Quando saiu da empresa em que trabalhou por duas décadas, no ano passado, Cenira Fagundes Aires, 53 anos, já sabia o que fazer com o dinheiro da rescisão. A moradora do bairro Cristal, na Capital, queria uma casa no Litoral. Comprou, em dezembro, um terreno a duas quadras da praia, em Magistério. Dois meses depois, um anúncio no Facebook lhe chamou atenção. Uma construtora de Porto Alegre oferecia moradias pré-fabricadas por valores atraentes. Uma residência de madeira com dois quartos, um banheiro de alvenaria e sala e cozinha integradas custaria R$ 6,4 mil, valor que lhe agradou. Mas ela, assim como outras 13 vítimas, nunca receberia a casa.
A negociação, pelo telefone, durou três dias. Em fevereiro deste ano, ela e o marido foram até a sede da construtora, na Zona Leste. Pagaram à vista e ouviram a promessa: no dia 22 do mesmo mês a obra teria início. Pelo contrato, a construção seria concluída em 30 dias, podendo demorar um pouco mais caso chovesse muito naquele período. Passados seis meses, a casa de veraneio de Cenira só existe no documento que ela e a construtora assinaram.
— O dono da construtora marcava de ir para Magistério, a gente ia e ele não. Pagamos até por uma retroescavadeira para limpar o terreno. Cercamos tudo, só falta a casa — desabafa.
A dona de casa faz parte de um grupo de 14 pessoas que dizem ter sido vítimas da empresa que prometia as casas pré-fabricadas, mas não as entregava. Os valores pagos variam de R$ 4,5 mil até R$ 30 mil, segundo a Polícia Civil. Somado, o prejuízo total causado pelos investigados é de pelo menos R$ 194,9 mil. Segundo o delegado Cesar Carrion, da 15ª Delegacia de Polícia, há relatos de pessoas que fecharam contrato com a construtora em 2017 e, desde então, esperam pela casa.
— Entendemos que há estelionato — explica o delegado.
Por que não estamos dando o nome da construtora nem dos proprietários?
Os responsáveis pela construtora investigada por 14 estelionatos não foram indiciados pela Polícia Civil, e não há mandado de prisão expedido pela Justiça contra os proprietários da empresa.
Os relatos das vítimas têm pontos em comum. As pessoas foram atraídas pela empresa a partir das redes sociais. Os baixos valores cobrados e o prazo de entrega levavam moradores de vários pontos do Estado a procurar a construtora. Nos contratos, o prazo de entrega varia entre 30 e 70 dias. Em parte dos casos, a obra nunca teve início. Em outros, apenas o alicerce foi construído.
— Estamos ouvindo as vítimas. A dificuldade desta investigação é que grande parte das pessoas é do Interior — explicou Carrion.
Outra semelhança entre os casos é a justificativa para a demora no início da obra. Cenira conta que os responsáveis pela empresa davam explicações diversas: alegavam que havia chovido no dia que pretendiam começar a construção, o que teria causado o atraso, que tiveram problemas com o carpinteiro e até que o caminhão que levaria o material estragou.
— Tentava passar o endereço do terreno em Magistério. Nunca se preocuparam com isso — conta.
Cansada, a dona de casa entrou com ação no Juizado Especial Cível. Poucos dias depois, foi marcada audiência, mas os responsáveis pela construtora não compareceram. Sem respostas, registraram ocorrência em agosto deste ano.
— Estou decepcionada. Mas ainda vamos ter nossa casinha lá —finalizou Cenira, com a esperança de aproveitar o próximo verão pertinho do mar.
Empresa fechada
As vítimas que procuraram a Polícia Civil contam que fecharam o contrato em um endereço no bairro Agronomia, na zona leste da Capital, onde funcionaria a construtora. Relataram que pelo menos três pessoas se apresentaram como sendo as responsáveis. Seria um casal e outro homem. No endereço citado pelos compradores, não há mais nem a fachada que indique que ali funcionava uma empresa. Comerciantes que trabalham nas proximidades dizem que o local não abre as portas há cerca de quatro meses. Agentes da 15ª DP também estiveram no endereço e não encontraram os investigados.
Segundo o delegado Cesar Carrion, as três pessoas suspeitas pelos estelionatos teriam envolvimento em pelo menos quatro empresas. A Polícia Civil agora busca entender a relação entre elas. No site da Receita Federal, o número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) que consta nos contratos aos quais ZH teve acesso indica um endereço que fica em Viamão — e não a sede da Zona Leste na qual as vítimas relatam ter estado para fechar negócio. Este CNPJ foi aberto em agosto de 2002 e continua ativo Os três investigados constam como sócios da construtora.
Das vítimas que procuraram a polícia, o maior prejuízo é de um morador de Santa Rosa. Ele fechou contrato, em novembro de 2017, de R$ 80 mil e acertou a construção de quatro casas. O comprador pagou R$ 30 mil de entrada, mas nenhuma das moradias saiu do papel.
A reportagem telefonou para os dois contatos que constavam na fachada da sede da Zona Leste. Um deles não existe. No outro, ninguém atende. A página da empresa no Facebook, por onde as vítimas costumavam ser atraídas, foi excluída recentemente. Em 26 de agosto, a reportagem ainda conseguiu acessar a página. Chamava atenção as reclamações de pessoas nos comentários.
Da casa, vítima só viu o alicerce
A situação de Cenira se repetiu com outras pessoas no Interior. A manicure Valéria da Rosa Cardoso, 47 anos, pagou R$ 16 mil por uma casa em Torres, cidade onde vive, no Litoral Norte. Nunca recebeu. Assim como a moradora da Capital, chegou à construtora pelo Facebook. Ao ver o anúncio de uma casa por R$ 18,8 mil, entrou em contato pelo perfil da empresa na rede social. Prontamente, o responsável se ofereceu para encontrá-la, em Torres. Em 10 de janeiro, o homem esteve lá e fecharam negócio.
— Ele (o dono da construtora) tinha muita pressa. Dizia que tinha de voltar à Capital — conta Valéria.
Com um cheque, pagou R$ 14,1 mil no dia em que assinaram contrato. Parte do valor — R$ 9,4 mil — seria referente à entrada, conforme previsto no documento. O restante da quantia Valéria conta que deveria pagar no dia em que os materiais fossem entregues. Mas, como ela queria uma mudança no projeto original, o dono da construtora lhe fez uma proposta:
— Disse que se eu pagasse aqueles R$ 4,7 mil na hora, me daria de graça o piso. Acreditei.
Diferente de Cenira, que não viu a obra sair do papel, a casa de Valéria começou a ser construída. Para isso, o responsável pela empresa pediu que ela comprasse o material que seria usado no alicerce. O valor seria descontado da última parcela: R$ 4,7 mil, que deveria ser quitado quando o telhado da residência fosse colocado.
Com R$ 2,7 mil, comprou os materiais e, por cerca de duas semanas, os carpinteiros fizeram o alicerce da moradia. Mas a obra parou por aí. O contrato previa que fosse concluída em 30 dias, mas o restante nunca foi construído.
— Foram me enrolando, até que no começo de março eu decidi viajar a Porto Alegre e ir até a sede da empresa — conta.
Ela foi até o local, onde deparou-se com as portas da construtora fechadas. Ligou para o homem que havia se apresentado a ela como dono da empresa, que prometeu encontrá-la no dia seguinte. Como combinado, ela retornou. O proprietário também apareceu. Segundo Valéria, ele alegou que não tinha dinheiro para continuar com a obra.
— Chamei a Brigada Militar na hora e registramos ocorrência. Ele prometeu que retomaria a obra em 20 dias. Isso foi em março. Já estamos em setembro e a construção continua só com o alicerce — desabafa Valéria.
Ela contratou um advogado e, assim como Cenira, também entrou na Justiça — por enquanto, não houve nenhuma audiência. Depois, procurou a Polícia Civil para registrar ocorrência. Espera reaver o valor. A manicure não consegue contato com o proprietário pelo número no qual falava com ele. Cansada, entrou nas redes sociais da construtora e encontrou outras pessoas que se diziam vítimas da empresa. Formaram um grupo no WhatsApp. Por ali, trocam informações.
— Isso mexe com os sonhos da pessoa. Dá uma sensação de impunidade — conta Valéria.
Tome cuidado
- Antes de fechar negócio, é importante consultar o Procon para saber se a empresa tem histórico de reclamações.
- Pesquisar pelo nome do estabelecimento em sites como Reclame Aqui e procurar as páginas da empresa nas redes sociais podem evitar que seja vítima de golpe. Clientes lesados costumam se manifestar nesses locais.
- Não pague integralmente. A orientação é dar uma entrada, e quitar o resto do valor apenas na entrega da casa.
- Caso se sinta lesado, procure a Polícia Civil.