Aproveitei um desses dias calorentos para passar duas horas no ar-condicionado de um cinema na companhia de Glenn Close, candidatíssima a seu primeiro Oscar aos 71 anos pela atuação em A Esposa. Ainda bem que ela estava lá, preenchendo com sua interpretação magnífica o vazio da plateia. Quando as luzes se acenderam, contei apenas mais cinco pessoas nas poltronas, para um filme com chances de ser oscarizado. Três delas olhavam ansiosamente para seus celulares que, pelo menos, permaneceram silenciosos durante a projeção.
– Onde andam os espectadores? – perguntei-me, e respondi em seguida, pois detesto estacionar no ponto de interrogação. Provavelmente, no mesmo lugar dos ex-leitores de livros que conquistam o Nobel de literatura, tema do filme em questão:
– No limbo digital – concluí, sarcástico, mas silencioso.
É para lá, certamente, que vão os jovens sem batismo nem pecado na antiga religião da leitura, que perde fiéis a cada dia. Também devem estar lá os nem tão jovens, convertidos tardiamente ao mundo virtual. O certo é que nas bibliotecas e nos cinemas eles raramente aparecem.
— Para quê? – perguntar-me-ão aqueles que sequer sabem o que é uma mesóclise, com o argumento aparentemente irrefutável de que as bibliotecas e os cinemas agora cabem na palma da mão. Cabem mesmo. Ainda assim, contraponho com meus argumentos na defesa de livros e filmes à moda tradicional: nada supera o cheiro do papel, o encanto da tela grande, o ato de virar as folhas com os dedos, o escurinho da sala, as anotações de rodapé, o som sem ruídos ambientais. Além disso, as pesquisas comprovam que a leitura em papel facilita a compreensão. Acredito, agora sem base científica, que o ambiente do cinema também proporciona maior concentração e uma assistência mais prazerosa.
Prego no deserto, sei disso. A mudança de hábito imposta pela tecnologia é tão radical, que nem mesmo a personagem interpretada por Glenn Close, anônima e talentosa escritora, seria capaz de reconquistar leitores para livros de papel. Ou, pelo que observei naquela tarde, espectadores para seu belo filme. Resta-me, então, torcer para que ela ganhe o Oscar, já que o preconceito e a submissão a impediram de ganhar o Nobel na história referida.
Mais não conto. Ainda dá tempo de conferir a história. Aproveitem que os cinemas estão vazios.