Dados obtidos pela GaúchaZH com a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) via Lei de Acesso à Informação (LAI) apontam que 72 mil celulares foram apreendidos nos presídios gaúchos em uma década, entre 2008 e 2017. O número equivale a um aparelho sendo recolhido a cada 72 minutos — ou uma hora e 12 minutos — nas casas prisionais do Estado.
Sociólogo e presidente do Instituto Cidade Segura, Marcos Rolim alerta que o elevado número de apreensões expõe o mercado de celulares nas cadeias. Minutos após os aparelhos serem retirados de circulação, os presos já começam a se organizar para conseguir novos. A situação, analisa Rolim, gera aumento nos preços dos telefones clandestinos, seguindo a regra de oferta e procura:
— As apreensões se repetem e renovam o mercado. Basta um agente corrupto. Há clientela e tem quem forneça. Esse material não entra por visita, mas por nítida prática de corrupção. Hoje, 90% dos aparelhos vêm de servidores que vendem para presos.
Entre 2008 e 2017, apenas cinco agentes da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) foram punidos por terem sido pegos com celulares em presídios.
– A Susepe não pune ninguém, a maioria das investigações é arquivada. O Brasil precisa de instituições que funcionem, que quem trabalha nas corregedorias seja de carreiras independentes, não policiais. O servidor que hoje está na corregedoria amanhã pode estar subordinado a quem ele investigou – diz Rolim.
O pesquisador sugere a instalação de telefones públicos nos presídios, mas com a ligação gravada, como ocorre nos Estados Unidos:
— A grande maioria dos presos busca celulares para falar com a família. É pequena a parcela dos que usam para cometer crimes. Os telefones públicos acabariam com o mercado paralelo.
Orelhões e rotatividade de agentes são opções
O sociólogo entende que bloqueadores de sinal são caros e não têm eficácia comprovada. Ele defende a intensificação do uso de scanners corporais nas prisões para visitantes, presos e carcereiros.
— Servidores não passam por detectores — critica.
Professora do departamento de sociologia da UFRGS, Letícia Maria Schabbach alerta que a alta das apreensões reflete o avanço da massa carcerária. Em 10 anos, aumentou 39,1%, com entrada de 10,8 mil detentos.
A professora sugere maior vigilância aos que cometeram crimes graves, além da intensificação de medidas cautelares para casos de baixa gravidade, de forma a reduzir a superlotação. Letícia propõe ainda ampliar a rotatividade de agentes penitenciários e brigadianos para evitar casos de corrupção. A avaliação de desempenho e o reconhecimento desses servidores também têm papel importante:
– A impunidade é estimulo para continuidade das práticas ilícitas. Por que não se pensa do outro lado? Em premiar quem mude essa rotina, quem cumpre o regulamento e as boas práticas?
Susepe considera trabalho efetivo
O diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), Fabrício Ragagnin, avalia a apreensão de 72 mil celulares em uma década nas cadeias gaúchas como demonstração de eficácia no trabalho desenvolvido para coibir a circulação de “materiais ilícitos”. Ele ainda considera “infundada” a crítica do quadro como descontrole do sistema carcerário estadual.
— Temos, em média, duas revistas por dia. O serviço penitenciário está atuando. Hoje, só o preso tentar enviar com drone demonstra que existe controle — observa o diretor.
Sobre a sugestão de instalar telefones públicos nos presídios estaduais, Ragagnin salientou que é uma possibilidade a ser considerada:
— É uma questão de segurança, tem de ser bem pontuado.
Schirmer admite que processo é lento
Para o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, assim como ocorre no Complexo Prisional de Canoas, instalar bloqueadores de celular ainda é a melhor opção:
— A alternativa, muitas vezes, é o bloqueador de celular. Como os presídios muitas vezes estão no meio da cidade, jogam do lado de fora para dentro. O acesso é fácil. Outra ação é escaner corporal na entrada dos presídios. Já tem alguns operando e outros que vamos comprar. Mas o custo, tanto do escaner quanto do bloqueador, é elevadíssimo.
Schirmer ainda rebate a crítica de impunidade à corrupção dos servidores e afirma que os crimes têm de ser tratados com rigor:
— Não passamos a mão por cima de qualquer conduta de servidor. Não estou dizendo que não haja. Quando se sabe, não há impunidade. O que tem é lentidão.
O levantamento obtido por GauchaZH via Lei de Acesso à Informação aponta que, entre 2008 e 2017, a Susepe e a Brigada Militar abriram 2,7 mil sindicâncias para apurar suspeitas diversas e 1,2 mil servidores, entre agentes penitenciários e policiais militares, sofreram algum tipo de punição.