Durante um compromisso ou no intervalo entre uma atividade e outra, os olhos e as mãos da administradora Raíssa Freitas, 26 anos, estão voltados para o celular. Companheiro no trajeto realizado de casa – localizada no bairro Ponta Grossa, no extremo sul de Porto Alegre – até o Petrópolis, o aparelho é utilizado pela jovem para acessar as redes sociais, mas, principalmente, para trabalhar. As diversas espiadas no smartphone contabilizam seis horas diárias conectada, e isso tem agravado a dor que ela sente na cervical.
— Quando estou no trabalho, consigo ter uma postura melhor na hora de usar o celular, porque consigo apoiar os braços na mesa, por exemplo. Mas, quando estou no ônibus ou em casa, involuntariamente fico com a cabeça inclinada para a frente e isso piora meu quadro de dor no pescoço — diz Raíssa.
Ela não é a única a esquecer da endireitar o corpo enquanto mexe no mobile, conforme o fisioterapeuta e doutorando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Fábio Stieven, que faz uma ressalva: os problemas na cervical já eram frequentes desde a época pré-celular:
— Na década de 1990, ou seja, antes da massificação do uso dos telefones móveis, a dor no pescoço estava em quinto lugar no ranking mundial de problemas crônicos. Há pesquisas na área mostrando a relação entre esse problema e o uso excessivo de celulares, mas essa ligação não é tão estreita assim, porque não aumentou na mesma proporção que a presença dos dispositivos em nossa vida. Mas têm sido observados casos de dor de cabeça tensional, associada à tensão ou estresse do músculo, e incômodo nas juntas dos polegares, que são os dedos usados para digitar.
Para amenizar os desconfortos na coluna, o fisioterapeuta aconselha que usuários de celular, de computadores e de tablets não ultrapassem os 50 minutos de uso contínuo dos aparelhos. Além disso, Stieven ressalta a importância de se fazer pequenas pausas para que o pescoço possa ser movimentado tanto para cima quanto para baixo, como para a esquerda e a direita. Dobrar e esticar os braços e as mãos é outra dica valiosa para evitar o desgaste dos músculos. Por fim, ele destaca que essas consequências indesejáveis são prevalentes em indivíduos sedentários:
— Pessoas que não praticam exercício físico com regularidade, estão com sobrepeso e têm maus hábitos alimentares são mais propensas a sentir esses desconfortos, porque elas não têm tanta força muscular. Para quem deseja desenvolver uma relação mais saudável com o celular, é interessante fazer uso daqueles aplicativos que monitoram o número de horas que a pessoa usou o aparelho. Vale lembrar que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) não recomenda que smartphones sejam dados para as crianças como brinquedo de entretenimento.
Não é só o corpo que pode sofrer
Além do corpo, a mente pode sair prejudicada com esse vício. Nosso sono está intimamente relacionado com a luz natural: quando ainda há sol, estamos acordados e o organismo está a pleno vapor para desempenhar as atividades. Quando chega a noite, o nível de excitação do corpo diminui e ele começa a se preparar para descansar. O uso de telas subverte a ordem natural fisiológica, explica Lucas Spanemberg, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e psiquiatra do Hospital São Lucas da PUCRS:
— Essas ferramentas trazem estímulos que ativam o cérebro, deixando-o sobrecarregado. O excesso de informação visual e sonora dificulta a redução de velocidade do funcionamento cerebral para entrar no modo de relaxamento. Isso atrapalha o neurodesenvolvimento e pode causar alterações no humor como irritação, impulsividade e, até mesmo, comportamento mais agressivo. Além disso, como as pessoas costumam realizar outras tarefas enquanto mexem no celular, o cérebro tornou-se multitarefa e está constantemente sob estresse.
Prejuízo ao sono
Pesquisa da King’s College, de Londres, detectou em crianças e adolescentes, entre seis e 19 anos, que o conteúdo acessado por eles nos celulares pode gerar excitação, atrasar o relaxamento e seus respectivos relógios biológicos. Além disso, a luz emitida pelo dispositivo inibe a produção de melatonina, que é o hormônio responsável por avisar ao nosso corpo que é hora de dormir e isso pode prejudicar o crescimento dos pequenos, apontou estudo da Universidade de Haifa, de Israel. Nestes casos, o melhor é negociar horários com os jovens. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) afirma que crianças com menos de dois anos não devem ser expostas a telas digitais.
Ansiedade e depressão
São inúmeras as plataformas que nos alertam sobre o que os outros fazem. O problema é que essa enxurrada de informações tem aumentado a sensação do FOMO (sigla em inglês para o medo de estar perdendo algo), o que provoca ansiedade. Além disso, um estudo da Universidade Estadual de São Francisco, nos EUA, apontou que os usuários assíduos de redes sociais, como o Instagram, sentiam-se mais deprimidos, já que as interações pessoais foram substituídas pelas virtuais. Para tentar auxiliar quem sofre com esses transtornos, a plataforma passou a informar o contato do Centro de Valorização da Vida (CVV) e a dar dicas de saúde mental, quando um usuário procura pelas hashtags #ansiedade ou #depressão.
Ameaça às mãos e aos punhos
Para trocar as inúmeras mensagens e memes nos chats, usamos as mãos – mais especificamente, os polegares. Entretanto, o movimento repetitivo e excessivo desses dedos no momento da escrita pode causar mialgia (dor nos músculos das mãos), artrite (que é a inflamação nas articulações) e, nos casos mais graves, tendinite (inflamação dos tendões do polegar). Como medida preventiva, procure digitar com o dedo indicador, não fique tanto tempo conectado nos grupos de conversa e estique e dobre mãos e braços.
Problemas de visão
Sabe aquela ardência sentida nos olhos após longas horas grudado na tela do smartphone? É sinal de que você não está piscando o número de vezes suficiente e que, por isso, houve a diminuição na produção de lágrimas que lubrificam e hidratam o olho, o que pode gerar coceira e até miopia. Nesses casos, fique alguns minutos longe do gadget e opte por ajustar a luminosidade conforme a luz do local onde você está. Por exemplo, se o ambiente for claro, diminua o brilho da tela.
Atenção dividida
A geração dos nativos digitais – nascidos a partir dos anos 1980 – está dividida entre dois mundos: o do display e o concreto. Em função disso, não é raro vê-los de olho no celular enquanto realizam outra tarefa. O problema é que essas atividades não recebem a devida atenção em sua execução e essa atitude multifacetada não permite que o cérebro tenha tempo para relaxar, visto que as ações são feitas paralelamente.
Atenção à postura
Aquela dorzinha no pescoço ao final do dia não é à toa. Geralmente, deixamos o queixo mais próximo ao peito para mexer no celular. Porém, quanto mais inclinada a cabeça, maiores as chances de lesão na coluna. Por exemplo, quando a inclinação é de 45 graus, o peso sobre o pescoço chega a ser de 22 quilos. Para evitar o problema, é aconselhado usar o smartphone sempre na altura dos olhos e não apoiar o aparelho sobre o ombro durante as ligações. Se você ultrapassar os 50 minutos de frente para a tela, tente dar uma pausa e mover o pescoço para cima, para baixo e para os lados.
Vício em tecnologia
Há uma necessidade pós-moderna de ter o mobile sempre em mãos e um sentimento de imobilidade e inabilidade para desempenhar as atividades sem o fiel companheiro. Uma pesquisa realizada pelo Ibope Conecta, no último trimestre de 2018, apontou que 52% dos brasileiros afirmam que não conseguem ficar um só dia longe dos seus respectivos smartphones. O psiquiatra Spanemberg diz que o que leva as pessoas a quase não desgrudarem dos celulares é uma espécie de vício.
— O vício em tecnologia é parecido com o da dependência química, porque ele atua nos mesmos circuitos cerebrais de recompensa, causa síndrome de abstinência e, quando utilizado, libera dopamina, um neurotransmissor responsável pela regulação do humor, da memória e do prazer. Atualmente, se desligar do aparelho é uma tarefa muito difícil, porque ele é polivalente, ou seja, o limite entre o lazer e o trabalho é complicado de ser delineado. Mas é preciso ficar atento ao número de horas que passamos com ele, porque o celular pode se tornar uma chaga.
Ganho de peso
Se você faz as refeições dando aquela espiada no feed das suas redes sociais, é melhor parar. Um estudo feito pela Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, comprovou que quem faz isso ingere 15% de calorias a mais em comparação com os que não têm esse hábito. O estudo mostra que a distração provocada pelo dispositivo não faz o indivíduo perceber os sinais de saciedade emitidos pelo corpo.
Manchas na pele
Além de gerar complicação para os olhos, a luz do display de celulares pode causar o surgimento de manchas escuras na pele. Esse fenômeno acontece porque a pigmentação de doenças fotossensíveis é estimulada pelas luzes artificiais. Nesses casos, o uso de filtro solar é uma boa pedida, explica Alessandra Romiti, coordenadora do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia.