estrangulada. Isso explicaria, segundo a polícia, o fato de que o outro filho, adolescente, dizer não ter ouvido nada do quarto dele.
A necropsia também deve estimar, com base no estado em que se encontra o corpo, a data em que Rafael foi morto. Alexandra teve a prisão temporária decretada pela Justiça na noite de segunda-feira. A investigação tenta responder ainda o que levou a mãe a assassinar o próprio filho.
— A versão que ela apresentou não está coincidindo. O motivo que ela alegou cai por terra com o resultado dessa perícia (que identificou a causa da morte como estrangulamento). A motivação é algo que ainda temos que esclarecer — disse o delegado Carletti.