Ofensiva do Ministério Público Estadual desarticulou, na manhã desta terça-feira, as operações de uma empresa de segurança privada com atuação em Pelotas, na zona sul do Estado. A Nasf, que oferece serviços de ronda e guarda de residências particulares, é definida pelos investigadores como uma milícia.
Ela é suspeita de praticar crimes de tortura física e psicológica contra homens que eram capturados por terem cometido furtos e roubos. Os agentes da suposta milícia também teriam extorquido e ameaçado pessoas que não aderiam ou tentavam desistir dos seus serviços.
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Na manhã desta terça-feira, o MP fez 14 prisões temporárias e uma em flagrante em Pelotas e Capão do Leão. Entre os presos da operação está Nelson Antonio da Silva Fernandes, tenente aposentado da Brigada Militar e proprietário da Nasf, e o tenente-coronel André Luis Pithan, comandante da BM de Pelotas.
Batizada de "Braço Forte", referência ao slogan da empresa, a operação é comandada pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP, sob coordenação do promotor Flávio Duarte. São investigados os crimes de tortura, formação de milícia armada, lesões corporais e dano a patrimônio de terceiros.
Para os investigadores, há indícios de que a Nasf – iniciais do proprietário Nelson Antonio da Silva Fernandes – atuava como uma milícia. Denúncias indicaram que moradores e empresários de Pelotas seriam chantageados em duas situações: quando rejeitavam os serviços da empresa ou tentavam cancelar o contrato. Houve relatos às autoridades de pessoas que sofreram ataques nas suas residências após uma dessas situações. Ameaças verbais também foram feitas, algumas por telefone, interceptadas no curso das investigações com autorização judicial.
– Eles agiam por vingança. Se alguém ousasse desrespeitar a Nasf, invadindo imóveis de seus clientes, eram perseguidos, julgados e torturados – contou o promotor de Justiça e um dos coordenadores da Operação Braço Forte Reginaldo Freitas da Silva.
O MP apurou que os agentes da Nasf teriam feito arrombamentos em estabelecimentos comerciais que se recusaram a contratar os seus préstimos. Também foram coletados indícios de que a suposta milícia usa métodos de tortura ao capturar pessoas que tentam praticar roubos ou furtos nas casas que contam com os seus serviços.
Os próprios agentes da Nasf fizeram vídeos de indivíduos com o rosto machucado e ensanguentado. Os sujeitos eram interrogados. Um deles foi obrigado a olhar a placa de identificação da empresa, costumeiramente afixada às residências protegidas, e repetir quatro vezes o slogan "Nasf, tenente Nelson. O braço forte da comunidade".
– Tu vai voltar nas placas? Filho da p***! Cadê a tua arma, filho da p***! – gritava, de dentro de um carro, um agente da empresa de segurança privada.
– Sim, senhor – repetia o capturado, garantindo que não furtaria mais nenhuma residência protegida pela Nasf.
Outro indivíduo foi colocado dentro de um carro e imobilizado pelo pescoço, com sangramentos pelo rosto. Intimado a responder, chegou a balbuciar o seu nome. Ao fundo, através do vidro do veículo, é possível ver que uma segunda viatura da empresa fazia parte do comboio.
O MP ainda apurou que a Nasf teria torturado parentes de suspeitos de arrombamento em locais protegidos pela empresa. A intenção seria forçar confissões sobre o paradeiro dos indivíduos.
– Até (a Nasf) chegar aos seus alvos, vários inocentes eram agredidos. Pessoas que não tinham relação nenhuma e sem antecedentes criminais eram penalizados – reforçou o promotor.
De acordo com os investigadores, os donos das residências também passavam a ser protegidos pela Nasf, que possui alvará de zeladoria e segurança, mas prestava serviço similar ao de um policiamento ostensivo de segurança pública. Em operação há cerca de 10 anos na região, somente nos últimos dois que a placa com uma pantera negra, símbolo da Nasf, ganhou destaque, angariando 5 mil clientes e arrecadando em torno de R$ 500 mil mensais.
"Tenente Nelson", proprietário da Nasf, possui antecedentes criminais. Até dezembro de 2015, constava o registro de 13 ocorrências em seu nome, incluindo um homicídio simples, abuso de autoridade, ameaça, contravenção penal, lesão corporal, violação de domicílio e entregar direção à pessoa não habilitada. No caso do homicídio, Nelson foi absolvido em 6 de setembro de 2011 em julgamento na 1ª Vara Criminal de Pelotas.
A Nasf foi criada há cerca de 10 anos, quando o tenente Nelson se aposentou da Brigada Militar. É conhecida em Pelotas pela sua atuação e soma mais de cinco mil clientes, entre residências e empresas. A arrecadação mensal giraria em torno de R$ 500 mil. Pelo contrato social, deveria se limitar a serviços de zeladoria, mas oferece segurança privada com caráter de milícia, conforme o MP.
"Castigo de Deus"
Durante a investigação, foram apurados detalhes que mostram o aspecto "justiceiro" empregado pela Nasf. Todas as suas viaturas, por exemplo, tinham adesivada na parte externa a frase "Eu sou um castigo de Deus. E se você não cometeu grandes pecados, Deus não teria enviado um castigo como eu".
O tenente Nelson, como é conhecido na região, atuou por 30 anos na Brigada Militar, e tem uma relação de amor e ódio com a população. Durante a sua prisão, em Capão do Leão, vizinhos se manifestaram a favor do empresário, dizendo que ele é um homem correto. Outros, acreditam que ele demorou demais para ser preso devido aos crimes que teria cometido.
Na Delegacia de Polícia de Pelotas, um aposentado de 75 anos buscava informações na expectativa de recuperar uma arma sua que foi roubada no dia 3 de março, durante um ataque a sua residência. Ele se disse intrigado com a visita que recebeu de funcionários da Nasf no dia seguinte ao assalto.
– Estiveram na minha propriedade oferecendo o serviço deles exatamente um dia após termos sido assaltados. É muito estranho, porque eles sabiam o que tinha acontecido – comentou.
O aposentado diz ter questionado aos funcionários da empresa de segurança como eles sabiam do assalto.
– Disseram que uma vizinha minha avisou eles. Mas ela não teria como saber.
Mesmo assim, ele decidiu contratar a empresa e perguntou como seriam feitas as rondas. Ele se disse surpreso com a resposta:
– Não precisamos fazer ronda. Basta ter a placa da Nasf na frente que todo mundo respeita. Ninguém vai querer assaltar o senhor de novo.
Operação Braço Forte
A Operação Braço Forte é uma das maiores ofensivas já desencadeadas pelo MP do Rio Grande do Sul, que destacou mais de 100 servidores para atuar nesta terça-feira. Também há apoio para o cumprimento dos mandados da Corregedoria da Brigada Militar, do Batalhão de Operações Especiais (BOE) e do Exército.
A procuradoria do Ministério Público Federal (MPF) em Pelotas já havia apresentado ao Judiciário pedido de encerramento das atividades da Nasf. Apuração do órgão, em conjunto com a Polícia Federal, concluiu que a empresa prestava serviços de repressão, com suposto uso de arma, sem estar habilitada para isso. A solicitação do MPF foi negada na Justiça Federal.
Contraponto
O advogado da Nasf, Roger Cavichioli, diz que qualquer manifestação da defesa agora seria prematura.
– Desconheço a acusação – afirmou o defensor.