
Advogada, técnica tributária aposentada e ex-diretora-executiva do Procon-RS, a presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) Maria Elizabeth Rosa Pereira, 65 anos, morta na manhã desta sexta-feira (17) em Porto Alegre, acumulava longa vida de serviço público. Na vida pessoal, tinha como principal hobby a pintura de quadros e era apaixonada pelos netos.
Em fevereiro, Beth ou Bethinha, como era carinhosamente chamada pelos amigos, viajou para Amsterdam, na Holanda. O objetivo era visitar o filho e o casal de netos, que residem na Europa. Por mensagem, o advogado Cauê Vieira, amigo dela há mais de duas décadas, brincou sobre o frio, perguntando se ela não havia congelado. Beth respondeu animada e cheia de planos para o trabalho.
— Agora estou preparada para começar minha gestão — disse sobre o cargo na Agergs.
— Ela estava muito empolgada — descreveu o amigo nesta sexta-feira.
Maria Elizabeth era natural de Cachoeira do Sul, na Região Central, divorciada e mãe de filho único. Na manhã desta sexta-feira, ela foi encontrada morta em uma residência no bairro Partenon, com um disparo nas costas. O companheiro, um policial militar da reserva com quem ela mantinha relacionamento há cerca de 20 anos, é o principal suspeito. Ele foi localizado ferido, com um tiro na cabeça, e encaminhado para atendimento médico.
A Polícia Civil não divulga o nome do suspeito, mas a reportagem de GaúchaZH apurou se tratar de José Pedro da Rocha Tavares, 49 anos. No início da tarde desta sexta-feira, a Delegacia Especializado no Atendimento à Mulher (Deam) determinou a prisão em flagrante de Tavares, que está hospitalizado em estado grave, sob custódia da BM.
O casal não morava na mesma residência. Na noite de quinta-feira, o irmão do policial militar teria sido chamado por Maria Elizabeth para que fosse até o local porque o companheiro dela não estava querendo tomar uma medicação de uso controlado. Os três teriam permanecido juntos na casa até por volta de 6h. O irmão contou à polícia que deixou o local e cerca de 15 minutos depois ouviu os tiros. Na residência, foi encontrada uma pistola de calibre 9 milímetros, que pertencia ao policial da reserva. Segundo a Polícia Civil, não havia indicativos de briga. O caso é investigado pela Delegacia da Mulher de Porto Alegre.
— Era muito comprometida com os amigos, próxima de todos os colegas de trabalho e sempre disponível para ajudar. Sempre foi muito independente, gostava de sair com as amigas para jantar, apaixonada pelos netos, que moram na Holanda. Esse relacionamento dela era muito discreto, pouquíssimos amigos sabiam da existência dele — descreve Cauê.
Dedicação à arte

A pintura era um hobby para Beth e também uma forma de presentear amigos. O advogado recebeu da amiga um quadro com a pintura de um elefante que guarda até hoje. Era um desejo para que tivesse sorte e proteção na casa para onde havia se mudado.
No período em que atuava no Procon-RS, mantinha em sua sala uma pintura que havia feito de Têmis, a deusa grega da Justiça. A obra havia sido produzida no período em que ainda atuava na Procuradoria-Geral de Porto Alegre, e acabou seguindo com ela. Por fim, depois de muita insistência, Beth doou o quadro para outro amigo, o ex-presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), Robson Zinn, que decorou sua sala com a pintura.
Atualmente, a obra está no escritório de advocacia mantido por ele em Santa Maria, na Região Central. Ele recorda de Beth como uma profissional exigente, organizada e preocupada com os demais. Lembra que durante dois anos, como diretora do Procon-RS, ela garantiu o financiamento de livro produzido pelos internos da Fase.
— Leal e amiga. De muito grande coração. Sempre procurou fazer o bem a todos —descreve Zinn.
Vida profissional
Na Agergs, onde ingressou em julho do ano passado como conselheira, Maria Elizabeth assumiu a presidência em novembro. Sua gestão deveria se estender até 2023. Ela havia sido indicada por órgãos e entidades de defesa e direitos do consumidor devido à longa atuação nessa área: havia sido diretora do Procon-RS, cargo que ocupou de abril de 2017 até julho de 2019. Ainda atuando na defesa do consumidor, exerceu funções como diretora da Região Sul do Procon Brasil e presidente do Conselho de Defesa do Consumidor.
A ex-diretora do Procon de Porto Alegre, Sophia Vial, lamentou a perda de Beth, como era carinhosamente chamada, a quem considerava “amiga e grande servidora pública”.
— Meu coração como mulher chora. Espero que Deus conforte a família e a receba como a servidora pública incansável que foi — disse.
Maria Elizabeth atuou ainda na Secretaria da Fazenda do Estado, onde exerceu várias funções ao longo de seus 30 anos de trabalho. Foi diretora administrativa e diretora-geral na Secretaria Extraordinária da Reforma Agrária e Cooperativismo, durante o governo Germano Rigotto.
O Estado perde uma servidora exemplar. E eu, e muitos outros, (perdemos) uma amiga muito estimada
CESAR FACCIOLI
Secretário de Administração Penitenciária do RS
Em 2015, foi escolhida como secretária adjunta e diretora-geral da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do RS. Na época, a pasta era coordenada por Cesar Faccioli, que atualmente é secretário da Administração Penitenciária do Estado.
— A Beth era uma servidora dedicada à causa pública, como poucos que conheci. Uma gestora nata. Liderava pelo conhecimento técnico e pelo exemplo. Organizada, comprometida, responsável, ética, diligente e resolutiva. Incansável, uma usina de trabalho. Uma mulher de fibra. Querida e respeitada por todos os colegas. O Estado perde uma servidora exemplar. E eu, e muitos outros, (perdemos) uma amiga muito estimada — lamentou Faccioli no início da tarde desta sexta-feira.
Ainda não há informações sobre horário e local onde serão realizados os serviços fúnebres. A família está decidindo para saber como procederá, afim de aguardar a chegada dos parentes de Maria Elizabeth que residem fora do Brasil.
Manifestações
Em nota, o governador Eduardo Leite afirmou que se solidariza com a família da vítima, amigos e colegas de trabalho, e também agradeceu aos serviços prestados por Maria Elizabeth. “A sua atuação ficará marcada pela determinação e pela força com que enfrentou todos os desafios que assumiu no Estado”, declarou. A Agergs também emitiu nota de pesar, onde lamenta a perda. Confira a manifestação na íntegra:
“É com imensa tristeza e pesar que comunicamos o falecimento de nossa Presidente Maria Elizabeth Rosa Pereira, nesta manhã. Maria Elizabeth era uma mulher forte e determinada e pelos poucos meses que esteve à frente da AGERGS, teve uma grandiosa e significante passagem com determinação e muitos planos de efetividade para a Agência e para o Estado do Rio Grande do Sul. Vai deixar uma lacuna e muita tristeza em toda a equipe de trabalho, Conselheiros e Diretoria da AGERGS”.
A Associação Brasileira de Procon se manifestou por meio do presidente Filipe de Araújo Vieira. Ele lamentou a morte de Maria Elizabeth, a quem considera “eterna amiga”. Leia a nota:
“A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROCONS – PROCONSBRASIL, por todos os seus membros, através do seu presidente, Filipe de Araújo Vieira, manifesta profundo pesar pelo falecimento ex-Diretora do PROCON Estadual Rio Grande do Sul e ex-Diretora da Região Sul, da PROCONSBRSIL, e eterna amiga Maria Elizabeth da Rosa Pereira, que veio a óbito nesta sexta-feira 17 de abril de 2020, de vítima de feminicídio, que muito nos toca e nos entristece. Lamentamos a perda de uma das nossas mais aguerridas defensoras da bandeira do direito do consumidor e da independência e funcionalidade dos órgãos públicos. Manifestamos nossos sentimentos e solidariedade à família e a todo Povo Gaúcho. Salvador, 17 de abril de 2020”.