Correção: A cada 45 minutos uma mulher registra ocorrência por violência doméstica em Porto Alegre, e não 43 como informado das 15h07min às 21h06min. O texto foi corrigido.
Uma ocorrência de violência contra a mulher foi registrada pela Polícia Civil a cada 45 minutos na Capital em 2018. Até 6 de agosto deste ano, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) tem calculados 7.028 casos. A média é de 32 por dia somente em Porto Alegre.
São casos de agressões físicas, verbais, ameaças, lesão corporal, roubos e furtos de pertences por companheiros, tentativas de feminicídio, feminicídios consumados e estupros, todos de responsabilidade da delegacia.
No mesmo período do ano passado, houve 6.375 casos registrados pela Deam, 653 a menos. O aumento é de 9,3%. A delegada Clarissa Demartini considera que um dos fatores para o aumento nos registros é a confiança no trabalho da polícia:
— Tem contribuído o fato de as mulheres terem conhecimento da lei e verem resultado, já que a mídia tem divulgado muitos trabalhos positivos da polícia. Há dois anos, a Delegacia da Mulher não fazia operações policiais. Hoje em dia, operações viraram ações padrão a cada dois ou três meses — justifica.
A professora de Direitos Humanos da Uniritter e sócia-fundadora da ONG feminista Themis — Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Carmen Hein de Campos, também avalia que há maior confiança das mulheres nas autoridades, mas alerta para o aumento da violência de gênero.
— A nossa impressão é que as duas coisas acontecem juntas. Por um lado, há aumento da consciência das mulheres em buscar auxílio junto às autoridades constituídas. Mas também há aumento significativo da violência na sociedade brasileira, que também repercute diretamente na violência de gênero — define a especialista.
Para a delegada da mulher, o aumento nos registros de ameaça pode ser considerado positivo. Segundo Clarissa, as mulheres estão procurando a polícia ainda antes de serem agredidas.
— Conversando com várias mulheres que já sofreram violência física ou verbal percebemos que ela não se entendem como vítima, não se veem assim. É incrível isso. É importante que a mulher enxergue seu relacionamento tal qual ele está acontecendo e não fantasie — detalha.
A delegada cita um caso em que a vítima era agredida com frequência, com tapas e empurrões, mas não via seu marido como violento. Segundo a policial, se uma mulher se sente em dúvida sobre ser ou não ameaçada e agredida pelo marido ela pode, também, procurar a delegacia, onde será orientada.
Números da delegacia
A Delegacia da Mulher remete, por mês, de 800 a mil investigações ao Poder Judiciário. Ainda assim, há ainda 21 mil inquéritos pendentes na unidade. O baixo número de servidores é atribuído como o principal motivo para o grande número de casos em aberto.
Há dois anos, o passivo era de 28 mil casos. Apesar do aumento da demanda da delegacia, houve um crescimento de 22% da finalização de investigações.
A Polícia Civil pretende criar um departamento exclusivo para supervisionar todas as delegacias da mulher do Estado e também outras unidades que atendem minorias. O Departamento de Grupos Vulneráveis já foi aprovado e depende, agora, de regulamentação interna da polícia. Segundo a delegada Adriana Regina da Costa, uma das responsáveis pelo projeto, com nova coordenação haverá melhor padronização dos processos internos e orientação aos policiais.
Como procurar ajuda
Mulheres podem procurar a polícia indo na delegacia da mulher, na esquina da Rua João Pessoa com a Rua Professor Freitas e Castro, no bairro Azenha, em Porto Alegre. Há policiais mulheres para orientação e, se for o caso, registro de ocorrência e requisição de medidas protetivas. Na delegacia, também há encaminhamento de vítimas para a casa de abrigo da prefeitura de Porto Alegre, a Viva Maria, mantida em endereço secreto para acolher mulheres vítimas de violência e que não têm para onde ir. Em casos que não se encaixam nos requisitos do abrigo público, a polícia também as encaminha para a a Ocupação Mulheres Mirabal, no Centro de Porto Alegre.
O número para denúncias de violência doméstica é o 180. Segundo a delegada Clarissa Demartini, o número está disponível para vítimas e também para qualquer pessoa que acredita ter presenciado um caso de violência contra a mulher — como vizinhos e familiares.
Refúgio na casa de mulheres
A Ocupação Mirabal, na Avenida Duque de Caxias, no Centro, é um dos dois abrigos que existem em Porto Alegre para receber mulheres vítimas de violência doméstica. Fugindo de maridos, namorados e até padrastos e pais agressores, há 11 mulheres e nove crianças, filhos delas, que moram no local.
Ninguém acredita no que aconteceu comigo
VÍTIMA
Abusada pelo padrasto
Uma das mulheres, que preferiu não se identificar, conta que aos 20 anos buscou refúgio na casa de mulheres. Ela era abusada sexualmente desde os cinco anos pelo seu padrasto. Ela chegou a passar noites no albergue da prefeitura e na casa de amigos antes de encontrar lar junto com outras mulheres em situação semelhante. A jovem tem uma filha de um ano e 10 meses, que mora com ela na casa.
Segundo ela, sua mãe não acredita que o marido dela abusa dos seus filhos à noite. Os outros irmãos também fugiram da casa e moram na rua.
— Aqui me sinto bem. Estou há um mês e duas semanas. Se isso aqui não existisse, estaria na rua, provavelmente. Ninguém acredita no que aconteceu comigo — relata a vítima.