Foi com o objetivo de abandonar o vício de quase uma década em cigarro que, em 2020, Anderson Furlanetto tornou-se adepto ao dispositivo eletrônico bastante popular entre jovens: o vape. Na época, não imaginava que aquela decisão colocaria sua vida em risco cerca de três anos depois. Aos 23, o jovem teve uma lesão pulmonar aguda causada pelo uso do aparelho e precisou ser colocado em oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) — popularmente chamada de “pulmão artificial”.
Natural de Vacaria, Anderson estava em Capão da Canoa, no Litoral Norte, quando teve de ser levado ao hospital. Era dezembro de 2023, mas os sintomas (falta de ar, tosse e cansaço) já faziam parte de sua rotina havia pelo menos seis meses.
— Eu fumava duas carteiras de cigarro por dia e mais o vape para tentar parar de fumar (um dispositivo equivale a cinco carteiras de cigarro). Daí eu baixei lá em Capão da Canoa, meu pai me levou, mas eu já cheguei no hospital desmaiado por causa da respiração. Eu não estava mais conseguindo respirar — relata o jovem, que começou a fumar cigarro aos 13 anos.
Anderson ficou alguns dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Santa Luzia, precisando de ventilação mecânica. No entanto, seu quadro progrediu com piora, sendo necessário utilizar a oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) para transferi-lo para a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
— A ventilação mecânica tem um limite. Você coloca a concentração de oxigênio em 100% e usa pressão para ventilar, mas há o limite onde pressões muito elevadas passam a causar lesão pulmonar, aumentando o risco de morte nesses pacientes muito graves. Antes de chegar nesse ponto, existe a possibilidade de fazermos a troca gasosa dos pacientes através de uma membrana, que é o ECMO — explica Fabiola Perin, médica responsável pelo tratamento do jovem, cirurgiã torácica da Santa Casa e presidente da Sociedade de Cirurgia Torácica do Rio Grande do Sul.
Para exemplificar, a especialista aponta que o ECMO funciona como a hemodiálise para os rins. São colocadas duas cânulas em veias calibrosas dos pacientes, geralmente na coxa e no pescoço, por onde o sangue sai do corpo, sendo empurrado por uma bomba para passar pela membrana. Nela, o gás carbônico é retirado do sangue, para então devolvê-lo oxigenado à pessoa:
— Fomos até Capão da Canoa, colocamos ele em ECMO e trouxemos para a UTI do Pavilhão Pereira Filho. Ele não aguentaria o transporte sem o ECMO, pois apesar dos parâmetros da ventilação mecânica estarem no limite, ele tinha uma oxigenação ruim. Foi um acometimento muito grave e se não fosse o ECMO, ele não teria resistido.
No total, Anderson ficou 23 dias na UTI – 18 deles em coma induzido. O jovem foi diagnosticado com Evali, sigla em inglês da lesão pulmonar aguda associada ao uso do cigarro eletrônico. Os sintomas costumam ser tosse, febre, falta de ar, dor torácica e, eventualmente, escarro com sangue.
Nos EUA, até outubro de 2019, ano em que essa doença foi descrita, somaram-se 1.080 casos. Segundo dados do Centro de Controle de Doenças do país (CDC, na sigla em inglês), até fevereiro de 2020, a Evali foi causa de 2.807 internações e de 68 mortes, conforme Fabiola.
Recuperação
Anderson respondeu bem ao tratamento, mas ficou com algumas sequelas. Por isso, precisou de fisioterapia para recuperar a função pulmonar e motora, que também foi impactada pelo tempo de internação.
— Hoje, eu estou bem, trabalho na lavoura. Estou levando a vida normal, mas foi um sufoco — comenta o jovem.
O gaúcho lembra que resolveu começar a usar vape para tentar parar de fumar o cigarro normal, um mito bastante difundido entre pessoas da sua faixa etária:
— As falavam que o vape ajudava a parar de fumar e daí eu resolvi tentar. Foi aí que deu tudo errado. Eu fumava o cigarro normal e logo depois já fumava o vape, era frequente. Daí eu não conseguia nem parar com o cigarro eletrônico nem com o cigarro normal.
Atualmente, Anderson não toma nenhum medicamento. Também parou de fumar e destaca que tenta ajudar outras pessoas que usam o dispositivo.
— Aqui na minha cidade tem bastante gente que usa e eu tento ajudar as pessoas a pararem com isso, porque sei como é ruim não poder respirar. Então, estou fazendo o meu papel. Não quero nem ver vape ou cigarro mais — ressalta Anderson.
A gravidade do caso do jovem de Vacaria é um das mais severas já descritas na literatura médica brasileira devido ao uso de vape, mesmo que associado ao uso regular de fumo. O caso, inclusive, é levado para discussões internacionais sobre o tema.