Sou um cara previsível e rotineiro. Aos sábados, frequento uma feira de produtos orgânicos no bairro Tristeza e, aos domingos, invariavelmente, almoço no mesmo restaurante, que fica próximo de minha casa, na Zona Sul da Capital. Talvez, por isso, tenha virado alvo fácil para os espiões eletrônicos que habitam os celulares. Quem diria que a teletela do Grande Irmão, criada pela imaginação do britânico George Orwell, se materializaria nessa telinha que todos nós carregamos no bolso?
Eu já não estranhava mais quando estava em algum lugar da cidade e o smartphone, voluntariamente, anunciava na sua linguagem luminosa: "Tantos minutos para chegar em casa". Tudo bem, nossos aparelhos vêm com localizadores, GPS e outros aplicativos de orientação. São úteis, costumam indicar o melhor caminho no trânsito, alguns até avisam onde há congestionamento. Só que, de uns tempos para cá, o brinquedinho começou a se intrometer um pouco mais na minha vida. Ligo o carro na manhã de sábado e ele já vai avisando:
– Dezesseis minutos até o bairro Tristeza!
Como assim? Quem disse que quero ir lá agora? Às vezes chego a pensar em seguir outro rumo, apenas para despistá-lo, como muita gente faz com a moça do GPS. Pouco adianta, sabemos disso. Ela nem se dá por rogada. Logo adiante corrige o percurso e avisa de novo:
– Vire à direita!
Outro dia, manhã de domingo, mal coloquei o carro em movimento na garagem e o celular piscou:
– Seis minutos até a Avenida Eduardo Prado!
Resolvi almoçar na Zona Norte, só para não dar o braço a torcer.
Sei que é possível desativar localizadores, criptografar mensagens e colocar os espiões no seu devido lugar. Mas não domino esta técnica de desarmar armadilhas cibernéticas e, para falar a verdade, nem me importo tanto assim com a vigilância. Há pessoas, porém, que deveriam se importar. Altas autoridades do país, por exemplo. No último final de semana, um artigo de Fabro Steibel, especialista em tecnologia, lembrou que o próprio presidente da República, usuário constante de redes sociais, pode estar sendo espionado e ter seus movimentos acompanhados remotamente.
A ironia da sociedade controlada pela tecnologia em que nos tornamos é justamente a autorresignação que confessei acima. Nós pagamos caro pelos nossos celulares e os colocamos nos nossos bolsos. Sabemos que é um instrumento do poder econômico, que possui esse potencial de espionagem e controle sobre nós, mas, aparentemente, estamos satisfeitos com as vantagens que ele nos oferece.
Uma delas é a possibilidade de conversar por whatsapp com nossos amigos. Depois que eles se tornam inimigos, a gente sempre pode dizer que troca de mensagens não é conversa. O único problema é que o Grande Irmão está sempre ouvindo e observando. Como no premonitório romance sobre autoritarismo e tirania, ele zela por nós.
Pobre de nós!