Criada em outubro, a "Uberlândia", embora não regularizada pela prefeitura da Capital, é uma forma de transporte que atende os moradores do bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre. Mauro Sergio de Mattos, 26 anos, um dos administradores do serviço, diz que a iniciativa é resultado das inúmeras vezes em que os moradores precisaram de transporte e não conseguiram – a Uber não opera à noite em pelo menos 11 bairros da Capital. Em um dos episódios, ele conta que voltava para casa em um táxi quando o motorista se recusou a ingressar no bairro.
— Não me leva a mal, mas não entro aí — teria dito o taxista.
— Se tu não entrar, não vou pagar a corrida — teria respondido Mattos.
— Não precisa me pagar irmão, só não me faz entrar aí.
— Aquilo me quebrou, paguei a corrida e subi caminhando e ao mesmo tempo revoltado. Todos sabemos da violência atual, mas são os moradores que pagam, infelizmente. Foi nessa brecha que entramos, fazendo girar o dinheiro na comunidade. Já levamos pessoas doentes, feridas, em trabalho de parto, em horários que o aplicativo não funciona aqui dentro — afirma.
Antes de fazer parte da "Uberlândia", o produtor de eventos diz que costumava usar os aplicativos para se deslocar até o bairro. No entanto, em um dia de chuva, às 16h, foi deixado na Protásio Alves.
— Aquilo gerou revolta. Poderia ser minha mãe, minha vó ou filho, qualquer pessoa. Hoje é diferente, minha mãe precisa de carro, tem um na porta de casa, vai e volta segura, sem perigo e sem ficar pelo caminho.
Ele diz que foi convidado por um amigo, que era motorista de aplicativo, para começar o serviço. Parte dos motoristas que atende pela "Uberlândia" já foi parceira dos aplicativos. Os valores são cobrados por bairro. Dentro do Bom Jesus qualquer corrida custa R$ 8, independente do percurso. Para outros bairros, o valor também é estabelecido antes do início da corrida. Atualmente a "Uberlândia" conta com 15 a 20 carros e atende em média 300 corridas semanais. Ele diz que a única exigência são veículos limpos, em bom estado, e motoristas educados.
Sobre o convívio com a violência e o tráfico, o administrador diz que o fato dos motoristas serem moradores do bairro facilita o deslocamento.
— Temos um cadastro com clientes, peneiramos ao máximo os dados dos usuários. Acompanhamos os carros por meio do localizador. Entramos em qualquer comunidade, desde que seja a corrida de fora para a Bom Jesus, ou da Bom Jesus para outro bairro.
Questionado sobre a falta de legalização do atendimento, Mattos argumenta que os aplicativos também não são regularizados.
— Nossos carros pagam IPVA e gasolina, contribuindo com os impostos, visto que temos uma das gasolinas mais caras do Brasil. O que oferecemos um transporte não regulado pelo ordenamento jurídico brasileiro e o fato de não estar regulado, não significa que é ilícito. O cliente prefere nos chamar, garantindo assim que serão largados na porta de suas casas. Talvez um dia algum órgão cobre alguma coisa, estamos preparados para isso.
Outro condutor, de 42 anos, que prefere não ser identificado, afirma, no entanto, que desistiu de transportar passageiros para a "Uberlândia" por conta da convivência diária com o tráfico.
— Saí por causa da minha esposa, porque ela achava perigoso. Nada acontece sem o tráfico autorizar. Na maioria dos lugares onde tem boca de tráfico, os moradores avisam quando chamam um Uber ou um aplicativo.
Situações tensas enfrentadas
Saí por causa da minha esposa, porque ela achava perigoso. Nada acontece sem o tráfico autorizar.
MOTORISTA QUE DESISTIU DA "UBERLÂNDIA"
Na Restinga, na zona sul de Porto Alegre, também há outro serviço que atua de forma paralela aos de aplicativo de celular. É o "táxi alternativo". O sistema, considerado clandestino pela prefeitura, surgiu há cinco anos na região, antes mesmo de o Uber chegar à Capital.
Um dos motoristas consultados pela reportagem, que preferiu não se identificar, explica que a intenção é oferecer serviço mais barato e cobrir áreas da Região Sul que, na época do surgimento, não eram atendidas pelo táxi convencional por conta da violência. No "alternativo", as corridas são pedidas pelo celular. Apesar da promessa de valor mais acessível, não há critério definido para estabelecer o preço, como existe no bairro Bom Jesus.
— É meio de cabeça. A gente calcula a partir da distância e do tempo da viagem — conta o motorista.
O motorista trabalha há dois anos no sistema e conta que já enfrentou situações tensas:
— Cada dia de trabalho é uma aventura. Já entrei no meio de tiroteio e já tive passageiro retirado do carro abaixo de pau, por estar no lugar errado.
Por ser morador da Restinga, ele afirma que é conhecido pelas facções e, por isso, não encontra problemas para circular pela região. Entretanto, reconhece que há alguns pontos da cidade em que é impedido de atuar, nos condomínios Ana Paula, Camila e São Guilherme, que foram invadidos por grupos armados. Recentemente, a restrição se estendeu para a Vila Pitinga.
— Ali na Pitinga a gente conseguia entrar, mas agora não dá mais — conta o motorista.
Como funciona a restrição
A partir das 22h os usuários não conseguem mais solicitar uma corrida nas áreas consideradas de risco pela Uber. Os clientes só conseguem pedir novas corridas a partir das 6h, portanto essas áreas permanecem oito horas por dia sem atendimento do aplicativo. A reportagem constatou a restrição em ruas dos bairros Sarandi, Rubem Berta, Mario Quintana, na Zona Norte, Bom Jesus, Jardim do Salso, Jardim Carvalho, São José, Lomba do Pinheiro, na Zona Leste e Santa Tereza, Medianeira e Coronel Aparício Borges, na Zona Sul.
A restrição pode não abranger todo o bairro e sim as áreas que foram elencadas pela empresa como de maior risco. A Uber não esclarece os critérios específicos utilizados para definir essas restrições. Nesses locais, mesmo quando não há restrição, os moradores também relatam dificuldades para que os motoristas aceitem as corridas. Não há restrição para os usuários que solicitam a corrida em outro ponto da cidade e tem como destino algum desses locais, mesmo após as 22h.
O que diz a Uber
Procurada pela reportagem, confirmou, por meio de nota da assessoria de imprensa, que aplica a medida como forma de "proporcionar mais segurança a motoristas parceiros e usuários". Segundo a empresa, o aplicativo está programado para "impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos". A nota não esclarece quais os critérios específicos adotados pela empresa para definir os locais com restrições.
Conforme a Uber, o aplicativo utiliza outros processos de segurança como a verificação de antecedentes criminais do motorista e o rastreamento via GPS de cada viagem. Os usuários da plataforma também são verificados, por meio de dados do cartão do crédito e pelo CPF, solicitado dos que fazem o pagamento de suas viagens somente em dinheiro. A Uber afirma que conta com 500 mil motoristas parceiros e 20 milhões de usuários no país, sem especificar quantos atuam no RS. Confira a nota na íntegra:
"Nossa missão é conectar pessoas a um transporte acessível e confiável, ao toque de um botão. Todavia, infelizmente a violência permeia nossa sociedade. Para proporcionar mais segurança a motoristas parceiros e usuários, nosso aplicativo pode impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos. Mas a Uber está permanentemente buscando aprimorar seus serviços. Como anunciado recentemente, a empresa passou a adotar, também no Rio Grande do Sul, a tecnologia de machine learning para identificar riscos com base na análise, em tempo real, dos dados das milhões de viagens realizadas diariamente por meio do aplicativo. A ferramenta, que usa algoritmos que aprendem de forma automatizada a partir dos dados, bloqueia as viagens consideradas potencialmente mais arriscadas, a menos que o usuário forneça detalhes adicionais de identificação. Essa tecnologia foi desenvolvida por uma equipe de cientistas de dados, engenheiros e especialistas para ajudar a antecipar e reduzir a probabilidade de incidentes de segurança."