De chinelos, vestido colorido e uma coroa infantil na cabeça, Eduarda Herrera de Mello, nove anos, aparece sorridente em uma das fotografias guardadas pela mãe. Nos dias mais difíceis, Kendra Camboim Herrera, 32 anos, apega-se às imagens de Duda, como a menina era chamada. Tatuou no braço esquerdo o rosto da filha, duas semanas após sepultá-la. Na noite de 21 de outubro, a criança brincava na frente de casa, no bairro Rubem Berta, quando desapareceu. Foi encontrada morta na manhã seguinte, no Rio Gravataí. Um ano depois, sem respostas sobre o crime, a família prepara protesto para terça-feira (22).
Em frente à Escola Estadual de Ensino Fundamental Lidia Moschetti, onde a filha estudava a poucos minutos de casa, Kendra recorda que a criança era querida por todos. De sorriso largo, cumprimentava a porteira do colégio, a moça do lanche ou quem mais passasse por ela. A menina estava na 4ª série do Ensino Fundamental e dizia que um dia seria médica. A casa da família vivia lotada de crianças.
— Era uma guria muito alegre, carinhosa. Queria dar abraço em todo mundo. Queria sempre fazer amizade. Era uma pessoa muito querida. Todo mundo gostava dela. Era um amor de criança. A gente fica se perguntando como uma criatura pega uma criança para fazer isso? — questiona a mãe.
Quando a menina nasceu, Kendra tatuou nas costas o nome escolhido para a pequena. Era sua primeira filha. Após perder a menina, a mãe também decidiu marcar na pele a imagem de uma Duda sorridente. Com a mão apoiada no queixo, estava deitada na cama, quando Kendra fez a foto. A imagem foi reproduzida na tatuagem. Em uma camiseta, também com a foto de Duda, está estampado o pedido de Justiça para o assassinato de menina.
— É muito difícil. Tem dias que a gente acorda bem, tem dias que não acorda. Que nem hoje, eu sonhei com ela. Então, já acorda chorando. É o dia inteiro pensando. Vai ver as fotos e tudo mais. É um dia de cada vez. Tem dias que a gente consegue mais tranquilo, tem dias que não tem. Hoje é um dia que é pesado — conta Kendra.
A falta de respostas sobre quem raptou Duda da frente de casa e provocou a morte da menina atormenta os pensamentos da mãe diariamente. A família pretende fazer o protesto como forma de marcar um ano do caso e cobrar retorno da investigação.
— Toda vez que vou na polícia falam que o caso é prioridade. Mas não têm nada de concreto para me falar. Da minha filha, não tem imagens, não tem áudios, não tem nada. Isso é ser prioridade? Não sei no que eu acredito. Como não tem nenhum vestígio? Quem eu cobro? Se cobro a polícia e não adianta nada. Quem cobra a polícia por mim, então? Até quando vou ficar sem saber nada?— critica a mãe.
O crime
Na noite de 21 de outubro, Duda andava de roller na frente de casa, na Rua Inácio Kohler, com o irmão e uma amiga — ambos de seis anos, na época — quando foi raptada. O brinquedo havia sido emprestado por outra menina. A família estava à luz de velas. Por isso, um eletricista foi até a residência e Kendra entrou para auxiliar. Quando voltou, minutos depois, não encontrou mais a filha.
Descobriu que a menina havia embarcado em um veículo vermelho. A suspeita da polícia é de que o condutor tenha levado Duda até o rio naquela noite e assassinado a criança. Duda foi encontrada morta às margens da RS-118, em Alvorada, na manhã seguinte. A perícia apontou que ela morreu por afogamento.
O protesto
Quando: 22 de outubro (terça-feira)
Horário: 14h
Onde: concentração no Parque da Redenção, no Monumento ao Expedicionário
Percurso: segue em direção à Delegacia de Polícia para Criança e o Adolescente (DPCA) Vítimas de Delitos, na Avenida Augusto de Carvalho.
ENTREVISTA
"Essa pessoa pode estar na nossa volta e a gente não sabe", diz mãe
Você ainda tem esperanças que quem fez isso seja encontrado?
Depois de todo esse tempo, não tenho mais esperança. Isso deixa a gente com uma angústia, de não saber quem é essa pessoa. Essa pessoa pode estar na nossa volta e a gente não sabe. Fica com essa impunidade, com essa sensação de medo, de culpa, por não saber quem é. Por não saber nada. Com tudo que eles (polícia) têm, não sabem nada, não tem suspeito e nada é falado.
Este trauma mudou a forma de lidar com seus outros filhos (Kendra é mãe de um menino de sete anos e uma menina de dois meses)?
Meu filho não sai com ninguém na rua. Pode ser tio, ou tia. Ele não vai. Tem medo. Ele viu que levaram a irmã dele e ela não voltou mais. Claro que a gente tem medo. Tem medo porque a gente não sabe quem fez isso. Como vai ficar seguro?Aleatoriamente pegaram a Eduarda? Pode ser que sim, pode ser que não. Não sei. Fica com essa sensação de medo, sempre.
Não ter respostas, aumenta a angústia?
Eu tenho muitos porquês. Para mim, está tudo em aberto. Não sei quem foi, não sei como foi. Não sei nada. Se largaram dentro da água viva ou morta. Não sei nada. Só sei que ela foi pega na frente da minha casa e encontrada lá. Fora isso, mais nada. Nada me foi falado. Nada.
O que espera daqui para a frente?
Não sei. Só queria que achassem o culpado. Não é possível o crime perfeito. Não acredito nisso. Não é filme. Não é novela. É vida real. Só eu sei o que sinto todo dia. Essa sensação de impunidade. Isso dói demais. Não sei mais o que espero. E nem se espero algo ainda.
"A gente acredita que vá conseguir elucidar", diz delegada
Responsável por coordenar a investigação que tenta descobrir quem raptou e matou Eduarda, a delegada Sabrina Dóris Teixeira reconhece que o sentimento é de frustração. Mas afirma que acredita na elucidação do caso. A titular da Delegacia de Polícia para Criança e o Adolescente (DPCA) Vítimas de Delitos diz que uma equipe foi destacada para cuidar deste crime, considerado prioridade para a Polícia Civil. Os documentos reunidos neste período, com perícias, depoimentos e relatórios, já somam quase mil páginas. A investigação está sob sigilo judicial.
— É um dos casos mais complexos dentro da delegacia. É prioridade não só aqui, como para a Polícia Civil. A gente se solidariza com a dor da mãe. Também estamos buscando essas respostas. Estamos trabalhando incansavelmente para achá-lo. Essa angústia que a família tem, de entender os porquês, também temos. Entendemos a frustração da família, por não ter todas as respostas. Mas não podemos dar um prazo para a apuração — afirma Sabrina.
A perícia não constatou violência sexual na criança, morta por afogamento. Segundo a delegada, como o rapto aconteceu durante a noite, imagens de câmeras não contribuíram para identificar o veículo. Por meio de relatos de testemunhas, chegou a ser feito um retrato falado, mas ele também não serviu para identificar o autor.
— É complexo. É difícil. Mas a gente acredita e, por isso, continua. Temos uma equipe só nisso. Realmente, a gente esperava que já tivesse solucionado. Não é como a gente deseja. Não posso dar prazo, mas a gente está trabalhando para isso — diz a delegada.
Questionada se ainda tem expectativa de solucionar o caso, mesmo um ano após o crime, a delegada argumenta que a equipe tem trabalhado para isso. Diz que pessoas continuam sendo ouvidas e novas informações são verificadas.
— A gente acredita que vá conseguir elucidar. Estamos empreendendo todos os esforços para isso. Para nós também é frustrante ainda não ter solucionado. Entendemos que a família esteja ansiosa, assim como estamos — diz a delegada.