O professor de Educação Física Juliano Mantovani recém havia levado os alunos até a quadra do Instituto Estadual de Educação Assis Chateaubriand, na tarde desta quarta-feira (21), em Charqueadas, quando deu falta do material esportivo. Ao voltar para o interior da escola, ouviu um estouro seguido de gritos. Diante da sala de aula da turma 171, deparou com uma cena aterradora: os estudantes estavam sendo atacados a golpes de machadinha por um jovem de rosto coberto. Mantovani lutou com o agressor até desarmá-lo, evitando uma tragédia.
O autor confesso do ataque, um adolescente de 17 anos, fugiu e foi apreendido duas horas e meia mais tarde, na casa do pai. Três alunos, entre 12 e 14 anos, foram feridos e receberam atendimento no Hospital de Charqueadas, todos sem maior gravidade. Outras três meninas chegaram em estado de choque e receberam cuidados psicológicos. Mantovani não se feriu.
Por que não identificamos as vítimas?
GaúchaZH não divulga os nomes dos jovens feridos no ataque à escola em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Eles são considerados menores em situação de vulnerabilidade.
O que poderia ser um massacre sem precedentes na crônica policial gaúcha começou por volta das 13h30min e foi minuciosamente planejado pelo jovem apreendido. Conforme contou em depoimento à Polícia Civil, ele se inspirou no ataque ocorrido em Suzano (SP), em março, quando oito pessoas foram mortas e outras 16 feridas por uma dupla de ex-alunos.
— Ele disse que apanhava de um ex-colega e pretendia matá-lo. Ele então estudou o ataque de Suzano, tanto que usou um instrumento idêntico (uma machadinha) — disse o delegado Marcos Schalmes.
O agressor havia deixado o colégio em 2015, mas todos os dias levava e buscava uma irmã menor para a aula. Foi nessa rotina diária que ele aproveitou para acompanhar o desafeto, monitorando os horários e os deslocamentos dentro do colégio. Não foi diferente nesta quarta.
Portando uma mochila com garrafas e combustível suficiente para fabricar cinco coquetéis molotov, ele chegou ao Assis Chateaubriand por volta das 13h. Sentou em um banco e ficou esperando aquela que seria sua vítima. O adolescente viu o ex-colega chegar, mas acabou o perdendo de vista. Irritado, decidiu invadir uma sala de aula fortuita.
Vestindo calça jeans e moletom com um capuz cobrindo a cabeça e um pano no rosto, ele se agachou à frente porta da turma 171, preparou um coquetel, acendeu e jogou dentro da sala. O artefato explodiu, provocando pânico geral. Assustados, os alunos tentaram sair quebrando as janelas. Outros correram em direção à porta. Foi quando o invasor puxou a machadinha da cintura e passou a distribuindo golpes a esmo.
Um adolescente de 12 anos viu que ele avançava em direção a um grupo de meninas e se colocou na frente.
— Ele me acertou nas costas — conta o menino, mostrando o corte profundo na região das costelas, suturado com seis pontos no hospital.
Foi nesse momento que Mantovani entrou no corredor e ouviu os gritos. Na porta da sala, deparou com o adolescente segurando a machadinha numa mão e outro coquetel molotov na outra. Aos gritos de "para", ele conseguiu desarmar o jovem, mas se desequilibrou e ambos caíram.
— Ele não parecia em fúria. Parecia assustado. Tanto que eu tirei a machadinha e ele não reagiu — lembra o professor.
Quando eles estavam se levantando, outro aluno chegou ao local e acertou um soco no adolescente. Mesmo golpeado, ele se desvencilhou e fugiu, pulando um portão interno e saindo pela entrada principal do colégio.
— Eu acertei um soco nele, que ainda escorregou. Eu e outros colegas ainda fomos atrás, mas ele era muito rápido — lembra o estudante.
Mantovani também tentou perseguir o rapaz, mas logo foi chamado pelos alunos. Apavorados, eles diziam que os colegas atacados estavam sangrando.
Cúpula da segurança pública do RS foi ao local
Os feridos foram logo levados ao hospital do município e a Brigada Militar, acionada. Bombeiros da cidade vizinha de São Jerônimo se dirigiram ao colégio. Em Porto Alegre, a cúpula da segurança pública, chefiada pelo governador em exercício Ranolfo Vieira Júnior, rumou de helicóptero para Charqueadas. O governador Eduardo Leite interrompeu uma missão oficial ao Uruguai e imediatamente voltou à Capital.
Alertada por rumores de que um outro ataque poderia ocorrer no município, a BM isolou todo entorno do colégio e montou um esquema especial de segurança nas demais escolas.
— Não vamos admitir situações dessa natureza – reagiu Ranolfo ainda diante do instituto, logo após receber um relato do ataque.
O secretário de Segurança mal finalizou a entrevista quando foi comunicado que um suspeito havia sido detido. Informações preliminares apontavam que seria um ex-aluno, cujo ataque seria motivado por vingança.
A prisão
Naquele mesmo momento, um carro discreto do serviço de inteligência da BM estacionava em frente à delegacia de Charqueadas, trazendo o adolescente e seus pais. A identificação do suspeito foi possível graças a um casal que passava pela frente da escola e testemunhou a fuga do rapaz. Eles conheciam o adolescente e informaram seu nome aos policiais.
A BM foi até a casa em que o agressor morava com a mãe, mas ele não estava. Logo após as agressões, ele foi até lá, trocou de roupa e saiu. Os brigadianos foram então à residência do pai do jovem, onde apreenderam o menor.
Na delegacia, diante do delegado Schalmes e de um casal de promotores públicos, ele confessou o ataque. O objetivo, afirmou, era matar o desafeto e depois se suicidar. O MP requereu à Justiça a internação provisória do adolescente, cujo destino deve ser a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase).
Na mochila que deixou caída na escola durante a fuga, a polícia encontrou três garrafas de vidro vazias, uma garrafa plástica com combustível, e um isqueiro.
— Temos que levantar as mãos para o céu e agradecer a Deus. Nossa segurança está pouca, mesmo em cidade do interior — desabafou o caldeireiro Marlon Camargo, pai do adolescente de 12 anos que foi golpeado nas costas ao proteger as colegas.