Uma das maiores autoridades nacionais em longevidade, o gaúcho Emilio Moriguchi recorre ao país de seus antepassados para fazer um alerta sobre os idosos do Brasil. Em fevereiro, por compromissos acadêmicos, o geriatra esteve no Japão. Era o início da curva de contaminação pelo coronavírus. As condições geográficas e sociais forçaram o governo a adotar algumas medidas rigorosas.
— O Japão é um país pequeno, uma ilha, então, se o vírus começa a se espalhar, pode atingir toda a população. Que é bastante envelhecida (em 2016, atingiu o recorde de 34,6 milhões de pessoas com mais de 65 anos, o que correspondia a 27,3% do total de habitantes). Além disso, é um lugar onde as pessoas vivem muito juntas, todo mundo anda de trem — aponta o geriatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), falando por telefone de sua sala no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde chefia o Serviço de Medicina Interna.
O governo japonês, então, fechou as escolas, determinou que as empresas fizessem home office, manteve aberto apenas os serviços essenciais. Assim, conseguiu achatar a curva, ou seja, freou a disseminação da covid-19. Os casos foram aumentando, mas em um volume que permitiu o atendimento nos hospitais.
— Esse é o lado bom da história — comenta Moriguchi. — Países em que os povos são muito disciplinados, como o Japão, Cingapura e Taiwan, cumpriram o isolamento social. Só que, um mês depois, na metade de março, províncias japonesas que não tinham casos de coronavírus começaram a liberar as escolas, e algumas empresas e restaurantes voltaram a funcionar. Aí, literalmente, "explodiu" (e o país asiático voltou a apertar as restrições). A gente tem de aprender a lição: o isolamento social é o único remédio comprovado contra a infecção pelo coronavírus.
O médico se diz "muito preocupado" com o avanço da doença no Brasil e, em especial, no Rio Grande do Sul, onde, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e projeções da SeniorLab (uma consultoria de mercado voltada para o público mais maduro), o número de pessoas com 60 anos ou mais já é maior do que o de crianças e adolescentes de zero a 14 anos. O Estado, poderíamos dizer, é um grupo de risco, no qual se insere o próprio Moriguchi, 62 anos, além de seus pais – Yukio, considerado o fundador da geriatria no Brasil, tem 94 anos, e Lia, 91.
— Faz um mês que não os visito — conta o geriatra na entrevista a seguir, em que elogia as restrições impostas pelo Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pelo governador Eduardo Leite e pelo prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, e faz um apelo:
— Por favor, fiquem em casa.
Os idosos, a quem o senhor se dedica no trabalho e na pesquisa, são o principal grupo de risco em relação à letalidade da covid-19. Segundo o IBGE, no Rio Grande do Sul 18,19% da população tem 60 anos ou mais, ante 13,9% da média nacional. Como o senhor está vendo o impacto do coronavírus sobre essa população gaúcha?
Acompanho casos aqui no Clínicas, junto à Secretaria de Estado da Saúde e pela imprensa. Pessoalmente, estou muito preocupado. O número de casos está aumentando exponencialmente, é como multiplicação. Se as pessoas ficarem em casa, se cumprirem direitinho o que o governador (Eduardo Leite) e o prefeito (de Porto Alegre, Nelson Marchezan) determinaram, podemos sofrer menos. Isolamento social é o único remédio preventivo comprovado enquanto não se tem medicamento ou vacina. Ficar em casa é o único modo de salvar as pessoas e salvar o país. A ciência mostrou que a média de transmissão cai, para dois a três infectados por pessoa. Mas se as pessoas começam a sair para as ruas nos finais de semana, a lotar os supermercados, sobe para seis a oito. Não podemos ter uma curva parecida com a da Itália ou a da Espanha, pois não temos um sistema público de saúde tão eficiente quanto o de países europeus. Vamos sofrer muito se não nos cuidarmos, se afrouxarmos o isolamento por motivos econômicos ou políticos. O Brasil é um dos países que mais tem idosos no mundo, as pessoas não se dão conta (são quase 30 milhões, segundo o IBGE). Por favor, nos ajudem a salvar as pessoas. Fiquem em casa.
Não dá para saber quem tem o coronavírus. Muitos jovens podem não apresentar sintomas mesmo estando infectados, essa é a questão que justifica o isolamento.
EMILIO MORIGUCHI
Geriatra
As estatísticas mostram que idosos não são as únicas vítimas. Há jovens e até crianças morrendo por causa do coronavírus.
Exato. Também está pegando jovens. Um jogador de futebol americano faleceu em questão de dias. E crianças e jovens podem ter o vírus de forma assintomática, o que constitui um grave problema no Brasil, onde muitas casas têm idosos e jovens vivendo juntos (25% dos idosos moram com outras três ou mais pessoas). Como vamos protegê-los? Outro dia, soube de um aniversário de 90 anos de uma senhora. A filha tomou cuidado de convidar apenas pessoas que pareciam saudáveis, que não tinham suspeita nenhuma de covid-19. Dois, três dias depois, seis pessoas que estavam na festa apresentaram sintomas da doença. Não dá para saber quem tem o coronavírus. Muitos jovens podem não apresentar sintomas mesmo estando infectados, essa é a questão que justifica o isolamento. Tem de ficar em casa, mas há pessoas que não entendem isso.
Em uma entrevista a GaúchaZH no ano passado, o senhor disse que o segredo para uma vida longa é multifatorial. Um estudo publicado na revista científica Nature apontou que 50% está associado ao estilo de vida (nutrição, atividade física, repouso, lazer etc), 20% ao ambiente, outros 20% à genética e 10% a avanços da tecnologia e da medicina. O ambiente, o senhor explicou, não é o lugar em si, mas as boas companhias, a interação social, as amizades e a família. Agora, os idosos, para sua própria saúde, estão sendo privados disso: não podem sair, não podem interagir pessoalmente com os amigos e parentes, não podem brincar com os netos. E sabe-se lá por quanto tempo isso será necessário. Como podemos ajudar, como podemos contribuir para a saúde mental e, por extensão, física dessas pessoas?
A pergunta é fundamental. O Ministério da Saúde lançou há pouco uma cartilha para família que tem idosos. A Sociedade de Geriatria e Gerontologia participou da elaboração. Realmente é preocupante. Idosos vivem mais por causa do convívio social, isso é importante, mais até do que outras coisas como colesterol alto. Além do isolamento piorar doenças como diabetes, porque obriga o idoso a ficar mais parado, o maior impacto é sobre o emocional e a vontade de viver. É essencial que as famílias liguem todos os dias, façam videochamadas, estejam próximas em espírito e em coração. Faz um mês que não vejo meus pais. Ele tem 94 anos, e ela, 91. São pessoas muito sociáveis, iam à missa todos os dias. Ficaram chateados no início, mas entenderam. Eu ligo diariamente para que eles não fiquem deprimidos. Lá em casa, minha esposa e minhas duas filhas só saem para comprar comida e medicamento, e de máscara. Quando vamos deixar mantimentos na casa dos meus pais, abanamos de longe. Se idosos pegam a covid-19, a probabilidade de morrerem é de uma em cinco, é muito alta.
E como o senhor tem feito em relação a seus pacientes, também impedidos de irem ao consultório?
Bem, o consultório eu fechei. Tenho estado muito no hospital. Quando chego em casa, vejo recados de pacientes que querem falar comigo, e geralmente fico até meia-noite telefonando. Depois desse horário, gravo mensagens de vídeo e mando por WhatsApp. Estou trabalhando muito mais agora do que antes. A coisa mais importante para os idosos é saber que eles não estão sozinhos. A solidão mata. Muito são religiosos, então digo para eles rezarem por mim, e eu também rezo muito para Deus nos proteger na linha de frente. Quando me lembro, tiro uma foto em um momento que esteja de avental. É para mostrar que a gente está se importando. Ouvir uma voz, ver uma imagem, receber um carinho são coisas vitais.
O senhor conduz uma ampla pesquisa sobre longevidade em Veranópolis, na Serra, onde no final de 2019 foi pré-inaugurado o Instituto Moriguchi _ Centro de Estudos do Envelhecimento. Já se percebeu que, lá, os níveis de estresse são menores, a atividade física dos idosos é mais intensa, e eles participam frequentemente das atividades da comunidade. Como está o clima na chamada terra da longevidade, onde, pelo menos até este domingo (5), não havia casos de covid-19?
Olha, eu posso falar não do ponto de vista prático, porque não posso ir, mas minha equipe tem feito exatamente o que estamos falando aqui. A minha equipe de Veranópolis, que incluem profissionais de psicologia, fisioterapia, nutrição etc, dividiram os participantes do programa para telefonarem pelo menos uma vez por semana a todos eles. Estamos acompanhando mais de 700 idosos, é bastante gente, e muitos nem têm celular, é via telefone fixo mesmo. Vários desses idosos precisam de coisas como comida, remédios controlados e até leite. Daí, o pessoal da nossa equipe diz: "Nono, Nona, pode deixar que hoje de tarde eu levo aí". O próprio prefeito (Waldemar De Carli) é membro da equipe. É uma rede de solidariedade. Eu sei que isso não substitui a convivência com netos e bisnetos, mas pelo menos protege os idosos. Cada um faz o que pode e como pode.