A Polícia Civil de Cachoeirinha encaminhou nesta terça-feira (8) ao Ministério Público um documento complementar à investigação sobre o desaparecimento de Nicolle Brito Castilho da Silva. A modelo, que morava no município da Região Metropolitana, sumiu em junho de 2017. A investigação concluiu que ela foi assassinada e três pessoas são acusadas pelo crime, mas o corpo nunca foi encontrado. Em fevereiro deste ano, uma jovem usou o nome dela durante abordagem policial em São Vicente, no litoral de São Paulo.
Para o delegado Leonel Baldasso, responsável por apurar o sumiço da jovem, a pessoa que se apresentou à polícia paulista forjou ser a modelo. O caso foi descoberto pela reportagem de GaúchaZH, por meio de processo disponível no Tribunal de Justiça de São Paulo em nome de Nicolle, e comunicado à Polícia Civil do Rio Grande do Sul, que solicitou diligências e documentos aos agentes de SP. "Uma pessoa de forma criminosa se identificou como sendo Nicolle", relata o delegado no documento enviado à Promotoria.
Quando abordaram a jovem em São Paulo, no início deste ano, os policiais não coletaram impressões digitais, o que permitiria comparar com as da modelo desaparecida no RS. A mulher detida em SP, que estava com uma porção de maconha, forneceu nome e sobrenome de Nicolle. Natural de Campinas (SP), a modelo gaúcha tem duas carteiras de identidade: uma no RS e outra em SP. A pessoa flagrada pelos agentes paulistas não apresentou documentos de identificação. Ainda assim, um termo circunstanciado por posse de drogas, já que ela seria usuária, foi registrado em nome de Nicolle. A jovem assinou o documento e foi liberada em seguida.
Como os sistemas entre Estados não são integrados, os policiais não sabiam que no RS a modelo é considerada morta. Após serem informados pela polícia gaúcha, os agentes de SP fizeram buscas pela mulher. Mas ela não foi localizada porque o endereço indicado na ocorrência seria falso. Esse registro de fevereiro não é o único em nome de Nicolle na mesma cidade. Em 23 de fevereiro de 2017, quando a modelo ainda não havia desaparecido, uma mulher foi flagrada no mesmo município e se identificou como sendo a jovem. Ela também estava sem documentos, não foi feito registro fotográfico nem coleta de impressões.
Na semana passada, os agentes paulistas encaminharam à polícia de Cachoeirinha os documentos com as assinaturas nos dois casos. A mais recente, de fevereiro deste ano, limita-se ao primeiro nome: Nicolle. No documento enviado ao MP, o delegado Baldasso explica que solicitou ao pai da modelo que levasse até a delegacia documentos assinados pela jovem. Ele forneceu a carteira de identidade e o título de eleitor da filha. As assinaturas nos documentos foram fotografadas para permitir comparativo com as das ocorrências em SP, caso seja necessário. Aparentemente, segundo o delegado, as assinaturas não são semelhantes.
O pai de Nicolle encaminhou à polícia arquivos do localizador do voo em nome da filha, no dia 23 de fevereiro de 2017. Segundo Sidnei Castilho da Silva, a jovem estava em Minas Gerais neste dia — mesma data em que uma mulher foi flagrada em São Vicente e usou o nome dela. De acordo com as informações que constam nas passagens aéreas, Nicolle viajou de Belo Horizonte para Porto Alegre às 15h15min. A apreensão em São Vicente, município a 700 quilômetros da capital mineira, aconteceu durante a manhã.
No documento, o delegado ainda afirma que cabe à polícia de SP apurar o suposto caso de falsidade ideológica. Para Baldasso, o fato de alguém utilizar o nome da jovem pode ser explicado por um registro feito por Nicolle em 12 de agosto de 2016. Enquanto residia na Vila Formosa, na capital paulista, a modelo teve furtados a carteira de identidade, um cartão bancário e R$ 600. Caberá ao Ministério Público agora definir se solicita novas diligências ou até mesmo perícias nas assinaturas registradas nas ocorrências.
O desaparecimento
O sumiço de Nicolle completa dois anos e quatro meses nesta quarta-feira (2). A jovem foi vista com vida pela última vez na noite de 2 de junho de 2017. A modelo tinha se mudado para Cachoeirinha havia apenas quatro meses, para morar com o pai.
Antes, viveu com a mãe em Miami, nos Estados Unidos, e em São Paulo, com uma amiga. Em imagens gravadas por uma câmera de segurança, Nicolle é vista entrando em um Peugeot 208 prata, em frente à casa onde morava com o pai, no bairro Vale do Sol. O pai dela havia saído para comprar um lanche.
Ao longo da investigação, três pessoas foram indiciadas e denunciadas. Os três se tornaram réus pelo assassinato da modelo e por ocultar o corpo. Para a Polícia Civil e o Ministério Público, um apenado do Presídio Central determinou a morte da jovem por vingança. Ele estaria convencido de que ela havia delatado para rivais o endereço de um comparsa de sua facção, que acabou sendo morto junto da companheira alguns dias antes de Nicolle desaparecer. Um áudio obtido durante a investigação da Polícia Civil indica que a jovem teria sido vítima de um crime brutal:
— Ela já era, ela foi cortada, foi botada dentro dos pneus e foi "tacado" fogo. Depois foi "tacada" dentro do Guaíba — disse um presidiário indiciado.
O caso
Na noite de 2 de junho de 2017, Nicolle Brito Castilho da Silva, 20 anos, desaparece de casa enquanto seu pai buscava um lanche nas proximidades. Entre o fim de julho e início de agosto do mesmo ano, registros de atividades no Facebook da jovem levaram a polícia a crer que ela pudesse estar viva.
O inquérito da Polícia Civil é finalizado no dia 1º de junho, após quase um ano de investigação, quebra de sigilos telefônicos, de redes sociais, cumprimento de 15 mandados judiciais e depoimentos de 26 testemunhas. Três pessoas são indiciados por homicídio e outras duas por crimes relacionados.
No dia 29 de junho de 2018, o Ministério Público (MP) denuncia dois homens e uma mulher por homicídio triplamente qualificado — com motivo torpe, mediante dissimulação e com emprego de tortura. Em 10 de julho de 2018, a Justiça aceita a denúncia e torna três pessoas rés pelo crime.
Após quase um ano e meio do desaparecimento da modelo, em 26 de novembro de 2018, é realizada a primeira audiência do caso para ouvir testemunhas. A Vara Criminal de Cachoeirinha determinou sigilo sobre o processo, por haver testemunhas que poderiam ser ameaçadas pelos criminosos. O nome dos réus também não foi informado, sob essa mesma alegação. Dois deles estão presos e uma mulher responde em liberdade.