Pelo menos 17 casos sob investigação da Polícia Civil revelam que, desde o início do segundo semestre deste ano, alianças impostas por facções a contraventores estão estremecidas. Traficantes, que já extorquiam bicheiros, donos de bingos e máquinas caça-níquel em troca de segurança, passaram a empregar maior violência na cobrança pela participação nos lucros, aproveitando-se da ilegalidade do negócio para ficarem impunes.
São assassinatos, tentativas de homicídio, ameaças, roubos a estabelecimentos comerciais e disparos contra residências. Há registros nos vales do Sinos, do Paranhana, do Taquari e do Rio Pardo. Também no Litoral Norte, na Região das Hortênsias e em Porto Alegre. Todas as vítimas são apontadas como exploradoras de jogos de azar. Em Portão, um homem levou 11 tiros após negar valores para facção. Em Lajeado, houve até reunião entre bicheiros e integrantes de um bando após a transferência de 27 líderes criminosos para penitenciárias federais. Na pauta, a cobrança de R$ 20 mil semanais.
Durante dois meses, GaúchaZH ouviu policiais e contraventores para entender a mudança de cenário no acordo forçado que ganhou corpo por volta de 2007, época de constantes ações do Ministério Público (MP) contra jogos de azar.
— Infelizmente, este foi o legado deixado pela força-tarefa dos bingos, que perseguiu, processou e correu empresários sérios da atividade. Sempre que existe vácuo em determinado segmento econômico, criminosos terminam migrando ao ramo — critica o advogado Marcelo Nascimento, que representa donos de bingo.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do MP, promotor Luciano Vaccaro, rebate:
— É um posicionamento completamente equivocado. Jogo de azar é contravenção penal. Como tal, deve ser combatido, independentemente do autor. Tanto o empresário bom, na palavra dele, quanto o integrante de facção. Ambos estão na ilegalidade, o que exige repressão do Estado.
Conforme o delegado Rodrigo Zucco, que atua em São Leopoldo e investigou vários desses casos, os primeiros reflexos do assédio de facções aos jogos de azar surgiram na Capital. O fato mais grave ocorreu em 2012. Dono de um bingo, Marco Aurélio Guimarães Assmus, 57 anos, foi assassinado no bairro Azenha.
O Departamento de Homicídios ainda investiga as hipóteses, mas não descarta que ele tenha sido morto porque decidiu não ser mais extorquido. Um advogado, que pediu para não ser identificado, diz que a vítima havia sofrido ameaças por deixar de pagar uma facção.
Na época, familiares negaram a coação, mas informaram à polícia que Assmus sofreu tentativa de assalto na mesma semana do assassinato. O bingo dele, a poucos metros do local onde foi morto, pegou fogo um dia antes. Assmus chegou a ser condenado pela exploração de jogos de azar.
De lá pra cá, segundo Zucco, quase não haviam chegado à polícia episódios semelhantes. Isso até o segundo trimestre deste ano. Desta vez, a maioria das vítimas é do Interior (veja o mapa). Três contraventores disseram à reportagem temer por suas vidas e pagar a facções R$ 3 mil por semana para cada sala de jogos.
Maximização dos lucros
Autoridades e especialistas apontam que, além do avanço dos bandos, a nova onda de ataques está relacionada a lacunas de comando após a remoção de líderes para fora do Estado e à busca por capital. O chefe da Polícia Civil, delegado Emerson Wendt, ressalta que três grandes operações sobre o tema foram feitas este ano.
— É uma prática da máfia e do PCC (Primeiro Comando da Capital, de São Paulo), que está sendo copiada aqui por duas facções. Esses grupos intimidam, extorquem e atacam. Temos vários registros e tentamos combater da melhor forma. A dificuldade é que as vítimas não auxiliam, não repassam informações, não identificam autores, sequer registram os casos. Não o fazem porque estão na ilicitude — diz Wendt.
O quadro se completa com a retomada dos debates quanto à possível legalização dos jogos. Prevendo que, com isso, o dinheiro da extorsão deixe de entrar, facções avaliam que é hora de agir para maximizar lucros. Especialista em segurança, Gustavo Caleffi alerta:
— Não há mais como rotular as quadrilhas por um tipo específico de delito. A tendência é de que atuem para ampliar seus ramos. A iminência da aprovação de lei que autoriza cassinos e bingos pode gerar nova guerra entre criminosos. A atividade deve ser regulamentada de maneira que permita ao Estado controlar o jogo.
Legalização dos jogos
De autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), projeto que autoriza a exploração de jogos presenciais ou online em todo o Brasil está com votação marcada para a próxima quarta-feira (6) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Apresentado em 2014, o texto esteve por anos engavetado, mas voltou a ser discutido a pedido de governadores, que pressionaram pela inclusão de emendas para permitir aos Estados cobrar impostos para investir na segurança pública.
Reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) mostrou como empresários pretendem tornar o Rio Grande do Sul em um paraíso das casas de jogos. A Secretaria da Segurança Pública confirmou, na ocasião, a intenção de formar fundo com verba de recursos arrecadados com a atividade.