Daniel Papich Krost era gordinho desde a infância. Ganhou dos amigos o apelido de “Pança”, algo que, embora encarasse como carinhoso, também era um carimbo de sua condição física. Passou a juventude fazendo dietas e voltando a engordar, sem nunca pensar em exercícios físicos. Tinha 170 quilos quando se formou em medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2004, e viu o peso extrapolar os 200 quilos no ano seguinte. Então apostou em algo mais drástico: submeteu-se à bariátrica em 2005, conhecida como cirurgia de redução de estômago.
O procedimento no Hospital São Lucas da PUCRS foi um sucesso. Daniel passou a ter menos fome e conseguiu perder peso: chegou a 116 quilos distribuídos em 1,81 metros de altura. Tinha 27 anos e começava a sentir-se bem, embora ainda desejasse emagrecer mais um pouco. O que não esperava é que, passados os primeiros anos da cirurgia, engordaria tudo de novo, processo chamado de reganho de peso, menos incomum do que se imagina entre quem faz a bariátrica.
— Se tu mantém os maus hábitos e vai comendo cada vez mais, o estômago vai dilatando. Não fica no tamanho reduzido. Foi o que aconteceu comigo— conta o médico do trabalho, hoje com 44 anos.
Ele tinha sido orientado pela equipe médica de que a bariátrica não era definitiva, que o procedimento, sozinho, não iria conservá-lo magro para o resto da vida. Ouviu que, para manter o peso, deveria reinventar a sua alimentação, além de investir em exercícios físicos. Mas não houve mudança de hábitos. Daniel seguiu comendo feijão, arroz, massa e batata, e não dispensava fast-food quando a vontade surgia. Também nunca abandonou o sedentarismo.
— Como eu não mudei minha alimentação, meu estômago dilatou de novo, por isso segui engordando. Exercícios físicos, nunca aderi — admite.
Ano após ano os dígitos da balança foram ficando mais altos. Daniel chegou a 160 quilos em 2019, 10 a menos do que tinha quando pegou o canudo de bacharel em Medicina. Era obeso mais uma vez. Procurou um médico e, para piorar, foi diagnosticado com diabetes e hipertensão, comorbidades comuns entre pacientes acima do peso. Recebeu prescrição para tomar uma série de medicamentos que deveriam ser ingeridos todos os dias, o que o deixou assustado.
— Fiquei estarrecido. Eram remédios que eu teria que usar para o resto da vida. Com 41 anos, iria tomar mais medicamentos do que a minha mãe, que é idosa. Imagina o custo financeiro daquilo tudo — lembra.
Mudança brusca
O choque fez Daniel buscar alternativas para emagrecer sem passar por nova cirurgia. Pesquisando sobre alimentação, encontrou relatos promissores a respeito da dieta low carb, que corta o consumo de carboidratos. Precisou tirar do prato itens como pão, arroz, massa, batatas, pizza e açúcar. Em janeiro de 2020, passou a ingerir somente carnes, ovos e laticínios, além de alguns vegetais.
Perdeu 21 quilos nos primeiros meses da dieta, mas estagnou. Finalmente, decidiu adotar a prática de exercícios físicos, desafio do qual vinha fugindo desde a infância. Começou aos poucos, fazendo musculação duas vezes por semana, com acompanhamento de uma profissional da educação física. No final do ano, quis reforçar as atividades e passou a correr.
Mas o início na corrida também foi comedido: em vez de correr propriamente, Daniel caminhava 40 minutos por dia, uma orientação dada a quem é novato. Passou a incluir minutos de corrida dentro das caminhadas, até aumentar progressivamente esses intervalos. Em alguns meses, já estava dando galopadas pela Orla do Guaíba e pela Avenida Ipiranga, onde costuma se exercitar.
— Eu não fazia atividade física nenhuma. Em julho de 2021, nessa alternância de caminhada e corrida, já estava fazendo 10 quilômetros por dia. Algo que, até seis meses antes, era impensável para mim — diz.
Chegou aos atuais 85 quilos, peso que só havia atingido aos 19 anos, em um dos muitos momentos de efeito sanfona. Neste ano, participou de uma meia maratona em Porto Alegre, cumprindo 21 quilômetros em menos de duas horas. Correr tornou-se seu esporte predileto.
— Faço musculação para manter o fortalecimento muscular, mas correr é como escovar os dentes. Virou algo normal — diz.
Hoje, se exercita diariamente e come com restrições, mas de forma prazerosa, sem nunca ficar com fome. A mudança de hábitos que por tanto tempo postergou.
Bariátrica: como manter os efeitos?
Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, o cirurgião bariátrico André Bigolin, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, reforça que a obesidade é uma doença que precisa ser encarada para o resto da vida. Portanto, não será somente a cirurgia de redução de estômago que irá fazer a pessoa emagrecer, mas toda uma transformação de hábitos que deve acompanhar o procedimento.
— A cirurgia de redução do estômago vai controlar a fome e a saciedade, ajudando o paciente a emagrecer. Mas a bariátrica, por si só, não emagrece ninguém. É um tratamento para que o paciente consiga comer menos — reforça o médico.
O sucesso da bariátrica precisa estar alicerçado em uma nova dieta e na prática diária de exercícios físicos, como Daniel fez 15 anos após se submeter à cirurgia. É uma postura mais consciente diante do próprio corpo que prolongará os efeitos alcançados pelo procedimento.
Segundo o cirurgião bariátrico Marcelo Cardozo, do Centro de Obesidade Mórbida da PUCRS e do Espaço Saúde Marcelino Champagnat, no Hospital São Lucas da PUCRS, o ideal é que essa nova rotina fique bem estabelecida nos primeiros dois anos após a bariátrica, período conhecido como lua de mel. Se novos hábitos não forem criados dentro desse prazo, ficará difícil aderir a um estilo de vida saudável mais tardiamente, e a tendência é voltar a engordar, o que acontece em cerca de 20% dos casos.
— Essa lua de mel é o efeito metabólico que a cirurgia causa. É o tempo que o paciente fica sem fome, começa a perder peso, faz atividade física, se reestrutura para uma vida nova — diz.
Outro segredo para que o paciente da bariátrica não volte a ganhar peso é manter consultas periódicas com a equipe multidisciplinar que o acompanhou antes e depois do procedimento. Rever nutricionista, psicólogo e endrocrinologista evitará recaídas no comportamento, sendo compromissos que também devem entrar na agenda ano após ano, para o resto da vida.
— Depois da bariátrica, a pessoa vai seguir sob o estresse da vida, então, em algum momento, vai ficar triste, ansiosa, ter depressão. E são nesses momentos que o paciente pode se desgarrar e voltar a comer errado. Não pode abandona nunca esse acompanhamento — alerta Cardozo.
Ainda q a bariátrica não seja o fim garantido da obesidade e demande mais empenho do que os pacientes imaginam, a cirurgia segue como alternativa mais recomendada para quem é obeso, tem Índice de Massa Corporal (ICM) acima dos 30 e comorbidades, já que reduz o risco de infarto e de câncer.
— A bariátrica dá trabalho, não é simples. Em contrapartida, o paciente vai deixar de tomar remédios para pressão, vai conseguir se curvar para amarrar os sapatos, vai voltar a fechar as pernas quando sentar — diz Bigolin.