O Japão não adotou medidas drásticas de isolamento social para conter o coronavírus como fizeram China, Itália e Espanha, três das nações mais afetadas pela peste. Apesar disso, é equivocado dizer que a vida segue normalmente no país asiático, sem nenhum cuidado especial, em tempos de pandemia. Até o momento, as ações foram mais comedidas porque houve avaliação de que o número de contaminações não apresentou significativas altas. Mas, desde quarta-feira (25), quando surgiram 40 casos confirmados somente em Tóquio, maior crescimento diário registrado na capital, as autoridades japonesas passaram a tomar novas medidas. No histórico da pandemia, 1.271 pessoas testaram positivo no país, com 44 mortes causadas pela covid-19.
Nesta quinta-feira, o primeiro-ministro Shinzo Abe anunciou a proibição de entrada no Japão para viajantes estrangeiros de 21 países europeus e do Irã. Parte das empresas já autorizou os funcionários a migrarem para o teletrabalho, os quais aproveitaram as últimas horas para estocar provisões. Isso ocorreu após declarações da governadora de Tóquio, Yuriko Koike, que pediu, na quarta-feira, uma quarentena voluntária às pessoas, com saídas de casa somente em casos de real necessidade. Nessa conjuntura, a Olimpíada de Tóquio foi adiada para 2021, ainda sem data definida.
O Parlamento japonês, recentemente, aprovou emenda dando poderes para o primeiro-ministro decretar estado de emergência, o que permitiria a adoção de medidas extremas, como o lockdown. Embora tenha recebido autorização, Abe não acionou o mecanismo, que segue apenas como opção em caso de agravamento da crise.
Todas as restrições adotadas até o momento no Japão foram resultado de apelos feitos por autoridades, recomendações que indicavam um caminho, mas deixavam a decisão final ao cidadão. Foi com base nesses aconselhamentos oficiais que as escolas japonesas estão, em maioria, fechadas desde o final de fevereiro. O retorno às aulas está previsto para 6 de abril, mas é possível que o prazo seja estendido.
A J-League, liga japonesa de futebol, foi paralisada após a primeira rodada. A previsão é de que os jogos voltem apenas em 9 de maio. E o campeonato de beisebol, um dos esportes mais populares no país, sequer foi iniciado.
Há outras medidas em andamento, todas elas com o objetivo de evitar aglomerações que facilitem a disseminação do coronavírus. É possível citar, como exemplo, o fechamento de parques temáticos da Disney, da Universal e da Legoland. Os museus de Tóquio também estão fechados, e muitos restaurantes adotaram horários alternativos, abrindo mais tarde e fechando mais cedo. Tudo isso ocorreu em reflexo de recomendações das autoridades, sem a assinatura de leis de cumprimento obrigatório.
Nesta quarta-feira, após publicação do presidente brasileiro Jair Bolsonaro nas redes sociais, um vídeo feito em um parque de Tóquio obteve grande repercussão. Nas imagens, um homem que fala português e japonês mostra várias dezenas de pessoas caminhando e conversando no espaço público. Bolsonaro fez a postagem em tom de crítica ao isolamento social determinado por governadores no Brasil. O presidente faz reiteradas manifestações de que a quarentena trará prejuízos econômicos. As imagens mostradas pelo homem no parque passaram a sensação de que a vida segue curso normal no Japão. Mas, na prática, não é bem assim.
Mensagens eram emitidas em alto-falantes recomendando precauções ao coronavírus em japonês, inglês e chinês.
CARLOS GIL
Jornalista e correspondente da Rede Globo em Tóquio
O vídeo foi gravado em 22 de março, domingo de sol que finalizou um feriadão iniciado na sexta-feira, dia em que se comemorou no Japão a chegada da primavera, data bastante tradicional. Foi o momento em que se abriu a temporada das cerejeiras, flor símbolo do país. Com o florescer desta época do ano, os japoneses têm o hábito de fazer a observação de flores, prática chamada de hanami. É por isso que os lugares públicos costumam ficar lotados. O vídeo foi gravado no Parque Ueno, um dos mais tradicionais de Tóquio. O local estava movimentado, com intensa circulação de pessoas, mas várias restrições de aglomeração vigoravam já naquele dia, embora isso não tenha aparecido no vídeo.
Jornalista e correspondente da Rede Globo em Tóquio, Carlos Gil passou pelo Parque Ueno no mesmo dia 22 e presenciou que, de fato, o local se encontrava movimentado, ao tempo em que medidas de prevenção às aglomerações também eram percebidas naquele mesmo contexto.
— Realmente havia quantidade razoável de pessoas, mas posso garantir que fica mais lotado do que aquilo no final de semana da cerejeira. No Parque Ueno, há pelo menos cinco museus, e todos eles estão fechados por tempo indeterminado. O Zoológico de Tóquio também fica no parque, e ele igualmente está fechado por tempo indeterminado. Tem um lago com pedalinhos e barcos, mas eles estão desativados. As barracas que normalmente vendem comida e bebida não estão funcionando. Naquele dia, mensagens eram emitidas em alto-falantes recomendando precauções ao coronavírus em japonês, inglês e chinês. E havia vários cartazes dizendo que os piqueniques não estavam autorizados, justamente para evitar aglomeração — conta Gil.
O jornalista acrescenta que as pessoas podem circular pelas ruas, não há impedimento legal. As atividades econômicas estão funcionando, destaca. Mas, em virtude das recomendações das autoridades, ele diz que parte do comércio reduziu o horário de atendimento e os japoneses adotaram cuidados particulares a ponto de reduzir a intensidade de movimento no metrô.
Embora as autoridades comecem a cogitar reações mais duras e obrigatórias à população, as precauções ao coronavírus adotadas até o momento no Japão não tiveram o caráter impositivo de lei. Gil destaca uma exceção que ocorreu recentemente na Ilha de Hokkaido, no norte do país, a qual adotou temporariamente o estado de emergência, já encerrado, após a descoberta de um foco do covid-19 em uma escola pública. As pessoas foram impedidas de sair de casa e, após a avaliação de que o problema estava controlado, foi feita a liberação.