Um estudo internacional apontou que o número de cirurgias bariátricas diminuiu nos Estados Unidos, ao passo que o uso de medicamentos análogos ao GLP-1 (como Wegovy e Ozempic) para tratamento da obesidade aumentou. O cenário, contudo, difere da realidade brasileira. Os dados oscilam e mostram uma diminuição durante o período pandêmico, mas indicam uma retomada gradual.
Especialistas não relacionam o atual quadro verificado no Brasil ao uso de medicações contra a obesidade, ainda que tenham avançado no país, devido aos altos custos e à dificuldade de acesso.
A operação é reservada a pacientes mais graves, quando já se esgotaram outras possibilidades de tratamento e a longevidade pode estar comprometida.
De acordo com o Ministério da Saúde, foram realizadas, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 80.452 cirurgias bariátricas no Brasil entre 2013 e novembro de 2024. O ano com o maior número de cirurgias foi 2019, com 11.762.
No Rio Grande do Sul, foram 3.963 procedimentos no mesmo período, com o pico em 2018 (440). Em 2023, houve um aumento de 38,27% em relação a 2022. Em 2024, o Estado deve ultrapassar os patamares pré-pandemia, conforme a Secretaria Estadual da Saúde (SES).
No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), uma das nove instituições de referência para o procedimento no RS, o número de bariátricas realizadas pelo SUS segue o mesmo padrão nacional, com redução e retomada no crescimento. No Hospital Nossa Senhora da Conceição, outra referência, os patamares pré-pandemia já foram alcançados.
Por outro lado, na Santa Casa de Porto Alegre, que realiza o procedimento por meio de convênios e atendimento particular, os números têm sido crescentes – inclusive durante a pandemia. Até o momento, não foi notada nenhuma alteração na procura e realização dos procedimentos na instituição.
Influência da pandemia e da espera
Os especialistas consultados por Zero Hora avaliam que a pandemia de covid-19 contribuiu para a oscilação dos números, comprometendo a realização de cirurgias eletivas em 2020 e 2021 e levando à perda de pacientes.
Há, ainda, outros fatores envolvidos, conforme Jacqueline Rizzolli, coordenadora do Departamento de Cirurgia Bariátrica da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e endocrinologista do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS):
- Redução do poder aquisitivo, com pacientes abandonando planos de saúde
- Repasse deficitário de custos da cirurgia pelo SUS, levando à redução do número de cirurgias em alguns hospitais
- Dificuldade na realização de exames pré-operatórios
- Custos pós-operatórios com suplementações vitamínicas e proteicas, sem cobertura pelo SUS ou planos de saúde
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Demanda reprimida e tendência de alta
Conforme Rogério Friedman, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e médico endocrinologista do HCPA que atua no Programa de Cirurgia Bariátrica, a demanda pela cirurgia é crescente no mundo, e há uma grande demanda reprimida no Brasil e no RS.
Friedman lembra que, antes do processo, os pacientes são encaminhados a um programa para avaliação da indicação da cirurgia bariátrica, no qual realiza uma série de exames e consultas com diversos especialistas.
Trata-se de um caminho longo, que pode levar anos até que o paciente seja liberado – o que também influencia os dados. Em clínicas privadas, o tempo costuma ser menor, pois o acesso a recursos é maior e mais breve.
— Estamos agora, provavelmente, vendo o gradual crescimento das cirurgias porque os pacientes retornaram às avaliações, à inserção nesses programas e, pouco a pouco, vai se atendendo à demanda reprimida — aponta.
Segundo ele, a oferta pelo SUS vem aumentando, mas esbarra na demanda milhares de pessoas. Um em cada quatro brasileiros tinha obesidade em 2020, totalizando mais de 41 milhões de pessoas – e em torno de 1% vai necessitar da cirurgia. Pela complexidade do processo, medidas como mutirões de cirurgias tornam-se inviáveis.
No RS, aumento da oferta e da fila
O RS vem ampliando a oferta de cirurgias bariátricas, conforme a SES. A partir de 2023, o aumento foi causado pelo retorno à normalidade sanitária e pela habilitação de dois novos serviços especializados, em Faxinal do Soturno e Tenente Portela.
No entanto, há tendência de aumento na lista de espera para consulta de avaliação, pelo aumento da prevalência de obesidade e da redução da população coberta por plano de saúde.
A SES afirma que ampliou em 50%, em 2023, a Rede de Assistência de Alta Complexidade ao Indivíduo com Obesidade, passando de seis para nove serviços – o que possibilitará um incremento de 45 novas cirurgias bariátricas por mês.
Segundo a pasta, há um trabalho continuado para fomentar a habilitação de novos serviços e viabilização financeira com recursos estaduais. Ainda, está em fase final de análise a proposta de habilitação do Hospital São Francisco de Assis, em Parobé, para posterior envio ao Ministério da Saúde.
"Efeito Ozempic"
Os especialistas avaliam que o impacto de medicamentos nesse cenário deve ser pequeno, já que a maior parte da população brasileira não tem acesso às novas medicações devido ao seu elevado custo.
— Elas não são oferecidas no SUS, as alternativas farmacológicas no SUS são pobres ou até inexistentes, quando se fala em tratamento de obesidade, então não dá para dizer que foram as medicações — afirma Friedman.
Além disso, conforme Carolina Leães Rech, chefe do Serviço de Endocrinologia da Santa Casa, professora da UFCSPA e diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia da regional RS (SBEM-RS), o estudo internacional recente que comparou a cirurgia bariátrica aos medicamentos foi feito a partir de dados das seguradoras de saúde, sem detalhamento dos pacientes.
Procurada a respeito de dados sobre a venda de Ozempic e Wegovy, fabricados pela Novo Nordisk, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que não é possível fornecê-los.
A decisão, explica, segue determinação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (SMED), na qual, quando o produto é comercializado por até três empresas, individuais ou participantes do mesmo grupo, não se pode fornecer a informação para terceiros, para não colocar em risco informações sigilosas das empresas.
Nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, as operadoras de saúde fornecem medicamentos antiobesidade para pacientes com indicação médica, o que faz com que muitos tenham acesso ao tratamento a longo prazo. A situação é diferente no Brasil, ressalta a representante da Abeso:
— Aqui o custo é todo coberto pelo paciente, o número de pessoas que fazem tratamento por mais de seis meses ainda é muito baixo.
Uma gama de pacientes de convênios e particulares, por exemplo, consegue ter por meios próprios. O custo fica em torno de R$ 600 a R$ 2 mil, o que gera dificuldades – ainda mais considerando que se trata de uma doença crônica.
Além disso, os medicamentos, principalmente injetáveis – análogos do GLP-1 –, podem ser comprados sem receita médica. Ainda que não haja dados, existe um consumo fora da indicação formal da medicação, para fins estéticos e de bem-estar, lembra o médico do HCPA.
— Esse consumo crescente de medicamentos contra a obesidade tem muito a ver com essa nossa cultura do corpo perfeito, do melhorar a silhueta, se sentir melhor, o que não é crime, mas afeta as nossas estatísticas. Não está necessariamente, exatamente, relacionado à obesidade — conclui.
Em nota enviada a Zero Hora, a Novo Nordisk destaca que o Ozempic não é aprovado para o tratamento da obesidade, para o controle de peso ou para uso em adultos que não tenham diabetes tipo 2. A empresa afirma apoiar "o uso responsável de seus medicamentos, sempre baseado na aprovação de sua bula".