A pequena Eduarda Herrera de Mello dizia que seria médica. De sorriso largo, na escola, cumprimentava a todos. Duda era aplicada e meiga. Em casa, dormia abraçada no irmão caçula e perguntava repetidas vezes quanto faltava para seu aniversário de 10 anos. Estava ansiosa para escolher o personagem tema do bolo. A comemoração nunca aconteceria. A vida não lhe permitiu crescer, tampouco alcançar sonhos. Aos nove anos, foi encontrada morta, em 22 de outubro, horas após ser raptada de casa, no bairro Rubem Berta, zona norte de Porto Alegre. Quatro meses depois, não há pistas do autor.
A falta de respostas para a perda da filha, que lhe faz chorar todos os dias, corrói os pensamentos de Kendra Camboim Herrera, 32 anos. A revolta, o vazio e a culpa se misturam com a descrença. Já não acredita que descobrirá quem tirou Duda da frente da casa onde vivia com a família para levar até o Rio Gravataí e afogá-la.
— Não consigo entender. Quem faz uma coisa dessas? Não tenho mais esperanças de que a polícia descubra quem fez isso. Antes eu tinha. Hoje não mais. Não é possível que quatro meses depois não tenham uma imagem de câmera, um DNA, nada. Eles dizem que é prioridade, mas não têm resposta nenhuma para me dar. Que prioridade é essa? — indaga, entre lágrimas.
A família deixou a moradia onde vivia, a mãe abandonou o emprego em um posto de combustíveis e o irmão de sete anos não conseguiu mais ir à escola. Por vezes, Kendra evita sair de casa. A compaixão também faz sofrer. Onde passa, perguntam pela menina. Na rua, recebe abraços de desconhecidos, olhares e comentários.
— Não tem um dia em que a gente não lembre dela. Mas não é sempre que tu quer falar disso, às vezes, não consegue. Onde eu parar e olhar para o nada é o rosto dela que vejo. O sorriso dela. É muito difícil — chora e mira o vazio.
Por vezes, a mãe esquece que Duda se foi. Quando vê as roupas da filha com as primas, quase chama por ela. O mesmo acontece quando avisa que o almoço está pronto. Desde que perdeu a filha, não consegue mais dormir à noite. Sentada numa praça onde a menina costumava brincar (local escolhido para falar com GaúchaZH), apega-se em lembranças como os joguinhos que fazia para ensinar a filha a ler ou o gosto que a pequena herdou da avó por saladas.
Ansiosa, Duda perguntava pelas férias, pela praia, pelas viagens em família. Planos que não conseguiu concluir. Vaidosa, adorava passar batom e posar para fotos. Segundo a mãe, era uma menina alegre. A menina chegava na escola, a cerca de 15 minutos de casa, cumprimentava a porteira, a moça do lanche ou quem mais passasse por ela. Fazia planos para a próxima festa de aniversário, no dia 30 de janeiro de 2019. A última havia lotado a casa da família de crianças.
Onde eu parar e olhar para o nada é o rosto dela que vejo. O sorriso dela. É muito difícil.
KENDRA HERRERA
Mãe de Duda
— Todo mundo era muito apaixonado pela Eduarda. Era muito amada. O centro das atenções. Muito carinhosa. Ela é (corrige o tempo), era, uma criança muito querida — conta a mãe.
Kendra veste camiseta branca com a fotografia de Duda. No braço esquerdo, está gravada na pele a imagem da menina. Recebeu a tatuagem de presente, duas semanas após a morte da criança. A arte reproduz a fotografia tirada por ela. A garota estava deitada sobre a cama, com a mão apoiando o queixo. Duas semanas antes do domingo trágico, Kendra pediu à filha para deitar com ela. Sentia um aperto no peito, estranho medo de perdê-la.
— Era uma sensação de que eu não ia ficar com ela para sempre, e aquilo me doeu. Só eu sei o que senti. Se a gente soubesse — recorda.
— Mãe, eu tô brincando — resistiu a menina.
Kendra abraçou Duda com força e chorou, sem explicação. A menina logo se desvencilhou da mãe, levantou e voltou a brincar. Quando a filha desapareceu, temeu que o pressentimento se confirmasse. Horas depois, o corpo da criança foi encontrado às margens da RS-118, em Alvorada. O atestado de óbito aponta morte por afogamento. O crime teria acontecido por volta de 0h30min. Hoje a mãe pensa que aqueles minutos abraçadas foram a despedida antecipada.
O desaparecimento
Na noite de 21 de outubro, Duda andava de roller na frente de casa, com o irmão e uma amiga, ambos de seis anos à época, quando foi raptada. A família estava à luz de velas. Por isso, um eletricista foi até a residência para testar o que estava acontecendo. Kendra entrou para auxiliar.
— Mãe, eu posso andar aqui na frente? — indagou a menina.
O brinquedo que Duda usava pertencia à amiguinha e, por isso, a menina queria aproveitar para brincar um pouco mais. Kendra consentiu e os três ficaram na frente da casa. A mãe diz ter tirado os olhos dos filhos por 10 minutos. Quando voltou, a filha já tinha sumido. Ainda não compreende como Duda pode ter embarcado no carro de um estranho. A menina costumava repreender as amiguinhas.
— Entra! Estão roubando crianças — dizia, repetindo os avisos da mãe.
— Ela tinha isso na mente, por isso, a gente fica se perguntando. Ela não ia entrar num carro por livre e espontânea vontade. Essa pessoa está por aí, na rua, pode pegar outra criança e a gente nem sabe de quem está falando. Nem sei quem ele é — lamenta.
ENTREVISTA:
Quando vocês perceberam que alguém tinha levado a Duda?
Quando saí, fui fechar o portão e falei. “Cadê a Eduarda?” Todo mundo dizia "não sei". Comecei a procurar, ninguém achava. Chamei a guriazinha que estava com ela e perguntei. Ela disse: "A gente tava ali e tinha um cara num carro vermelho e ele chamou a gente". Como assim um carro, perguntei. Ela disse: "Ele perguntou se a gente queria ir comprar casaco, eu falei que não podia porque a minha mãe ia brigar comigo. A Duda ficou ali".
Quanto tempo ela ficou sozinha com os amigos?
Foi questão de 10 minutos. Fiquei desesperada. Um carro, uma criança. Liguei para a polícia. Não sabia o que fazer. Entrei em estado de choque. A rua tinha tanta gente procurando. Um vizinho também nos disse que viu a Eduarda brincando de roller e conversando com um homem em um carro vermelho.
O que acredita que pode ter levado alguém a fazer isso?
A gente fica se fazendo várias perguntas. Acredito nessa história de ritual (havia restos de rituais religiosos no local). A delegada falou que ela não tinha sinal de abuso, a única coisa que vem na tua mente é isso. Pegar uma criança, que nunca fez mal para ninguém e levar para afogar? Ele ficou com ela três horas e meia. Fazendo o quê?
Tudo mudou na nossa vida. A gente vive um dia de cada vez. Tem dias que a gente tira de letra, mas têm dias complicados.
KENDRA HERRERA
Mãe de Duda
Como tem sido esses meses?
Não existe nenhum lugar em que eu vá e as pessoas não me façam lembrar. Eles param, choram. Tudo mudou na nossa vida. A gente vive um dia de cada vez (chora). Tem dias que a gente tira de letra, mas têm dias complicados. Não tenho mais paciência com ninguém, a gente quer colocar a culpa em alguém, sem saber quem é o culpado. Aquilo vai pesando. Tem aquilo dentro de ti, que nunca mais vai sair.
O pai da Duda estava no regime semiaberto quando ela foi morta (atualmente em prisão domiciliar). E você acredita que isso influenciou na forma como o caso foi tratado.
Desde o começo pediam cautela porque o pai poderia ter levado ela. Eu disse: minha filha sumiu, o pai dela tem ficha, está pagando, mas isso não tem nada a ver com ele. A polícia não deu ênfase no início porque pensou que o pai tinha sequestrado. Não quero ensinar a polícia a fazer. Mas eles têm convicção de que é uma vingança contra o pai dela. Se eles sabem isso, então provem. Não acredito nisso, mas só quero a verdade.