Com receio de ficar exposto a criminosos, um empresário da zona sul de Porto Alegre procurou uma loja para vender seu veículo. Escolheu a revenda próxima de onde mantém comércio no bairro Hípica. A decisão acabaria se transformando em prejuízo de R$ 26 mil. Ele é uma das 12 vítimas que procuraram a Polícia Civil no último mês.
Agora, a 6ª Delegacia da Capital investiga a sequência de golpes que teriam sido aplicados pelo dono do estabelecimento comercial que, até o fim de junho, funcionava em uma avenida na Zona Sul. O pátio, antes lotado de veículos, atualmente está vazio. Em frente ao terreno há placas indicando que o espaço está para alugar. O proprietário da empresa é alvo de inquéritos por estelionatos aplicados na venda de 12 automóveis com valores de R$ 20 mil até cerca de R$ 100 mil.
— Era uma revenda aparentemente com tudo legal. Mas as pessoas foram ludibriadas. A empresa não existe mais. Fechou e sumiu. Sem pagar as vítimas. Estamos tomando as providências. O inquérito está bem adiantado — afirma a delegada Áurea Regina Hoeppel.
Proprietário de um Agile, Marcelo de Arruda Quinteiro, 48 anos, conta que procurou a revenda por acreditar que seria a forma mais segura de vender o veículo. A empresa ficava a poucos metros da agropecuária que ele mantém no bairro Hípica.
— Tinha medo de anunciar por conta e ser vítima de um assalto. Achava arriscado. Deixei ali porque era perto e parecia confiável. Meia hora depois, ele já veio me avisar que tinha vendido o carro. Confiei nele. Jamais imaginei que era golpe — relata.
Com o valor do veículo, o empresário pretendia adquirir mercadorias para o comércio e saldar dívidas. Ele afirma que, sem desconfiar, assinou o documento que permitia que o carro fosse transferido para outra pessoa. No entanto, nunca recebeu o valor prometido. No fim de junho, quando seguia para o trabalho, percebeu que não havia mais nenhum veículo no pátio da revenda. A loja estava fechada.
— Ele sumiu da noite para o dia. Fiquei sem dinheiro e sem o carro. Só depois descobri que, assim como eu, outros caíram no mesmo golpe — conta.
Para o dono do Agile só restou o documento assinado no dia 11 de junho, no qual o homem investigado se comprometia a fazer o depósito da quantia. No recibo, consta um número de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) como sendo da revenda. Na Receita Federal, no entanto, esse cadastro possui outro nome fantasia de uma empresa aberta em dezembro de 2000. Esse CNPJ foi baixado em fevereiro de 2015, por omissão contumaz. Isso acontece quando a empresa deixa de apresentar a declaração de imposto de renda por mais de cinco anos seguidos.
Só não aplicaram mais golpes porque começamos a investigar como estelionato
ÁUREA REGINA HOEPPEL
Delegada de Polícia
O último endereço cadastrado como local da empresa em nome do suposto golpista ficava na Avenida Icaraí, no bairro Cristal. A reportagem esteve no local onde funcionava a última revenda, no bairro Hípica, e tentou contato com dois telefones (fixo e móvel) cadastrados em nome da empresa, mas estavam desligados.
A polícia acredita que mais pessoas possam ter sido lesadas pelo mesmo estabelecimento comercial. Na maioria dos casos, os donos eram convencidos a assinar um documento que permite transferir a propriedade do veículo. Após, aguardavam pelo pagamento, mas não recebiam o valor. Logo depois da primeira ocorrência na Polícia Civil, ainda em junho, o proprietário da revenda chegou a ser ouvido. Mas o caso ainda não era tratado como estelionato.
— Foi intimado e compareceu. Ele e a vítima se acertaram. Até então,não havia indicativo de golpe. Era uma caso da área cível, não penal. Mas quando chegou o segundo registro vimos que havia algo errado. Só não aplicaram mais golpes porque começamos a investigar como estelionato — relata a delegada Áurea.
"De um dia para o outro, o pátio amanheceu vazio"
Um comerciante do bairro Restinga também relata ter sido vítima do mesmo golpe. Carlos Alberto Bristot, 48 anos, conta que também procurou a loja por acreditar que seria a forma mais segura de realizar a venda. Em abril deixou na empresa um Fox, ano 2016, pelo qual deveria receber R$ 30 mil.
— Era uma revenda com vários carros na frente, bonita. Não sou a pessoa mais ingênua para negociar. Mas no momento que está num estabelecimento passa confiança. Deixei o veículo ali. Passava todo e via no pátio, exposto. Depois de uma semana, ligaram dizendo que tinham negócio para o carro.
Assim como Quinteiro, o comerciante também relata que o proprietário da revenda alegou que a negociação ocorreria por meio de carta de crédito. Para isso, seria necessário adiantar a assinatura do documento que permite que o carro seja transferido de proprietário.
— A negociação acabava parecendo legal. Disseram que, em seguida, o dinheiro estaria na conta. Desconfiei um pouco, mas assinei. Comecei a cobrar o pagamento, mas ele sempre tinha desculpas. Até que de um dia para o outro, o pátio amanheceu vazio. E ficamos sem nada. Depois descobri que foram muitas pessoas lesadas — conta.
- O proprietário deixa o veículo na revenda. Logo após, algumas vezes até no mesmo dia, é informado de que o automóvel foi vendido.
- O dono é convencido a assinar o documento que autoriza a transferência de propriedade do veículo, mesmo antes de receber o valor pela venda. Com isso, o suposto golpista pode vender o carro para outra pessoa.
- Sem receber o pagamento pela venda, a vítima retorna até a revenda. Neste momento, descobre que a empresa não existe mais e se dá conta do golpe.
Cuidados para não cair em trapaças:
- Se deixar o carro em loja, pesquise antes o histórico da empresa, em sites de reclamações e defesa do consumidor.
- Exija assinatura de contrato para a venda consignada.
- Só entregue ou transfira o bem negociado depois da confirmação do pagamento.
- Não faça depósitos, transferências ou pagamentos para desconhecidos.
- Se for vítima de golpe ou de tentativa, procure a polícia e registre ocorrência.
Por que não estamos dando o nome do suspeito nem da revenda?
O homem investigado por 12 estelionatos não foi indiciado pela Polícia Civil nem denunciado pelo Ministério Público. Ele também não tem mandado de prisão expedido pela Justiça. Como não há mandados para serem cumpridos na revenda, que está vazia, o nome também não é informado.