Em uma recente segunda-feira, uma senhora de 74 anos caiu em um dos golpes mais antigos que se conhecem: o do bilhete premiado. Servidora estadual aposentada, ela retornava de uma consulta médica no centro de Porto Alegre quando uma mulher a abordou.
Na ocasião, a pessoa lhe pediu ajuda para sacar um prêmio em uma agência bancária. Alegou ser analfabeta e sequer portar um documento. Precisava de testemunhas. Em seguida, uma segunda mulher — bem-vestida, segundo a vítima — apareceu. Disse que também a ajudaria, mas que precisariam confirmar a veracidade do prêmio. De acordo com a idosa, a suposta dona do bilhete era morena e “corpulenta”. A segunda estelionatária era loira, alta e magra.
Em uma rápida ligação, no viva-voz, um suposto atendente da Caixa confirmou os números sorteados. A partir de então, foi iniciada uma via-sacra pela cidade, que duraria mais de quatro horas. A dita vencedora do prêmio daria às mulheres uma recompensa, mas precisava de uma garantia em troca.
Enganada, a vítima sacou os R$ 10 mil que tinha na conta corrente em três diferentes agências da Caixa, em Porto Alegre. Foram R$ 5 mil, R$ 3 mil e R$ 2 mil. Depois, as golpistas fizeram compras superiores a R$ 2 mil com o Banricompras da idosa, em sapatos e bolsas, em lojas do centro de Porto Alegre, ao constatarem que o saldo da conta corrente estava zerado. A vítima não desconfiou de nada.
Ao ler sobre a megaoperação deflagrada no último fim de semana, que desarticulou uma quadrilha do bilhete premiado que atuava a partir de Passo Fundo, a idosa resolveu relatar o que passou. Moradora da zona norte da Capital, ela quer alertar outras pessoas para evitar que também sejam ludibriadas. Por motivos de segurança, a idosa preferiu não se identificar.
Como aconteceu o golpe?
Eu vinha pela (Avenida) Otávio Rocha, saindo de uma consulta médica, para pegar um lotação na (Rua) Doutor Flores. Eram, mais ou menos, 11h40min. Uma miserável, com um papel na mão, me abordou para saber onde era uma tal de Travessa Santos. Disse que tinha de ir no endereço porque se encontraria com uma pessoa que a levaria para receber um prêmio, e mostrou um bilhete dobrado da Quina. De imediato, apareceu uma outra mulher e perguntou se eu também podia ajudá-la como testemunha para ir ao banco.
Essa mulher pegou o bilhete e ligou para um homem, no viva-voz, que disse ser da Caixa. Ele confirmou os números. Então, passamos na casa da mulher, que pegou um pacote e disse que eram dólares. Ela me pedia ajuda e dizia: "Se ela nos der uma 'beira', esse dinheiro vai me ajudar muito". Tudo conversa fiada. Me acharam com cara de trouxa e eu caí.
Como elas a fizeram sacar R$ 10 mil?
Fiquei com elas até as 16h. Foram três saques. Queriam que eu comprovasse que tinha condições, para não lográ-las. A mulher que chegou com o papel se fazia de muito pobre, miserável. Dizia que não tinha documentos, era analfabeta, e precisava de testemunhas para sacar o dinheiro no banco. Nem sei dizer como eu caí. Estava com a boa intenção de ajudar uma miserável. É uma lavagem cerebral.
Em nenhum momento a senhora desconfiou?
Eu precisava comprovar que tinha dinheiro para não lográ-la. Ela daria o bilhete para que tirássemos o dinheiro no banco porque não tinha documento, era analfabeta...uma pobre coitada. Contou uma história fantástica e me envolveu. Se dissesse que por um minuto me dei conta de que estava sendo lograda, seria mentira. "Eu vou dar uma beira para vocês", ela dizia.
Só percebi quando passava das 16h. Disseram que estavam indo ao banco, pararam em frente a um boteco e pediram que eu pegasse duas águas porque estavam com sede. Ainda pediram que eu pegasse umas sacolinhas para colocar o dinheiro. Quando voltei, não tinha mais carro.
Nem assim a senhora desconfiou?
Estava tão incrédula, que ainda fui até uma agência da Caixa, na Praça da Alfândega, porque elas disseram que iriam ali. Falei para o guarda que encontraria duas conhecidas para sacar um dinheiro, que estavam me esperando. Mas não tinha mais ninguém ali. Uma atendente da Caixa perguntou o que eu estava esperando. Eu contei que iria encontrar duas conhecidas. A funcionária estava tão escaldada, que perguntou: "A senhora não deu dinheiro para elas, né?". Respondi que sim. Ela disse: "A senhora foi roubada". Não sei como consegui voltar para casa.
Nas quatro horas que esteve com as golpistas, a senhora chegou a voltar para casa?
Sim, e passei um "171" no meu marido. Disse que a médica com a qual havia me consultado marcou um exame, e que precisava ir ao hospital. Peguei meus cartões e saí rapidinho, porque elas diziam para eu não contar para ninguém. Meu celular tocava e diziam para não atender, não falar onde estávamos. Iríamos sacar muito dinheiro e era perigoso, pois alguém poderia nos perseguir.
O que lhe diziam?
Depois que viram que tinha sacado tudo, disseram que eu precisava comprovar que não tinha dinheiro na conta do Banrisul. A mulher loira e alta estacionou na Doutor Flores, deixou o carro ligado e pediu meu cartão. Dei a senha para que ela pudesse comprovar que (a conta) estava zerada. Mas sabe o que ela fez? Fez compras. Mais de R$ 2 mil. Em um momento, recebi uma mensagem no meu celular avisando sobre uma compra de R$ 600. Eu disse "Ué, que compra, se não comprei nada". Aí, a miserável pegou o meu celular e o meu cartão. Fui tão burra, que nem questionei. Olha, pode me dar um atestado de burrice. No outro dia, fui na Delegacia do Idoso. O rapaz disse que era um golpe muito antigo, perguntou se eu não ouvia rádio, lia jornal...Respondi que sim. Ele me orientou que, quando alguém me chamasse na rua, eu me fingisse de surda.
A senhora foi enganada pela ganância?
Fiquei com compaixão daquela mulher que precisava de ajuda. Fui no intuito de ajudar. Não pensei em "ganhar uma beira", em nada.
Em algum momento, a senhora acreditou que ganharia algum dinheiro?
Ela dizia que sim, mas eu falei várias vezes que só queria ajudar. E a outra repetia: "Vamos fazer o que ela quiser, porque estou precisando desse dinheiro". Na verdade, era a comparsa.
Por ser um golpe antigo, muita gente sente vergonha de denunciá-lo. Por que a senhora decidiu falar?
Me senti muito envergonhada e deprimida, mas decidi ir à delegacia e falar a respeito. Depois que li (em reportagem de GaúchaZH, publicada na última segunda-feira) que mais de 130 pessoas caíram nesse golpe... Para mim, foi um consolo. Fui burra. Levaram tudo o que eu tinha.