O drama vivido pelos investidores da Indeal, empresa de Novo Hamburgo investigada por fraude financeira, não deverá acabar tão cedo. Pelo menos é o que dizem criminalistas ouvidos por GaúchaZH e o Ministério Público Federal (MPF). O rendimento prometido, acima dos patamares médios do mercado financeiro, cessou em 21 de maio, quando foi deflagrada a Operação Egypto, da Polícia Federal, que resultou na prisão dos sócios e no bloqueio de bens e valores dos agora réus. A Justiça Federal aceitou a denúncia do MPF contra 15 pessoas acusadas de envolvimento no esquema — e todos são réus. Com isso, mais nenhum valor foi liberado aos investidores.
O tamanho do prejuízo das vítimas ainda é calculado. Relatório da Receita Federal anexado ao inquérito da PF, ao qual GaúchaZH teve acesso, aponta dívida de R$ 1,1 bilhão a 23,2 mil clientes. Há valores e bens sequestrados (quando há suspeita de crime na sua obtenção) e arrestados (pertencentes aos sócios e à empresa, sem indícios de ilícitos, mas resguardados para fins de eventual indenização em caso de condenação).
De um lado, o MPF, autor da ação penal, diz que nunca foi procurado pelos advogados dos sócios da empresa com "proposta formal de acordo. Houve reunião entre o MPF e advogados de defesa de alguns dos investigados, onde foi aventado por parte deles a intenção de celebrar acordo pelo qual a empresa efetuaria pagamentos diretamente aos investidores, não tendo sido apresentado pelos defensores nenhum dado seguro a respeito do valor total a ser pago, número de clientes e valores que os investigados disporiam para efetuar os pagamentos". De outro lado, a Indeal, em nota, sustenta que "já houve tentativa de acordo, porém negada pelo MPF". No meio do impasse, os investidores que clamam por informações objetivas.
Clientes da Indeal já moveram pelo menos 21 ações contra a empresa na Justiça Estadual, com o objetivo de garantir a reserva de valores para futuro ressarcimento. Os processos tramitam em varas cíveis, que comunicam, por meio de ofício, a 7ª Vara Federal de Porto Alegre, onde tramita o processo penal.
Os cinco sócios que foram presos preventivamente estão soltos em razão de decisão liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em nota divulgada pela assessoria de imprensa da Indeal, afirmam que receberam ameaças de morte, relatando episódios de apedrejamento a residências e carros, além de mensagens ameaçadores via WhatsApp e redes sociais. Advogados dos réus afirmam ter registrado ocorrências das ameaças na Polícia Civil.
Desde a Operação Egypto, GaúchaZH tem recebido mensagens de clientes da Indeal clamando por informações sobre quando terão o dinheiro investido de volta. Eles preferem não se identificar. Um empresário do ramo de seguros de Porto Alegre diz que, com as correções, teria a receber cerca de R$ 400 mil.
— Primeiro, fiz um aporte de R$ 30 mil. Depois, de R$ 100 mil. Ao total, chegou a R$ 200 mil — conta.
Ele afirma que fazia saques mensalmente, sempre do valor correspondente ao rendimento.
— Inicialmente, rendia 15% ao mês, depois passou para 9% — diz o empresário, que preferiu não entrar na Justiça para bloquear valores que ele entende como devidos.
Clientes ouvidos por GaúchaZH relatam que consultores da Indeal informavam em grupos de WhatsApp que pagariam os investidores em até 120 dias — o prazo se encerra em 28 de setembro.
— Estou esperando que os prazos se esgotem. Primeiro, eram 90 dias. Depois, 120. O prazo termina no dia 28 (de setembro) — diz o investidor, que admite não ter tanta esperança de receber fora do âmbito judicial.
Outra empresária do ramo da construção civil, também de Porto Alegre, diz ter investido R$ 45 mil, dinheiro obtido com a venda de uma estética e equipamentos que detinha. Ela reclama, principalmente, da falta de informação.
— Pesquisei sobre os sócios, CPF por CPF, e estava tudo certinho. Não havia nenhuma reclamação da empresa na internet — conta a empresária, relatando que não costumava sacar os rendimentos mensalmente, mas conferia os valores no aplicativo da Indeal.
— No dia da operação (da Polícia Federal), minha consultora de investimentos disse pra eu sacar o dinheiro. Mas aí já não dava mais. Vou esperar passar do dia 28 e vou entrar na Justiça — completa.
Valores prometidos muito acima do mercado
Educador financeiro do Guia Invest, Adriano Severo explica que não há como prometer índices em investimentos variáveis.
— Se promete rentabilidade, é algo que se tem de desconfiar, e muito — pondera.
Segundo Severo, baseado em históricos do mercado, há como projetar o futuro, mas não garanti-lo. Lembra que a poupança, por exemplo, rende 3,85% ao ano. No caso do investimento em CDB de um banco, por exemplo, o rendimento chega a 5,5% ao ano. Em relação à Bolsa de Valores, o histórico indica rendimento médio de 13% ao ano.
— Então, a partir do momento em que tu consideras que a Bolsa de Valores é a aplicação que mais pode render, e a média é 13% ao ano, algo acima disso, tem de desconfiar. Ainda mais ao mês. Muito possível que seja um golpe — sustenta Severo, ao destacar que o maior investidor do mundo obtém rentabilidade média de 20% ao ano.
Especialistas preveem longa espera
O pós-doutor em Direito Penal e professor da PUCRS Marcelo Peruchin lembra que, em casos como o investigado pela Operação Egypto, os bens e valores só poderão ser liberados para ressarcimento das vítimas após o trânsito em julgado do processo penal.
— Medidas cautelares se mantêm até o trânsito em julgado da ação penal. Enquanto o processo estiver tramitando, a decisão cautelar, em regra, fica mantida — adianta Peruchin.
Segundo o criminalista, existe a possibilidade de venda antecipada dos bens obtidos por meio de lavagem de dinheiro. Mas lembra que, mesmo assim, os valores obtidos nos leilões ficam depositados em uma conta judicial e só poderão ser liberados ao fim da ação penal.
— Porque até transitar em julgado, a defesa pode reverter a condenação. E se consegue reverter a condenação e os valores já foram liberados, como fica o réu que acabou absolvido? — destaca.
Peruchin conta que esse tipo de ação pode levar de três a oito anos até o trânsito em julgado. Diz que é possível um acordo na esfera cível entre os réus e o MPF para eventual liberação dos valores às vítimas, mas que caberá ao juiz que conduz a ação penal a palavra final.
Doutor em Direito Processual Penal e professor da PUCRS, Aury Lopes Júnior lembra que a Constituição, no seu artigo 5º, inciso 78, prevê o julgamento dos processos em um prazo razoável, o que agilizaria eventual ressarcimento às vítimas, mas diz que isso não se verifica na prática.
— O grande problema é que o Brasil não tem prazos de duração fixados na lei. No Código de Processo Penal, não tem quanto tempo deve durar um processo. Poderia ter. Em outros países, têm — destaca Aury.
O professor de Processo Penal Mateus Marques lembra que os valores obtidos com a venda dos bens dos réus, em caso de condenação, são corrigidos até a liberação.
— Existem casos de bens, como carros, motos, por exemplo, que se faz leilão e o dinheiro fica em conta judicial. O objetivo é justamente evitar a deterioração do bem e, consequentemente, a perda de valor — explica Marques.
O que diz o MPF
Sobre a quantia bloqueada em dinheiro e bens dos sócios da Indeal para futuro ressarcimento, o procurador da República José Alexandre Pinto Nunes diz que não pode dar detalhes, pois esses processos estão em segredo de Justiça — a ação penal principal não está mais em sigilo. O MPF também reforça que só será possível a liberação dos valores após o trânsito em julgado da ação. Afirma ainda que não houve nenhuma manifestação formal da empresa ao MPF a respeito do pagamento aos clientes.
O que diz a Indeal
Em nota enviada a GaúchaZH, a Indeal reforça que "todos os bens em nome dos sócios, dos diretores comerciais e em nome da Indeal foram sequestrados judicialmente, como é de conhecimento público, com o propósito de salvaguardar o interesse dos clientes". Diz ainda que atualmente os sócios estão impedidos pela Justiça Federal "de atuar no mercado econômico, e relacionarem-se com pessoas de interesse no caso". Ao contrário do que diz o MPF, sustenta que "já houve tentativa de acordo, porém negada pelo MPF". A empresa reafirma que existe "total intenção de disponibilizar todos os bens para a quitação de todos os contratos".