Apesar da ausência de dados oficiais, especialistas gaúchos já têm observado casos de complicações, hospitalizações e até mortes pelo uso de cigarro eletrônico no Rio Grande do Sul. Essas informações foram apontadas em uma enquete informal realizada pela Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Rio Grande do Sul (SPTRS) com seus sócios para nortear ações relacionadas aos dispositivos conhecidos como vapes.
O debate em relação aos cigarros eletrônico voltou à tona nas últimas semanas, em função da possibilidade de votação do projeto de lei que permite sua comercialização no Brasil. O texto estava na pauta da reunião de terça-feira (20) da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, mas a discussão foi novamente adiada — a nova data prevista é 3 de setembro.
Em maio deste ano, especialistas discutiram os prós e contras da regulação dos vapes durante uma audiência pública conjunta das Comissões de Assuntos Sociais (CAS), de Assuntos Econômicos (CAE) e de Fiscalização e Controle (CTFC).
Na ocasião, a senadora e autora do projeto Soraya Thronicke (Podemos-MS) defendeu que a regulamentação servirá para controlar a produção, o comércio e a propaganda dos dispositivos, evitando que sejam direcionados a crianças e adolescentes. Já a diretora da organização Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), Mônica Andreis, apontou que o uso de vapes aumenta os riscos de doenças cardiovasculares e pode causar sequelas nos pulmões.
Questionada pela reportagem de Zero Hora, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou que não tem dados sobre internações ou problemas de saúde provocados pelo uso do cigarro eletrônico. Mas especialistas afirmam que já têm atendido casos de pessoas que apresentam complicações causadas pelo hábito.
Manuela Cavalcanti, pneumologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e presidente da SPTRS, diz que 40 pneumologistas e cirurgiões torácicos responderam às perguntas da enquete. Metade deles (51%) já atendeu pacientes com complicações causadas pelo uso do cigarro eletrônico. Desses, 25% relataram já terem atendido alguma pessoa que precisou de hospitalização em função dos problemas de saúde associados ao dispositivo.
— Outras perguntas eram relacionadas ao número de complicações que tinham atendido. Tivemos relatos de 53 complicações leves, sendo as mais comuns piora da asma e tosse crônica, e 17 com necessidade de hospitalização, com dois desses pacientes indo a óbito. Um desses casos é de um paciente asmático que fumava (vape), teve uma crise de asma grave, entrou em insuficiência respiratória, com necessidade de intubação e ventilação mecânica, e faleceu — comenta a especialista.
Em relação às complicações graves, algumas envolveram a chamada EVALI, uma lesão pulmonar aguda associada apenas ao uso de cigarro eletrônico. Também foram registrados casos de pneumotórax, segundo Manuela.
O levantamento também apontou que os pneumologistas perguntam de forma rotineira se a pessoa atendida faz uso de vape e que 95% dos médicos já viram pacientes utilizando cigarro eletrônico. Entre os especialistas que responderam às perguntas, 18 são de Porto Alegre e 22 do interior do RS.
— Isso hoje é uma rotina. O que lemos nos artigos é o que estamos vendo na prática. Não é algo unitário, de um médico ou outro. Vários médicos estão atendendo complicações, inclusive complicações graves. Talvez a população ainda não esteja enxergando a gravidade do que pode acontecer com o paciente que se expõe a esse risco — alerta a pneumologista, destacando que os jovens representam grande parte das pessoas que têm essas complicações.
Diante dos resultados, a SPTRS, junto à Sociedade de Cirurgia Torácica do RS, planeja iniciar uma campanha para conscientizar mais a população sobre os riscos do uso desses dispositivos. Uma das ações previstas é visitar escolas, com o objetivo de conversar e alertar os jovens.
"Defendemos que tenha uma regra", diz conselheiro da Abifumo
O atual cenário brasileiro também preocupa o setor tabagista, conforme o conselheiro da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo) e diretor de assuntos científicos e regulatórios da BAT Brasil, Lauro Anhezini Junior. Isso porque os representantes da área consideram que a falta de regulamentação expõe os consumidores a produtos piores do que o cigarro convencional, que causam hospitalizações e problemas de saúde.
De acordo com o conselheiro, a ideia é que os produtos regulamentados sejam destinados a adultos que queiram manter o consumo de nicotina, utilizando dispositivos que ofereçam menor risco — algo que já foi comprovado cientificamente pelos países que autorizam o uso. Anhezini afirma que os cigarros eletrônicos autorizados em outras nações são diferentes daqueles que existem no Brasil atualmente e têm uma quantidade de nicotina muito alta, sendo mais maléficos do que o convencional.
— Faz menos mal quando é regulado, porque é um produto diferente. No Reino Unido, que tem legislação, o limite é de 20 miligramas de nicotina por cigarro eletrônico. Aqui no Brasil, pode comprar em qualquer lugar com até 50 miligramas. O produto que temos hoje no Brasil não deveria existir. Estamos de acordo com as preocupações das comunidades médicas, mas não concordamos com a solução de ignorar e não criar uma regra.
Na visão do conselheiro, a regulamentação também cumpre o papel de inibir o consumo entre os jovens, já que o produto deve ser destinado somente a maiores de 18 anos. Lauro acrescenta, ainda, que há uma redução do risco à saúde quando os dispositivos seguem um padrão sanitário, com limite de nicotina estabelecido e malefícios devidamente informados nas embalagens.
— Defendemos que tenha uma regra. Temos que trazer para o Brasil o que tem em outros países, com padrão de segurança e qualidade. Produtos voltados para adultos, que tenham como finalidade que o adulto faça uma transição de um produto de alto risco, que é o cigarro convencional, para um de menor risco, que é o eletrônico — destaca.