Quatro anos depois de permitir o aborto de fetos anencéfalos, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve voltar a tratar do tema nesta terça-feira, quando está marcado o julgamento de uma ação que propõe a descriminalização do aborto no caso de grávidas infectadas pelo zika vírus.
Ministros ouvidos reservadamente pela reportagem, no entanto, consideram que o novo julgamento é mais delicado e controverso que a anencefalia, por haver maior potencial de vida nas crianças que desenvolvem microcefalia. Além disso, apontam que não há ainda estudos científicos robustos sobre as consequências do vírus da zika.
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– É um julgamento complexo, que pode abrir precedentes. Também vamos autorizar aborto de fetos com Síndrome de Down – indaga um ministro ouvido pela reportagem.
Na avaliação dele, o debate em torno do tema ainda não está suficientemente amadurecido a ponto de o STF firmar um entendimento.
– É um tema que exige maior maturação – opina o ministro.
O processo é de relatoria da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que já tem o voto pronto desde setembro. Em 2012, Cármen deu um dos oito votos favoráveis à liberação de aborto em caso de anencefalia – outros dois ministros votaram contra: Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, que já deixou a Corte e se aposentou. Na época, Lewandowski considerou que caberia ao Congresso incluir no Código Penal uma nova exceção ao crime de aborto.
O Código Penal prevê que a interrupção da gravidez no Brasil é permitida apenas nos casos em que a gestante corre risco ou quando a gravidez decorre de estupro.
– É um julgamento diferente da anencefalia: nesse caso, há possibilidade de vida, embora haja uma deficiência bárbara – avalia outro ministro, que acredita que há maioria na Corte pela liberação, ainda que por um placar mais apertado que o da anencefalia.
Dentro do STF, pelo menos três votos são considerados certos a favor do direito de aborto no caso de grávidas infectadas pelo vírus da zika: Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber, que já se manifestaram na última terça-feira no sentido de que a interrupção da gravidez até o 3º mês não é crime.
A ação direta de inconstitucionalidade a ser julgada pelo plenário do STF foi ajuizada pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), que também pede a obrigação de haver médicos capacitados para o diagnóstico clínico de infecção por zika em unidades do SUS e a imediata disponibilidade nos hospitais de exames para a detecção da infecção.
CNBB
Para o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Leonardo Steiner, a ação tem aspectos positivos, como a reivindicação por melhores condições de assistência para crianças com microcefalia.
– O cuidado deve ser discutido – afirmou.
Isso não vale, no entanto, para o aborto.
– Somos contra qualquer atitude que possa diminuir a aceitação da vida. Sempre nos manifestamos contra – disse.
Para ele, a discussão vem acompanhada de um risco, o de se rejeitar as deficiências.
– Estamos entrando numa sociedade onde a finitude humana não é mais aceita. Entramos num perigo grande, o de valorizar apenas pessoas sadias – avaliou.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, não quis opinar sobre o tema. Numa entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, logo ao assumir, ele havia afirmado que qualquer discussão sobre o tema deveria ser feita ouvindo setores religiosos.
Números
Até novembro, foram confirmados 2.189 casos da má-formação no país e outros 3.113 estão em investigação.
*Estadão Conteúdo