Em um ano e meio na Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar de Farroupilha, na Serra, a soldado Cristiane Gugel precisou aprender a ganhar a confiança das vítimas de violência doméstica. Por vezes, deparava-se com mulheres em pânico, espiando por uma fresta da porta. Romper essa distância representava o início do processo de recuperação da segurança e da autoestima. Agora, num cenário de distanciamento social para conter a propagação do coronavírus, a patrulheira e seus colegas encontram novas ferramentas para estreitar os laços com essas vítimas.
Parte das visitas a residências foi substituída pelo contato por telefone e pelas videochamadas. Um grupo de WhatsApp chamado "Você Segura" foi criado para enviar mensagens às mulheres. Por ali, são repassados textos de apoio e motivação. São formas de reduzir o contato físico e diminuir o risco de contaminação pela covid-19 e, ao mesmo tempo, ampliar o acesso das vítimas aos serviços.
— Mandamos mensagem, ligamos. Se percebemos algo estranho, fazemos a videochamada. Conseguimos continuar conversando com elas, vendo o comportamento. E pelo grupo do WhatsApp trabalhamos a autoestima, a motivação. Por mensagens ou telefonema, também podem tirar dúvidas. Isso mantém a confiança delas na Patrulha (Maria da Penha)— explica a soldado Cristiane.
Em Farroupilha, são 28 mulheres atendidas por oito patrulheiros. As vítimas que recebem o suporte são as que têm medida protetiva concedida pela Justiça. Aquelas mulheres que não possuem celular ou mesmo acesso à internet continuam tendo as visitas presenciais dos policiais. Em caso de emergência, as mulheres são orientadas a ligar para o 190.
Se a gente não fizer com que ela se sinta segura, vai acabar voltando para o agressor. Se não trabalhar o emocional, da mesma forma. Achei formidável essa iniciativa. Quando todo mundo acabou se recolhendo para suas casas, encontraram essa solução.
FERNANDA CAMARGO DA SILVA
Advogada e responsável pela Coordenadoria da Mulher de Farroupilha
— Não deixamos de fazer o atendimento presencial, mas essa ferramenta nos proporciona que a qualquer momento estejamos em contato com a vítima de violência — afirma o major Juliano Amaral, subcomandante do 36º Batalhão.
Acolhimento
Voluntária na Coordenadoria da Mulher de Farroupilha e na Patrulha Maria da Penha, a psicóloga Maikele Dias envia diariamente mensagens no grupo de WhatsApp. Os conteúdos, que trabalham especialmente a autoestima e o empoderamento, são compartilhados em texto e vídeos. É uma estratégia para que as mulheres se sintam acolhidas, percebam que podem buscar ajuda e tenham acesso às informações sobre a rede de proteção.
— Quando a mulher chega até nós, ela acredita que não tem capacidade, não vai conseguir. Isso pela violência psicológica que já sofreu. O que fazemos é mostrar que essas são falas do agressor para manter a mulher sob domínio. Que elas têm autonomia e capacidade. Para além disso, existe aquele senso comum, de que a mulher apanha porque quer. Mas isso não é verdade. Ela está ali muitas vezes por pressão psicológica — afirma a psicóloga.
À frente da Coordenadoria da Mulher de Farroupilha, a advogada Fernanda Camargo da Silva entende que a iniciativa é fundamental para dar suporte emocional e segurança às vítimas. Ela considera esses dois eixos fundamentais para que elas mantenham a decisão de afastamento do agressor.
— Se a gente não fizer com que ela se sinta segura, vai acabar voltando para o agressor. Se não trabalhar o emocional, da mesma forma. Achei formidável essa iniciativa. Quando todo mundo acabou se recolhendo para suas casas, encontraram essa solução porque entendem a importância do trabalho deles — afirma.
A Patrulha Maria da Penha atua com os outros órgãos da rede de proteção às mulheres.
O município oferece ainda serviços por meio da Coordenadoria da Mulher, como acolhimento, escuta, orientações jurídicas e atendimento psicológico com profissionais voluntários. O suporte é um meio de fortalecimento da vítima, para que ela compreenda a relação abusiva e consiga superá-la. Outra iniciativa é o projeto Prevenir, que realiza encontros sobre o tema em empresas, escolas, clubes e outras instituições.
— Por mais que tenhamos serviços à disposição, o movimento que as mulheres têm de fazer para sair de uma relação abusiva é muito grande, doloroso. É difícil conseguirem na primeira tentativa. É por isso que precisamos fortalecer a nossa rede — conclui a coordenadora.
Reconhecimento
Além de auxiliarem as mulheres com orientações e suporte psicológico, é também pelas redes sociais que os patrulheiros recebem o retorno sobre o trabalho que realizam. "Me sinto mais segura de saber se precisar eu tenho vocês para me amparar", escreveu uma das atendidas, em mensagem trocada pelo WhatsApp. "Nesta hora a gente fica muito sozinha e sem rumo. E vocês dão um rumo na vida da gente. Uma tranquilidade saber que tenho apoio de alguém", relatou outra, em áudio de agradecimento aos policiais.