A expansão da clientela da empresa de vigilância Nasf, de atuação publicamente reconhecida como violenta, se concretizou devido ao suposto suporte dado à época pelo então comandante da Brigada Militar de Pelotas, tenente-coronel André Luis Pithan. Segundo a denúncia do Ministério Público, Pithan, que responde em liberdade pelos crimes de tortura e formação de milícia, era amigo dos proprietários da empresa e, por mais de uma vez, teria agido para favorecê-la.
— Ele (Pithan) se omitiu para que os homens da Nasf cometessem seus crimes livremente — diz o promotor Reginaldo Freitas da Silva.
A empresa foi desarticulada em abril de 2016, após ação do Ministério Público. No início deste mês, 11 integrantes da Nasf — incluindo os proprietários da empresa, o tenente da reserva da Brigada Militar Nelson Antônio da Silva Fernandes e o seu filho Wagner Nicoletti Fernandes — foram condenados por formação de milícia, violações de domicílio, incêndio, lesões corporais e porte ilegal de armas, além de espancamentos sistemáticos que foram caracterizados como crime de tortura.
Conforme o MP, Pithan não agiu diretamente nos atos de violência, mas sustenta que o oficial prevaricou ao saber dos crimes, permitindo a sua continuidade.
Um dos casos narrados no processo é sobre o espancamento de um jovem que praticou um roubo a estabelecimento comercial em Pelotas. No caminho para casa, comprou e consumiu crack. Quando já estava no pátio da residência da família, pelo menos seis viaturas da Nasf chegaram. Wagner Nicoletti Fernandes foi acusado de estar à frente do bando que invadiu o domicílio e capturou o rapaz, jogado para dentro de um dos veículos que deslocou até um posto de combustível próximo. No local, o homem foi agredido à exaustão, ficando com o rosto ensanguentado. Homens da Nasf o filmaram, depois do espancamento, e o obrigam diversas vezes a ler a placa que indicava que um imóvel era protegido pela empresa, com o slogan "braço forte da comunidade". A produção do vídeo era uma propaganda da milícia.
Quando a primeira viatura da Brigada Militar chegou ao local e constatou as lesões, dois policiais passaram a discutir rispidamente com integrantes da Nasf. Como condição para conduzir o autor do roubo à delegacia, em razão do estado em que se encontrava, os brigadianos exigiam a presença de Wagner para representar a empresa de segurança no registro da ocorrência. O miliciano se negava. Houve impasse. No processo judicial há o relato de que Wagner teria ligado para o próprio tenente-coronel Pithan para solicitar apoio. De fato, Pithan esteve no local da ocorrência e, primeiro, apaziguou os exaltados ânimos. Depois, pediu para que outra patrulha da Brigada Militar fizesse a condução do homem espancado para o registro de boletim, sem Wagner.
A denúncia do MP ainda diz que os membros da Nasf não comunicavam a polícia sobre as ocorrências. Um dos agentes da milícia apenas contatava brigadianos de confiança quando queria obter informações confidenciais sobre indivíduos suspeitos e veículos.
No processo, também consta o depoimento de policial que comandava uma patrulha tático móvel em Pelotas. O PM relatou que o comando decidiu extinguir o grupamento alegando "excessos", o que teria causado suposto aumento da criminalidade. "Cresceram as empresas de segurança", afirmou o brigadiano.
Em abril de 2016, quando o MP deflagrou a operação Braço Forte, Pithan chegou a ser preso em flagrante porque na sua casa foi encontrada uma arma de propriedade da Nasf. O tenente-coronel pagou fiança e foi liberado. Ele aguarda julgamento, na Justiça Comum de Pelotas, junto com outros 18 réus. Entre os 11 já condenados da Nasf, há outro servidor da BM e dois sargentos temporários do Exército.
Processo por corrupção
O tenente-coronel André Luis Pithan, além das acusações na Justiça Comum de Pelotas, responde a processo na Justiça Militar pelo crime de corrupção. O caso está em primeira instância e as eventuais sanções vão desde prisão até perda da função pública.
Há sérios indícios e gravações de que ele (Pithan) recebia dinheiro e presentes do pessoal da Nasf. Em troca disso, a Nasf fazia o que queria na cidade.
LUIZ EDUARDO DE OLIVEIRA AZEVEDO
promotor de Justiça
A denúncia da 1ª Promotoria de Justiça Militar de Porto Alegre diz que em 2015 Pithan recebeu a quantia de R$ 7 mil da Nasf. A acusação ainda cita "outros bens e valores cujo montante exato não foi apurado pela investigação". Também é destacado que Wagner Nicoletti Fernandes entregava mimos a Pithan, como um vestido a sua esposa para a celebração de uma formatura. Sócio da empresa de segurança, Wagner disse, em depoimento, que emprestou recursos a Pithan "algumas vezes".
— Denunciei ele (Pithan) porque há sérios indícios e gravações de que ele recebia dinheiro e presentes do pessoal da Nasf. Em troca disso, a Nasf fazia o que queria na cidade, não havia interferência nenhuma da BM na forma de atuar da empresa — informa o promotor Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo.
Ele cita, na acusação, uma das interceptações telefônicas em que Wagner diz que Pithan é "seu funcionário".
"O denunciado, portanto, em consequência das vantagens indevidamente recebidas, a par de repassar informações privilegiadas de interesse da organização criminosa, deixava de praticar atos de ofício, quais sejam, apurar e reprimir os delitos cometidos pelos integrantes da Nasf", diz a acusação.
À época da denúncia, Pithan já havia sido afastado de Pelotas, mas, mesmo após a revelação do seu envolvimento com a milícia, havia sido colocado pelo governo estadual no comando do 20º Batalhão de Polícia Militar, na zona norte de Porto Alegre.
O MP pediu condenação por corrupção e solicitou que ele fosse afastado da linha de frente da corporação.
"Chega às raias do deboche que oficial acusado do grave delito de constituição de milícia e, agora, do não menos grave crime militar de corrupção qualificada, esteja no comando de importante unidade militar desta Capital", argumentou o promotor Azevedo.
A Justiça Militar aceitou o pedido e retirou, ainda em abril deste ano, Pithan da função. Ele está, no momento, em uma posição definida como "agregado". O tenente-coronel se apresenta em Porto Alegre em novo local definido para trabalho e recebe o salário, mas sem prerrogativa de comando.
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CONTRAPONTO
O que diz a Defensoria Pública, responsável pela defesa de André Luis Pithan:
"A defesa irá se manifestar apenas nos autos do processo, buscando sempre o cumprimento do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório."