É clichê, mas a melhor forma de definir o sistema imunológico é pensar em um exército trabalhando em defesa do nosso organismo. Como em qualquer batalha, muitas vezes essa tropa sofre uma baixa, abrindo as portas para o ataque de inimigos. Em outras palavras: embora nossa imunidade tenha o importante papel de barrar a entrada de organismos nocivos à saúde, fatores internos e externos ao corpo podem desequilibrar essa balança, favorecendo o surgimento de algumas doenças que, justamente por aproveitarem-se desse desequilíbrio, são conhecidas como oportunistas – herpes e candidíase são as mais comuns entre elas.
Tecnicamente, a imunidade é composta por um conjunto de células que nos mantém vivos, protegendo-nos contra ameaças externas, como microrganismos, por exemplo. Outra função importante desse sistema é combater células anormais produzidas pelo próprio corpo. Mas é preciso salientar algumas diferenças em relação a essa proteção.
– Quando falamos de sistema imunológico, abrem-se dois caminhos: tem horas em que ele está muito ruim, e conseguimos medir isso com exames. Ou quando há uma deficiência imunológica, que chamamos de imunodeficiência. Ela pode ser primária, ou seja, genética, ou secundária, da qual a mais conhecida é o HIV, que é um vírus que ataca nossas defesas. Essas doenças fazem com que a gente fique suscetível às doenças oportunistas – explica a imunologista Ana Paula Moschione Castro, da Clínica Croce.
Assim como outros sistemas, o imunológico não nasce pronto. Ele se desenvolve no decorrer da vida e se torna “adulto” por volta dos 10 ou 12 anos de idade. Isso explica por que as crianças são tão expostas a infecções.
– Algumas vão amadurecer mais cedo. Outras, mais tarde. Sabemos que o contato com a natureza ajuda nesse processo, enquanto muita proximidade com infecções na escolinha ou convivência com fumantes, por exemplo, atrapalha – observa a imunologista.
Com energia suficiente para encarar décadas de “guerras”, com o passar do tempo nosso exército começa a perder força. Lá pelos 50 anos de idade, inicia-se um processo chamado de imunossenescência, que é o envelhecimento do sistema imunológico. Dessa forma, o indivíduo se torna mais propenso a infecções, doenças autoimunes e até câncer. Nessa fase, cresce a importância dos cuidados com vacinação e alimentação, principalmente.
Embora não haja uma receita para deixar a imunidade alta, o trunfo para manter as tropas em estado de alerta é apostar no consumo saudável de alimentos, especialmente vegetais e legumes crus, capazes de suprir as necessidades vitamínicas do corpo. Ter uma exposição solar adequada também é recomendado, pois a vitamina D está amplamente associada a esse sistema.
O que afeta a imunidade?
Dentre os fatores externos ao organismo, o clima é um dos maiores influenciadores da imunidade. Temperaturas extremas, muito calor ou muito frio, podem interferir nas barreiras de defesa do corpo, afirma Ana Paula. É por isso que o verão muitas vezes é o vilão – esta época do ano é propícia para o aparecimento de algumas doenças oportunistas. A exposição demasiada à fumaça também pode afetar o sistema.
Outros aspectos que podem impactar no bom rendimento desse sistema são o déficit nutricional – carência de vitamina D, ferro, selênio e zinco –, o uso prolongado de medicamentos, como corticosteroides e até mesmo o exercício em demasia.
– Ainda que controlada, essa constante superação de limites pode trazer efeitos adversos – lembra a imunologista.
O que também afeta, e muito, nossas defesas é o estresse. Como ele muda o funcionamento do nosso organismo, acaba deixando brechas para o aparecimento de doenças oportunistas.
Como manter a imunidade alta?
Em pessoas saudáveis, ou seja, sem nenhuma imunodeficiência, o fundamental é garantir as horas de sono necessárias (que variam de pessoa a pessoa), cuidar da alimentação – incluir muitos vegetais crus –, ter uma exposição controlada ao sol e não fumar.
Já aqueles indivíduos que têm alguma deficiência imunológica precisam, necessariamente, fazer uso de tratamentos específicos para manter as defesas equilibradas.
O que deve acender o sinal amarelo?
As pessoas consideradas saudáveis devem ficar atentas a possíveis alterações no sistema imunológico. Sofrer muitos processos infecciosos em um curto período de tempo pode sinalizar de que algo não vai bem.
– Ter mais de duas pneumonias por ano, mais de 10 infecções das vias aéreas superiores, como otite e sinusite, e infecções ósseas, de fígado e baço, são indicativos de que se deve fazer uma investigação. Mas não quer dizer que você esteja doente – orienta Ana Paula.
Quais são as manifestações mais comuns?
As consideradas “clássicas” por especialistas são herpes, herpes-zóster e candidíase. Conheça um pouco mais dessas infecções e saiba como preveni-las:
Ter mais de duas pneumonias por ano, mais de 10 infecções das vias aéreas superiores, como otite e sinusite, e infecções ósseas, de fígado e baço, são indicativos de que se deve fazer uma investigação. Mas não quer dizer que você esteja doente.
ANA PAULA CASTRO
Imunologista
CANDIDÍASE
Trata-se de uma infecção causada pelo fungo Cândida, que está presente na pele, nas mucosas bucais e vaginais. Boa parte da população está colonizada por esse microrganismo, o que não é sinônimo de infecção.
– Trata-se de um germe oportunista que existe no nosso corpo. Quando aparece? Quando há fraqueza do sistema imunológico – diz o ginecologista oncológico Desidério Fulber, do Hospital Fêmina.
De acordo com o especialista, qualquer mudança no PH da vagina ou alteração na flora intestinal pode acarretar na multiplicação do fungo, provocando os sintomas, que são, geralmente, coceira intensa, edema e vermelhidão na vulva e secreção branca e espessa. Esse problema, chamado de vulvovaginite micótica, atinge cerca de 75% das mulheres, segundo o ginecologista.
Dentre os fatores de risco da candidíase estão o diabetes, o uso de antibióticos por muito tempo – eles alteram a flora bacteriana normal –, a gestação e o uso de quimioterápicos. O tratamento é à base de cuidados básicos de higiene, antifúngico via oral, creme vaginal e banhos de assento.
– É importante destacar que a candidíase não é catalogada como uma doença sexualmente transmissível (DST). Pode ser transmitida pela relação sexual, mas não necessariamente – pontua o médico.
Se fizer exames de sangue, a maioria das pessoas é positivo para herpes. Mas grande parte não vai se manifestar ao longo da vida. Em menor número, ela aparece em algum momento.
OTÁVIO MAGALHÃES
Oftalmologista
HERPES-ZÓSTER
Popularmente conhecido como cobreiro, o herpes-zóster é um vírus que fica dormente no organismo depois que se tem varicela, ou catapora, o que geralmente ocorre durante a infância. Esse vírus fica inativo por muitos anos, alojado nas células nervosas da espinha e da cabeça.
– Se fizer exames de sangue, a maioria das pessoas é positivo para herpes. Mas grande parte não vai se manifestar ao longo da vida. Em menor número, ela aparece em algum momento – comenta o oftalmologista Otávio Magalhães, preceptor do Hospital Banco de Olhos.
Acometendo principalmente os idosos, o vírus dá os primeiros indícios provocando formigamento, calor e coceira na região afetada. Alguns dias depois, surgem as bolhas na pele em uma faixa extensa de um único lado do corpo.
– Essas faixas correspondem às células nervosas nas quais o vírus foi ativado – justifica o oftalmologista.
Em um período entre duas e três semanas, as erupções viram crostas. Conforme Magalhães, um dos grandes problemas dessa condição é a dor intensa, que pode permanecer por anos no paciente. Em casos graves, pode-se inclusive haver repercussões neurológicas e necessidade de transplante.
– Já fiz transplante de córnea porque não houve tratamento do herpes-zóster ocular. A maioria não tem esse vírus, mas ele pode provocar danos – conta o oftalmologista.
O tratamento se dá por meio de antivirais, que reduzem a gravidade e a duração da doença. Como prevenção, há uma vacina, recomendada para pessoas acima dos 50 anos.
HERPES
Causada pelo vírus Herpesviridae, o herpes simples tem duas variantes: o tipo 1, que aparece na boca ou na pele, e o tipo 2, mais comum na região genital. Esse tipo de herpes é da mesma família do zóster, porém, de outra espécie. O vírus se aloja no sistema nervoso periférico, onde fica dormente por meses e até anos.
– Quando a imunidade cai, ele se replica no tecido neural, percorre o nervo e chega na pele, causando vesículas (bolhinhas) agrupadas – explica Paulo Ricardo Criado, coordenador do Departamento de Dermatologia e Medicina Interna da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Segundo o especialista, esse episódio dura entre sete a 10 dias e pode provocar comichão e ardor na região. Como é um vírus, é contagioso, porém, somente enquanto as bolinhas estão com água. Passado esse período, não há mais risco de contágio. A contaminação entre pessoas se dá pelo contato pele a pele, contudo, também ocorre por meio de objetos como canudos, copos e até mesmo toalhas.
– Em crianças, pode haver um quadro de estomatite herpética, que são múltiplas aftas na boca. Isso caracteriza a primeira infecção dos pequenos pelo herpes – completa o médico da SBD.
Para prevenir esse problema, é fundamental evitar o contato com pessoas com herpes e também a exposição excessiva ao sol sem proteção na área. O tratamento é feito com antivirais prescritos por um médico. Colocar gelo na região também pode aliviar a dor.
E as alergias?
As alergias, explica a imunologista Ana Paula Moschione Castro, são desencadeadas por alguns “erros de leitura” do sistema imunológico. Isso quer dizer que o corpo fica armado para se proteger de algo de que ele não precisaria se defender.
– O corpo passa a entender alimentos do dia a dia ou pelos de animais como inimigos e, por isso, produz reações. Não é um exemplo de doença oportunista, contudo, se estou desregulada, com a imunidade baixa, por vezes, a alergia pode aparecer – explica a médica.