A operação policial que resultou na morte do inspetor Leandro de Oliveira Lopes, em Pareci Novo, no Vale do Caí, no ano passado, teve falhas de planejamento e de execução. E deve servir como estudo de caso na Academia da Polícia Civil para que fatos assim não se repitam.
Essas informações constam da conclusão do inquérito que apurou as circunstâncias da morte de Lopes, 30 anos, atingido pelas costas com um tiro de fuzil – tipo de arma que era usada por agentes e delegados na ação que tentava capturar um criminoso que segue foragido até hoje, quase um ano depois.
O inquérito sugere que, em função dos problemas detectados na condução da operação, a Corregedoria-Geral da Polícia Civil apure a conduta funcional de policiais que atuaram na ofensiva. A suspeita de que o inspetor foi morto por um tiro disparado por um colega não ficou comprovada, mas também não foi descartada no inquérito – concluído no começo de abril e já encaminhado à Justiça.
A perícia não conseguiu indicar quem seria o autor do disparo fatal. Mas exames periciais e testemunhos embasaram a conclusão do delegado regional de Montenegro, Marcelo Farias Pereira, de que é improvável que o autor do tiro tenha sido o homem procurado, que reagiu quando a polícia chegou na casa dele.
Pelo menos quatro tópicos reforçam essa tese:
- Policiais contaram, e projetis apreendidos indicaram, que o criminoso, Valmir Ramos, fez disparos com uma arma curta, provavelmente, uma pistola. Não foram encontrados no perímetro em que ele e um comparsa estavam nenhum estojo de munição de fuzil. Ou seja: só quem disparou fuzis na ocasião foram policiais.
- O projetil extraído do corpo de Lopes era de fuzil. O cruzamento de informações da fabricante da munição com lotes adquiridos pelo Estado e distribuídos à Polícia Civil comprovaram que estojos recolhidos no local eram de munição da polícia. Assim, tudo indica que o projétil extraído do corpo seja desses estojos.
- O criminoso estava de frente para os policiais e em cima de um barranco, portanto, em nível mais alto, e o inspetor morto recebeu um tiro pelas costas e com trajetória de baixo para cima.
- Testemunhos dos policiais confirmam que Lopes só gritou que fora ferido depois de policiais terem atirado contra o criminoso.
Além do mal-estar causado pela suspeita de que Lopes foi morto acidentalmente por um colega, a corporação terá de lidar agora com os apontamentos de que houve falhas na operação que envolveu três órgãos: a Delegacia Especializada de Furtos, Roubos e Capturas (Defrec) – que coordenava o trabalho –, a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Canoas e o Grupamento de Operações Especiais (GOE).
Policiais ouvidos por peritos e pelo delegado do caso reclamaram de falta de informações e de orientação sobre o trabalho que fariam naquela manhã de 2 de maio, sobre o local em que ocorreria a ação (uma casa em meio a um matagal) e sobre quem era o alvo (alguns disseram nem conhecer o rosto do procurado).
Há queixas de que o delegado que coordenou o trabalho, que era da Defrec de Canoas, teria desprezado sugestões que poderiam facilitar e tornar mais segura a ação em meio ao matagal. Agentes propuseram o uso de um drone dias antes e também que policiais acampassem nas proximidades para conhecer melhor o local. Mas as alternativas não teriam sido aceitas.
Também foi registrado em depoimentos que as viaturas foram estacionadas em local distante e de forma que prejudicou a saída quando precisaram socorrer o colega baleado. Mais de um policial reclamou da falta de briefing, que é um tipo de reunião que agentes e delegados fazem antes de ações para acertar últimos detalhes e explicar o trabalho.
Outra anotação destacada pela perícia e por Pereira foi de que orientações, que haviam sido dadas previamente sobre como o trabalho seria feito naquela manhã, foram modificadas de última hora, prejudicando o entendimento de policiais chamados a apoiar a ação. Em depoimentos, agentes contaram ainda que a confusão era tanta que grupos de policiais chegaram a se perder, pegando caminhos diversos enquanto se dirigiam para a casa do homem procurado.
— Tinha gente que não sabia o que devia fazer ali. Sabiam o objetivo da operação, de buscar um criminoso perigoso. O que não estava claro era como seria a entrada no local e o papel dos policiais de cada delegacia envolvida — destaca Pereira.
As conclusões do inquérito já estão sob análise do Ministério Público, que pode ou não acatar os indiciamentos feitos por Pereira. O delegado indiciou Valmir Ramos e um comparsa dele, Paulo Ademir de Moura, que também estava no local, pela morte de Lopes.
O enquadramento dos dois está baseado na relação de causalidade, prevista no artigo 13 do Código Penal. O entendimento do delegado é de que a ação de Ramos, que reagiu a tiros quando a polícia chegou em sua casa, deu causa à morte de Lopes.
— Não foi ele que atirou no policial, mas ele provocou o fato, no caso, o tiroteio, que gerou a morte. Ficou claro nos depoimentos que o Valmir apontou a arma em direção aos policiais e efetuou disparos. Ficou clara a intenção de que queria atingir os policiais e estes reagiram — explicou o delegado.