Esqueça os nomes complicados como bhadrásana, gorakshasana ou utkatásana. Para crianças a partir dos dois anos, as tradicionais posturas do ioga viram posição "do gato" , "do cachorro" ou "do leão", e a respiração é exercitada por meio do movimento da "barriga dançante". De forma lúdica, divertida e repleta de associações, a prática milenar ajuda as crianças a desenvolver a consciência corporal e o autoconhecimento.
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Diferentemente das técnicas voltadas aos adultos, o chamado ioga kids não é focado na realização de meditação e posturas, embora as mais simples possam ser executadas. Durante os 50 minutos de aula, meninos e meninas são estimulados a trabalhar coletividade, noção de espaço, imaginação e criatividade por meio de histórias, danças e brincadeiras.
Na escola Balasana Yoga Kids Brasil, inaugurada em março deste ano em Porto Alegre, o encontro começa com um momento de concentração, em que as crianças fazem o famoso "OM", também conhecido como "som da natureza". Em seguida, realizam um pequeno aquecimento em todo o corpo. Nesse momento, podem bater os pés no chão, massagear as próprias pernas e movimentar o pescoço para ativar o organismo. Passada a agitação do aquecimento, é hora de praticar o ioga.
Embalados por uma história contada pela instrutora Juliana Rosa, os alunos com idades entre quatro e 10 anos viajam para além das paredes da sala. Invadem uma floresta encantada onde encontram árvores, borboletas, cachorros, gatos, cobras e leões, que liberam um "pozinho mágico da felicidade". A cada animal, uma nova postura do ioga é realizada. Antes de colocar o ponto final na trama, um novo exercício é realizado. Desta vez, o foco é na respiração: de olhos fechados e concentrados no entra e sai de ar dos pulmões, os alunos meditam por 30 segundos e depois podem relaxar no tapete.
Apesar do tom de brincadeira, a atividade traz uma série de benefícios, que vão desde a melhora na postura até um aumento da concentração.
– Sinto que esse conhecimento do corpo vai trazendo foco e tranquilidade para a rotina deles – avalia Juliana.
Essa evolução também se reflete na vida escolar das crianças, que ficam mais equilibradas, concentradas e relaxadas. Outro aspecto importante é o da coletividade, aponta a professora de ioga Clarissa Brittes. Como costumam ser realizadas em grupos, as atividades também conseguem transmitir valores – como a importância da amizade, por exemplo – e estimular a noção de respeito ao próximo.
– Trabalhamos muito a capacidade criativa e de observação. Os alunos são instigados a observar uns aos outros, e há exercícios em que eles precisam ajudar os colegas. Todo mundo tem a sua capacidade, e a ioga colabora para desenvolvê-la. Isso se reflete em todas as coisas da vida – diz Clarissa.
Ganhos físicos e emocionais
Praticante de ioga desde os três anos, a pequena Beatriz Gebhardt, hoje com cinco, segue os passos da mãe, a psicóloga Fabiana Gebhardt, adepta da prática há mais de uma década. Para Fabiana, a atividade ajuda a menina a reconhecer as emoções, a se ouvir, fazer silêncio e perceber o próprio corpo.
– São aspectos que estão em falta no mundo hoje – diz a mãe.
Embora não tenha percebido nenhuma mudança no comportamento da filha, Fabiana destaca os pontos positivos das aulas semanais.
– O conteúdo e as experiências que são provocadas com a prática oportunizam que a gente converse sobre temas importantes da vida, como a amizade – destaca a psicóloga.
A ciência comprova
Não é só na observação que se baseiam os benefícios da ioga: algumas pesquisas científicas já investigam os efeitos da prática para os pequenos. Em 2009, a Health Science and Management, de Taiwan, realizou um estudo em que observou 31 crianças com idades entre sete e 12 anos que praticaram ioga por sete semanas. Nos resultados, os especialistas viram melhora na flexibilidade, na força muscular e na capacidade cardiorrespiratória. Como saúde física e mental caminham juntas, o levantamento sugere que as crianças tenham se beneficiado psicologicamente também.
Na mesma linha, a doutora em neurofisiologia queniana Shirley Telles – referência mundial nos estudos que investigam os efeitos terapêuticos da ioga e da meditação sobre a mente e o corpo – defende que o cérebro é mais suscetível aos estímulos internos e externos nos dois primeiros anos de vida. Em texto publicado em 2012 no livro Child and Adolescent Mental Health, ela diz que essa constatação justificaria o início da prática "o quanto antes". Entretanto, ela faz uma ressalva: não há estudos que comprovem que crianças que iniciem a ioga cedo sejam mais saudáveis tanto física quanto mentalmente.