
O diagnóstico e o período de tratamento de uma das doenças que mais assustam a população envolvem não só o próprio paciente, mas todos os familiares que o cercam. Conviver com o câncer pode provocar, em todos, uma mistura e uma alternância de sentimentos – medo, raiva, irritação, esperança, frustração. Palavra carregada de estigma, câncer se associa quase de imediato a intenso sofrimento e morte, como destaca o oncologista André Fay, professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), chefe do Serviço de Oncologia do Hospital São Lucas da PUCRS e pesquisador visitante do Dana-Farber Cancer Institute/Harvard Medical School, nos Estados Unidos.
O primeiro passo, segundo o especialista, é entender que não se pode generalizar. Cada caso é um caso, com suas especificidades, mesmo quando se trata de um tumor no mesmo órgão. A mulher que se descobre com um câncer de mama não deve se comparar com a amiga que também tratou um nódulo no seio.
– As histórias não se repetem, essa é uma doença muito heterogênea na sua biologia, na sua gênese, e isso faz com que as evoluções clínicas e as histórias sejam também diferentes. Temos que discutir com o paciente o quanto é uma doença individual, o quanto ela depende de diversos fatores para que a gente possa estabelecer uma linha de tratamento – comenta Fay, médico que acompanha o jornalista David Coimbra.
Pacientes se comportam de maneiras distintas quando enfermos. Há aqueles que não querem muitas informações sobre sua condição e elegem um familiar para tratar dos detalhes com a equipe médica, enquanto outros pesquisam intensamente, querendo absorver tudo o que há disponível sobre o assunto. Existem também os que confiam plenamente no médico e seguem à risca o que é prescrito, sem maiores discussões. De acordo com o oncologista Sérgio Roithmann, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento e professor de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), é comum os doentes pensarem que a situação em que se encontram é muito pior do que ela é de fato e que tudo está perdido. Uma postura positiva do profissional de saúde é fundamental para encorajar e dar esperança.
Não se trata de enganar, de mentir, mas analisar o problema com realismo, mostrar que tem muitas coisas a serem feitas, independentemente da situação, e quais são os nossos objetivos. Temos que ouvir as queixas. O paciente vai ver que pode se aliviar, que os tratamentos podem não ser tão penosos quanto ele pensa
SÉRGIO ROITHMANN
Oncologista
– Não se trata de enganar, de mentir, mas analisar o problema com realismo, mostrar que tem muitas coisas a serem feitas, independentemente da situação, e quais são os nossos objetivos. Temos que ouvir as queixas. O paciente vai ver que pode se aliviar, que os tratamentos podem não ser tão penosos quanto ele pensa. Ao ver um paciente novo, mais grave ou menos grave, estamos diante de uma pessoa assustada. Nossa missão é entender isso, ver como ela está expressando o medo e assumir uma atitude extremamente positiva. Ela pode ouvir que a doença é grave, mas ela também pode ouvir que nós temos o que fazer e que ela vai melhorar. Isso se reflete, na maior parte das vezes, numa atitude positiva do paciente e dos familiares – afirma Roithmann.
A necessidade de exames, aplicações de medicação e internações certamente vai afetar a rotina do paciente. O objetivo é tentar a cura e minimizar sequelas com os tratamentos menos tóxicos possíveis – às vezes, uma toxicidade maior cobra seu preço no início, mas se mostra benéfica mais adiante. A ideia é, dentro do possível, permitir que a pessoa mantenha seus afazeres e compromissos habituais, mas reavaliações são feitas à medida que o tratamento se desenrola. Roithmann diz aprender com o paciente sobre suas vontades e limitações. Provavelmente, haverá dias ou semanas em que será impossível sair de casa para trabalhar, por exemplo.
– Temos a ideia de que somos insubstituíveis, que não podemos parar nunca. Situações de doença mostram claramente que somos substituíveis, que temos o direito de cuidar de nós mesmos e que precisamos delegar coisas para os outros – reflete o oncologista do Hospital Moinhos de Vento. – É um momento também de crescimento pessoal. O ser humano luta contra a onipotência e a arrogância, e a hora da doença é o momento de um exercício até de humildade, de entender os nossos limites – acrescenta.
Uma das maiores dificuldades para quem se descobre com câncer, como destaca David no livro Hoje Eu Venci o Câncer, é lidar com as incertezas. Fay comenta que ainda há muito por ser desvendado sobre a doença. Diversas decisões são tomadas sem que o especialista saiba que desfecho vai encontrar. Há pacientes que respondem muito bem a uma terapia e outros não, muitas vezes devido a fatores ainda desconhecidos.
Ao mesmo tempo, cada vez a medicina se apropria mais das particularidades das dezenas de tipos de câncer, aprimorando tratamentos e ampliando o acesso a novas tecnologias. O médico da PUCRS também salienta que há enfermidades curáveis e não curáveis – estas passam, em muitos casos, a ser encaradas como uma doença crônica, sendo possível viver com elas. O câncer não é mais a sentença de morte de outros tempos.
– Mantemos a doença controlada, eventualmente modificando a medicação ao longo do caminho ou escolhendo outro tratamento. Hoje, com algumas drogas novas, a gente talvez esteja conseguindo curar algumas doenças que antes não eram consideradas curáveis – finaliza Fay.
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