Dentro de uma cova e prestes a ser morta, uma jovem de 18 anos ainda tentou suplicar pela própria vida. Mas não foi suficiente. Por telefone, veio a ordem para assassinar Paola Avaly em uma mata na zona leste de Porto Alegre. O caso ganhou repercussão em maio deste ano porque a execução foi gravada em vídeo pelos criminosos. A sentença de morte partiu de dentro do Presídio Central, onde estava recluso o ex-namorado dela, distante oito quilômetros da Vila Tamanca. Outro crime, investigado há mais de um ano, também teria sido planejado a partir de ligações telefônicas feitas de dentro da mesma cadeia. Para a polícia, Nicolle Brito Castilho da Silva, 20 anos, desaparecida em Cachoeirinha desde junho de 2017, foi assassinada, mesmo que o corpo nunca tenha sido encontrado.
Dados obtidos com a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) via Lei de Acesso à Informação (LAI) apontam que 72 mil celulares foram apreendidos nos presídios gaúchos em uma década, entre 2008 e 2017. O número equivale a um aparelho sendo recolhido a cada 72 minutos — ou uma hora e 12 minutos — nas casas prisionais do Estado.
Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do Ministério Público (MP), Luciano Vaccaro, a situação é preocupante:
— Revela um descontrole para impedir que aparelhos de celulares ingressem no sistema prisional. Por outro lado, tem um fator positivo, de que tem havido atuação do Estado para coibir utilização de telefones nas cadeias.
O Presídio Central de Porto Alegre desponta como o estabelecimento que teve o maior número de apreensões. Foram mais de 12,9 mil aparelhos recolhidos no período – 17,75% do total.
Localização interfere em bloqueio de sinal
Ano após ano, a localização de celulares em presídios não para de crescer. Entre 2008 e 2017, houve aumento de 343% – de 2.535 unidades passou para 11.252 o número de aparelhos retirados dos detentos. O pico foi registrado em 2013. No ano seguinte, houve retração de 15%, mas as apreensões voltaram a subir nos quatro anos posteriores.
Conforme o promotor, os celulares chegam até as mãos de presos de diferentes maneiras: por arremessos que partiram do lado de fora dos muros, por visitantes ou ainda por agentes públicos corruptos. A alternativa mais recente tem sido enviar aparelhos pelo ar, via drone. Só que essa alternativa acaba deixando o serviço mais caro, pelo risco de o equipamento ser abatido pela guarda dos presídios.
— Só para adquirir um drone com essa capacidade a pessoa vai gastar entre R$ 20 mil e R$ 30 mil — salienta uma fonte ouvida por GauchaZH, que pediu para não ser identificada.
Devido ao tamanho reduzido, muitos celulares acabam sendo apreendidos em uma revista simples. Chips são escondidos entre as roupas ou em partes íntimas. Entre 2008 e 2017, foram localizadas mais de 28 mil unidades nessas condições.
Para o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, Sidnei Brzuska, o ingresso de telefones pode ser explicado pela própria localização das cadeias:
— Em algumas cidades do Interior, os presídios ficam no Centro, com acesso fácil para a rua.
A proximidade de residências, por exemplo, inviabiliza a instalação de bloqueadores de sinal. O impeditivo não ocorre em estruturas mais afastadas, como no Complexo Prisional de Canoas, na Região Metropolitana, onde os aparelhos foram implantados em abril deste ano e estão em pleno funcionamento, segundo a juíza da VEC de Porto Alegre Patrícia Fraga:
— O resultado é muito bom. Na Penitenciária de Canoas 4, por exemplo, não há qualquer sinal. Eu mesma testei. Isso vai ser muito importante para evitar que facções tomem conta das penitenciárias.
Segundo a magistrada, a dificuldade de comunicação já fez com que presos pedissem para que seja reativado o serviço de cartas nas cinco unidades que compõem o complexo.
Susepe considera trabalho efetivo
O diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), Fabrício Ragagnin, avalia a apreensão de 72 mil celulares em uma década nas cadeias gaúchas como demonstração de eficácia no trabalho desenvolvido para coibir a circulação de “materiais ilícitos”. Ele ainda considera “infundada” a crítica do quadro como descontrole do sistema carcerário estadual.
— Temos, em média, duas revistas por dia. O serviço penitenciário está atuando. Hoje, só o preso tentar enviar com drone demonstra que existe controle — observa o diretor.
Sobre a sugestão de instalar telefones públicos nos presídios estaduais, Ragagnin salientou que é uma possibilidade a ser considerada:
— É uma questão de segurança, tem de ser bem pontuado.
Schirmer admite que processo é lento
Para o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, assim como ocorre no Complexo Prisional de Canoas, instalar bloqueadores de celular ainda é a melhor opção:
— A alternativa, muitas vezes, é o bloqueador de celular. Como os presídios muitas vezes estão no meio da cidade, jogam do lado de fora para dentro. O acesso é fácil. Outra ação é escaner corporal na entrada dos presídios. Já tem alguns operando e outros que vamos comprar. Mas o custo, tanto do escaner quanto do bloqueador, é elevadíssimo.
Schirmer ainda rebate a crítica de impunidade à corrupção dos servidores e afirma que os crimes têm de ser tratados com rigor:
— Não passamos a mão por cima de qualquer conduta de servidor. Não estou dizendo que não haja. Quando se sabe, não há impunidade. O que tem é lentidão.
O levantamento obtido por GauchaZH via Lei de Acesso à Informação aponta que, entre 2008 e 2017, a Susepe e a Brigada Militar abriram 2,7 mil sindicâncias para apurar suspeitas diversas e 1,2 mil servidores, entre agentes penitenciários e policiais militares, sofreram algum tipo de punição.