Apesar de saber que a noite o risco de estar no volante é maior, um motorista, de 31 anos, prefere o horário noturno para percorrer as ruas de Porto Alegre, por conta do menor fluxo no trânsito. Há cinco meses, trocou a profissão de segurança pela de condutor da Uber. Desde então, garante que circula em todas as áreas da cidade, embora considere algumas mais tensas.
— Pra mim o lugar mais perigoso é a Cruzeiro. Ali perto do Postão. Dois já tentaram me assaltar ali, mas eu fugi.
A experiência como segurança dá ao motorista maior confiança para o novo trabalho. Para se proteger adota algumas medidas como não aceitar corridas de pessoas que estão na rua e analisar o perfil do passageiro.
— Prefiro pegar corrida de quem está saindo de prédio ou de casa. Mas claro que tem exceções. Às vezes a pessoa tá na rua porque tá voltando pra casa, do trabalho.
O motorista acredita que a restrição por áreas é importante, embora ela só funcione para a área onde o cliente está e não para o destino da viagem. Como medida de segurança, ele instalou rastreadores no veículo e no celular.
Outro motorista do Uber, que foi taxista por quatro anos, entende que a restrição funcionaria de forma eficiente se fosse adotada por todos os aplicativos.
— Se não consegue carro com o Uber, a pessoa chama em outro aplicativo que não tem restrição. Cabify e 99Pop chama em qualquer hora e lugar. Assim não funciona.
O condutor também reclama de não saber o destino final do passageiro ao aceitar a corrida. Diz que recentemente foi surpreendido por uma corrida na qual o passageiro embarcou na Cidade Baixa, às 3h, e tinha como destino o bairro Mário Quintana, na Zona Norte.
— O que eu vou dizer? Que não vou levar? Na obrigação, tem que levar. Lá a pessoa não vai chamar, mas pega daqui para lá.
Outro motorista, que atende por três aplicativos, também relata que alguns passageiros, que residem nas áreas com restrição, usam algumas estratégias para conseguir chamar o motorista. Indicam outro ponto de embarque.
— A gente entra em contato e a pessoa diz "é um pouco mais para cima, mais para dentro do bairro". Chega lá e para pegar o passageiro acaba tendo que entrar na área da restrição.
O condutor acredita que a restrição é essencial para garantir a segurança dos motoristas.
— Uma pessoa do bem pode te chamar, mas aí tu tá manobrando um carro e vem um cara e leva teu carro.
Condutor da 99pop, outro motorista conta que prefere trabalhar somente durante o dia. Sobre as restrições, entende que, apesar de ser importante para a segurança dos condutores, dificulta a vida de quem reside muitas vezes em área onde o transporte público já tem deficiências.
— O aplicativo tem uma função social, de atender essas pessoas. Mas quem mora nessas áreas de risco fica prejudicado e 99% com certeza é gente honesta.
"O táxi tem passe livre"
Presidente do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre (Sintáxi), Luiz Nozari, defende que a categoria está mais protegida por conta da experiência dos motoristas e da fácil identificação dos veículos. Por isso, garante, que os taxistas não recusam as chamadas dos clientes.
Sempre atendemos a população, em qualquer parte da cidade. Até mesmo nas chamadas bocas de fumo. O táxi transporta as pessoas que moram ali. O táxi tem passe livre.
LUIZ NOZARI
Presidente do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre
— Sempre atendemos a população, em qualquer parte da cidade. Até mesmo nas chamadas bocas de fumo. O táxi transporta as pessoas que moram ali. O táxi tem passe livre. O próprio taxista conhece a cidade, sabe as senhas. Sabe que não pode entrar de farol alto em boca de fumo. Futuramente é possível que o pessoal dos aplicativos também comece a agir assim, mas hoje eles vão por GPS, entram numa área que não pode entrar, estão perdidos.
Vidro abaixado, farol baixo e luz interna ligada. Esse é o código para que os motoristas consigam ingressar em áreas dominadas pelo tráfico de drogas. O taxista defende que, apesar de não existir um acordo formal, os próprios traficantes respeitam a presença do táxi por saberem que a população necessita do serviço.
— Eles nos respeitam. Sabem que nós precisamos trabalhar e que nosso trabalho não é fazer papel de polícia. O táxi não recusa corrida. A maioria dos moradores que precisam de um transporte são pessoas de bem. O taxista sabe o risco que corre, mas sabe que as pessoas que estão lá permitem porque ele está prestando um serviço. Dificilmente temos um caso de um taxista assaltado num desses locais. Isso geralmente não acontece. Os aplicativos infelizmente temos visto muita notícia triste.
O veículo utilizado, no entendimento do taxista, também é um dos motivos que leva os motoristas de aplicativos a serem mais visados. Enquanto os táxis estão identificados e com cor vermelho-ibérico, os automóveis usados pelos aplicativos não possuem identificação.
— Temos uma certa facilidade em relação ao nosso concorrente porque ele usa carro particular, de qualquer cor, que pode ser o mesmo usado pelo inimigo de alguém do local. E o táxi não se presta para comércio. Não tem como roubar um táxi para vender no ferro. Essa cor é uma vantagem. Ninguém vai querer essa cor. Isso indiretamente nos beneficia.
Como funciona a restrição
A partir das 22h os usuários não conseguem mais solicitar uma corrida nas áreas consideradas de risco pela Uber. Os clientes só conseguem pedir novas corridas a partir das 6h, portanto essas áreas permanecem oito horas por dia sem atendimento do aplicativo. A reportagem constatou a restrição em ruas dos bairros Sarandi, Rubem Berta, Mario Quintana, na Zona Norte, Bom Jesus, Jardim do Salso, Jardim Carvalho, São José, Lomba do Pinheiro, na Zona Leste e Santa Tereza, Medianeira e Coronel Aparício Borges, na Zona Sul.
A restrição pode não abranger todo o bairro e sim as áreas que foram elencadas pela empresa como de maior risco. A Uber não esclarece os critérios específicos utilizados para definir essas restrições. Nesses locais, mesmo quando não há restrição, os moradores também relatam dificuldades para que os motoristas aceitem as corridas. Não há restrição para os usuários que solicitam a corrida em outro ponto da cidade e tem como destino algum desses locais, mesmo após as 22h.
O que diz a Uber
Procurada pela reportagem, confirmou, por meio de nota da assessoria de imprensa, que aplica a medida como forma de "proporcionar mais segurança a motoristas parceiros e usuários". Segundo a empresa, o aplicativo está programado para "impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos". A nota não esclarece quais os critérios específicos adotados pela empresa para definir os locais com restrições.
Conforme a Uber, o aplicativo utiliza outros processos de segurança como a verificação de antecedentes criminais do motorista e o rastreamento via GPS de cada viagem. Os usuários da plataforma também são verificados, por meio de dados do cartão do crédito e pelo CPF, solicitado dos que fazem o pagamento de suas viagens somente em dinheiro. A Uber afirma que conta com 500 mil motoristas parceiros e 20 milhões de usuários no país, sem especificar quantos atuam no RS. Confira a nota na íntegra:
"Nossa missão é conectar pessoas a um transporte acessível e confiável, ao toque de um botão. Todavia, infelizmente a violência permeia nossa sociedade. Para proporcionar mais segurança a motoristas parceiros e usuários, nosso aplicativo pode impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos. Mas a Uber está permanentemente buscando aprimorar seus serviços. Como anunciado recentemente, a empresa passou a adotar, também no Rio Grande do Sul, a tecnologia de machine learning para identificar riscos com base na análise, em tempo real, dos dados das milhões de viagens realizadas diariamente por meio do aplicativo. A ferramenta, que usa algoritmos que aprendem de forma automatizada a partir dos dados, bloqueia as viagens consideradas potencialmente mais arriscadas, a menos que o usuário forneça detalhes adicionais de identificação. Essa tecnologia foi desenvolvida por uma equipe de cientistas de dados, engenheiros e especialistas para ajudar a antecipar e reduzir a probabilidade de incidentes de segurança."
Recomendações aos motoristas:
— Evitar ruas desertas
— Ao chegar no ponto de encontro, analisar o local e desconfiar de pessoas suspeitas nas ruas
— Não aguardar por muito tempo no carro, caso o passageiro não chegue
— Ao aceitar a corrida, buscar informações com o passageiro do destino e da região do desembarque. A intenção, segundo a BM, é detectar possíveis "situações de risco"
— Caso o motorista desconfie da situação, recomenda-se dar sinal de luz para alguma viatura que esteja passando pelo trajeto. Com isso, o carro pode ser abordado pelos policiais.
Fontes: Polícia Civil e BM