Cinquenta e cinco rosas brancas foram arremessadas no gramado de um condomínio de alto padrão em Anta Gorda, no Vale do Taquari, em 9 de junho, numa despedida simbólica. Faixas com pedidos de justiça foram fixadas em frente ao terreno, ao fim da caminhada silenciosa. Era a forma de a comunidade dizer adeus ao gerente de banco Jacir Potrich, 55 anos. Em 13 de novembro de 2018, o bancário sumiu do residencial onde morava na Rua Júlio de Castilhos. Para a Polícia Civil e o Ministério Público, ele foi assassinado, embora o corpo nunca tenha sido encontrado. Quase um ano depois, com a ação contra o acusado do crime suspensa na Justiça, o mistério ainda paira no município de 6 mil habitantes.
A Paróquia de São Carlos não foi suficiente para abrigar todos os participantes do ato realizado em junho. Era ali que Potrich ia à missa aos domingos com a esposa. Mesmo discreto e de poucas palavras, era bastante conhecido na comunidade. De origem humilde, os colegas recordam que não era incomum ele mesmo varrer a calçada em frente ao Sicredi, onde trabalhava há 25 anos. Potrich também adorava futebol, esporte ao qual se dedicou por anos. Amigos percorreram o corredor da igreja com as camisetas dos seus times do coração: o Grêmio e o São José, de Anta Gorda. Um quadro, com a fotografia do filho e de Potrich, foi cercado por assinaturas de amigos na celebração.
Foi a forma que vizinhos e familiares encontraram para tentar dar algum desfecho ao caso. O mistério que passaria a causar aflição na comunidade desacostumada com crimes teve início em novembro do ano passado. Até então, o último homicídio em Anta Gorda, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública, havia sido em 2003. Potrich desapareceu do condomínio fechado, onde viviam mais duas famílias. O bancário residia com a esposa e um sobrinho dela, de 24 anos.
Conforme a denúncia do MP, naquele dia, depois do trabalho, ele passou em casa e saiu para pescar na propriedade de um amigo. Sozinho, retornou às 19h07min, dirigiu-se para os fundos da residência. Carregava um balde, onde estariam os peixes fisgados no açude. Chegou a limpá-los e guardá-los na geladeira. Deixou sujas a pia, as facas e a tesoura usadas, o que não era comum. O carro ficou na garagem, com a carteira e documentos dentro.
Quando Potrich sumiu, a esposa, Adriane Balestreri Potrich, 54 anos, estava em viagem a Passo Fundo, para visitar o filho do casal. Ela contou que foi alertada pelo sobrinho às 20h30min porque o marido não estava em casa. Mas disse que não se preocupou porque ele devia estar pescando. Só percebeu o desaparecimento na manhã seguinte, quando Potrich não atendeu o telefone. A partir dali, começaram as buscas pelo gerente, especialmente nas áreas próximas ao residencial. Um açude chegou a ser esvaziado, mas nada foi encontrado. A família ofereceu recompensa de R$ 50 mil para quem tivesse alguma informação sobre o paradeiro de Potrich.
A polícia investigou diferentes hipóteses para o sumiço do bancário. Até foi cogitado um sequestro, já que a vítima trabalhava em um banco. Sem pedido de resgate, a possibilidade foi descartada. Vizinho e amigo do gerente por anos, Carlos Alberto Weber Patussi, 52 anos, foi preso duas vezes. Acusado de ter matado Potrich, em razão de uma desavença envolvendo o aluguel de um prédio, tornou-se réu por homicídio e ocultação de cadáver, mas a ação foi suspensa pelo Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul. O MP recorreu da decisão e, após análise do TJ, o processo pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O dentista está em liberdade e nega envolvimento no sumiço. Ele segue morando no mesmo residencial. Após o vizinho ser preso, a esposa de Potrich deixou o imóvel no condomínio e se mudou com o sobrinho para um apartamento na área central da cidade.
— Nós da família temos sentimento de dor, tristeza, luto — descreve Adriane, casada há 27 anos com o gerente.
Em Anta Gorda, o assunto é retomado sempre que alguém de fora puxa o assunto. A comunidade ficou marcada pelo caso. Com o tempo, outros debates passaram a dominar as rodas de conversa nas ruas do município, como a morte do prefeito Celso Casagrande, vítima de infarto no início de outubro. O político foi um dos representantes da comunidade a participar da manifestação junto ao residencial em junho. Em frente ao condomínio onde vivia o bancário, seguem estendidas as faixas, que expressam o luto e pedidos de justiça.
Desavença
Pouco mais de dois meses após o desaparecimento, um dentista foi preso por suspeita de ter matado o bancário e escondido o corpo. Carlos Alberto Weber Patussi era vizinho de condomínio de Potrich. Na comunidade, moradores recordam que os dois costumavam jogar futebol juntos uma vez por semana no fim do dia, em um campinho do residencial. Naquele período, não se via atritos entre os dois. Nos últimos anos, o bancário, que mantinha preparo físico com corridas diárias, acabou abandonando os jogos.
Em 23 de janeiro, Patussi foi detido em um apartamento em Capão da Canoa, no Litoral Norte. Para a Polícia Civil e o MP, ele matou o gerente estrangulado dentro do quiosque. Embora tenham sido amigos, a relação teria ficado estremecida após mudança da sede do Sicredi, que antes ficava em um prédio de propriedade de Patussi, segundo a acusação. A Promotoria sustenta que o dentista teria passado a culpar o bancário pela perda do valor do aluguel.
Segundo o promotor André Prediger, responsável pela denúncia, a conclusão de que o bancário foi estrangulado pelo dentista se deu pela exclusão de outras possibilidades. A perícia não localizou vestígios de sangue humano, por exemplo.
— Não foi tiro, não foi facada, porque tudo isso deixaria rastros passíveis de serem detectados pelos exames periciais. Não havia sangue humano. Não foi tiro, porque o Patussi não chega armado nesse quiosque. Então por eliminação, daquilo que não tem naquele ambiente onde aconteceu o crime, a gente chega nessa conclusão. Mas veja que essa conclusão não é apenas do MP. O delegado de polícia, a autoridade que investigou, chegou à mesma conclusão — afirmou.
Imagens de câmeras de segurança do residencial obtidas pela investigação mostram Patussi caminhando pelo terreno e mexendo em duas câmeras de segurança com uma vassoura. Uma delas tem o foco desviado para o alto e a outra é desligada. A polícia e o MP entendem que neste momento, logo após supostamente matar o vizinho, o dentista estaria desviando os equipamentos para que não flagrassem a ocultação do corpo. O dentista afirma que estava limpando os equipamentos e que não esteve no quiosque, onde não havia câmeras. O MP discorda da versão:
— Ele foi a última pessoa que esteve com a vítima Potrich dentro daquele quiosque. Isto está confirmado pelas imagens que apresentam a vítima entrando no quiosque minutos antes e o Patussi entrando depois (vídeo mostra ele caminhando na direção em que fica quiosque). Foi pelo menos a última pessoa a ver o Potrich com vida. Depois dessa entrada no quiosque, o Potrich desaparece. Nós entendemos que a materialidade pode ser provada pelo exame pericial no corpo, o auto de necropsia, ou por outras provas que substituam esse exame em alguns casos, como este, se não a gente está partindo do pressuposto que existe crime perfeito — conclui.