Fernando Gerchman (*)
O 14 de novembro foi o Dia Mundial do Diabetes, doença que é a quarta maior causa de perda de capacidade funcional e mortes no Brasil, conforme publicação recente do Institute of Health Metrics and Evaluation, junto à Universidade do Washington (EUA). Estes dados foram analisados pelo Global Burden of Disease, estudo patrocinado pela Fundação Bill e Melinda Gates, um dos maiores esforços mundiais realizados até hoje para elucidar as principais ameaças à saúde humana. Em 2021, estima-se que 529 milhões de pessoas no mundo tinham diabetes. Serão 1,3 bilhão em 2030. No Brasil, a estimativa é de que 16,8 milhões tenham diabetes.
Em adultos com 50 anos ou mais, o diabetes causa incapacidade precoce, atingindo mais de 20% do tempo de vida. Os pacientes perdem progressivamente a capacidade de exercer atividades corriqueiras do dia a dia, por dor osteomuscular, problemas cardiovasculares, renais, neurológicos, psiquiátricos, cegueira e amputações. É como se o corpo envelhecesse de maneira mais acelerada. O paciente acredita que faz parte do avançar da idade e não consegue, muitas vezes, perceber que é o diabetes que está causando estes problemas. É frequente subestimar os riscos da doença ao defini-lo como “diabetes levezinho”. Mas são preocupantes os dados de mortalidade relacionados a doença. Sem um tratamento adequado, pessoas que desenvolvem o diabetes mellitus tipo 2 aos 30, 40 e 50 anos de idade morrem, em média, respectivamente 14, 10 e seis anos antes do que deveriam em comparação àqueles que não tem a doença.
O tratamento adequado e a prevenção de problemas relacionados têm profundo impacto, reduzindo o risco de mortalidade e complicações. Embora os números acima preocupem, o diabetes sofreu uma revolução no seu tratamento nos últimos anos, possibilitando o controle rigoroso da hiperglicemia, da pressão arterial e dos níveis de colesterol. A identificação mais precoce de doença cardiovascular permitiu uma abordagem que evita o infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, a cegueira e as amputações. Duas novas classes de medicações contra o diabetes tipo 2, os inibidores da SGLT-2 e os análogos do GLP-1, protegem o coração e o rim de nossos pacientes, causam perda de peso, e evitam a hipoglicemia.
Uma nova classe de medicação são as quimeras, combinação de diferentes hormônios. Seu primeiro medicamento, a Tizerpatida, será lançado no Brasil em 2024. São medicações que têm maior capacidade de controlar a hiperglicemia e são capazes de causar perdas de até 20% a 25% do peso.
Uma nova classe de medicação são as quimeras, combinação de diferentes hormônios. Seu primeiro medicamento, a Tizerpatida (já aprovada pela Anvisa), será lançado no Brasil em 2024. Prometem um novo avanço no manejo do diabetes e da obesidade relacionada. São medicações que têm maior capacidade de controlar a hiperglicemia e são capazes de causar perdas de até 20% a 25% do peso.
Uma série de novas medicações serão lançadas até 2030, tornando cada vez mais possível se obter o controle pleno da doença. Em relação ao diabetes mellitus tipo 1, novas formas de insulina, a evolução dos sistemas de infusão de insulina e de monitorização contínua da glicose intersticial têm facilitado o controle da hiperglicemia. Em breve, ainda em 2024, teremos o lançamento da insulina que pode ser aplicado de forma semanal no mercado brasileiro. Nosso desafio será tornar acessível essas novas tecnologias na rede pública.
O papel da mudança de estilo de vida
Outro desafio será compreender o papel da mudança de estilo de vida com dieta e atividade física. Sabemos que a mudança de estilo de vida reduz o número de medicações requeridas por melhorar o controle de diferentes problemas relacionados ao diabetes: hipertensão, colesterol e a hiperglicemia. Porém, em estudo coordenado pelo nosso grupo de pesquisa na UFRGS e no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e com colaboração de universidades no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, demonstramos, em trabalhos publicados nos jornais oficiais da Associação Americana de Diabetes e da Sociedade Americana de Endocrinologia, que orientações mais intensivas de dieta e atividade física que foram testadas até o momento não foram capazes de reduzir a mortalidade por doença cardiovascular e câncer quando comparada a orientações básicas de mudança de estilo de vida.
Colaborando com a psiquiatra gaúcha Elisa Brietzke, professora da Queen’s University (Canadá), demonstramos, por outro lado, que essas orientações melhoram o humor e reduzem os índices de depressão de nossos pacientes. Esse benefício é maior ainda em pessoas mais idosas. Essa é uma bela notícia! Lembrando que a depressão é causa importante de incapacidade e dificulta a aderência ao tratamento. Importante ressaltar que mudanças de estilo de vida que utilizem dieta mediterrânea, para hipertensão ou com alimentos saudáveis da culinária brasileira nunca foram testadas a longo prazo em pacientes com pré-diabetes e diabetes. Uma outra dieta, a Plant-based, permite o consumo de carne, peixe e laticínios, porém em menor quantidade. Está sendo proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos modelos mais adequados de dieta sustentável, pois associa-se a produção de alimentos com menor potencial de contribuir para o aquecimento global e com benefício cardiometabólico provável. Nosso grupo está conduzindo uma pesquisa para avaliar o efeito dessa dieta em pessoas com diabetes e obesidade, fundamental na população gaúcha, apaixonada por churrasco (inscreva-se pelo WhatsApp 51 98959-1995).
Finalmente, para melhorar a qualidade de vida do paciente e evitar o desenvolvimento de incapacidades que causam limitação física e mental, o especialista em diabetes passou a ser treinado e ganhou múltiplas habilidades focadas em como manejar outros problemas ligados à doença. Nossa missão agora é transmitir esse conhecimento nas principais universidades do Brasil e do mundo, permitindo um tratamento mais personalizado e bem-sucedido, reduzindo a mortalidade, aumentando a expectativa e a qualidade de vida de nossos pacientes.
(*) Professor do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS, médico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital Moinhos de Vento e membro da ASRM
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre ZH, GZH e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM). A estreia foi em março de 2022, com a reportagem “Câncer: do diagnóstico ao tratamento”, e foi renovada para mais uma temporada. Uma vez por mês, o caderno Vida publica conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos integrantes da entidade, que completou 30 anos em 2020 e atualmente conta com cerca de 90 membros e é presidida pela endocrinologista Miriam da Costa Oliveira, professora e ex-reitora da UFCSPA. De diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia, otorrinolaringologia etc), esses profissionais fazem parte do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação de Rogério Sarmento Leite e no qual são acompanhados por um tutor com larga experiência na área.