De acordo com o Atlas da Obesidade 2024, divulgado nesta sexta-feira (1º) pela Federação Mundial de Obesidade (WOF), até 2035, o Brasil deve ter cerca de 127 milhões de adultos com alto Índice de Massa Corporal (IMC), o que inclui sobrepeso e obesidade. A taxa de crescimento anual deve alcançar 1,9%. Em relação às crianças, serão 20 milhões, com uma taxa anual de crescimento parecida, de 1,8%.
No ano passado, o relatório estimou que 41% dos adultos brasileiros terão obesidade até 2035, número classificado pela entidade como “nível de alerta muito alto”. É a mesma classificação para a projeção do crescimento anual de crianças com obesidade no país: 4,4%.
Diretor do departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Fernando Gerchman afirma que as projeções estão dentro do previsto, no entanto, desacredita que serão atingidas em suas totalidades. Para Gerchman, uma série de fatores, como propensão genética e curva epidemiológica, devem ser observados.
— Qualquer doença crônica que tem o status de epidemia, segue uma curva epidemiológica. E as curvas epidemiológicas chegam a um momento em que elas param de crescer, assim como aconteceu com a covid, por exemplo. Chegou um dado momento que estancou. Por que isso? Tem que ter um número de pessoas suscetíveis à doença — explica.
Para Gerchman, a obesidade e o excesso de peso não estão propriamente ligados ao estilo de vida das pessoas, mas sim a combinação de fatores. Ele salienta que uma pessoa pode ter dificuldade de ganhar peso, assim como outra pode ter facilidade, independentemente do alimento que for consumido, conforme suas características genéticas.
— Não ter uma alimentação saudável e não fazer a prática do exercício físico nem sempre causa obesidade, embora seja um fator de risco. Mas temos que ter uma propensão genética, outros mecanismos de desenvolvimento, não podemos resumir apenas ao estilo de vida. Isso desmotiva o paciente.
Mudanças
Na projeção da WOF, 39,05% das mulheres e 37,26% dos homens no Brasil terão obesidade até 2035. Apesar disso, Gerchman destaca que o país não está entre as 20 nações com maior crescimento no número de pessoas que viverão com obesidade no futuro. Ele aponta que um trabalho conjunto entre o governo, instituições de saúde das áreas de nutrição, diabetes e cardiovascular, e a população deve ser feito para controlar os números.
— Estes números de projeção ocorrerão se nenhuma intervenção de prevenção for realizada, que é o pior cenário possível. É uma projeção, serve para mobilizar o Ministério da Saúde e todos os níveis de organizações envolvidas no combate a obesidade. Que se faça campanhas, estruture a educação sobre alimentação nas escolas e faculdades — afirma o endocrinologista.
A abordagem aos pacientes com obesidade é um dos pontos chave na mudança do quadro. Conforme o médico, muitos pacientes são discriminados quando procuraram ajuda com especialistas e parte deles não segue o tratamento. Da pequena parcela que continua o tratamento, apenas 2% recebem indicação de remédio, aponta Gerchman.
— Da grande minoria que chega para tratamento, a maior parte não vai ter oferecimento de tratamento farmacológico, que hoje em dia propicia a perda de peso e que está começando a mostrar que aumenta a expectativa de vida do paciente — diz o especialista, citando que as medicações, embora caras, causam perda média de peso que varia entre 15 e 20%.
Dados globais
De acordo com a Federação Mundial de Obesidade, a previsão é de que o número de adultos que vivem com obesidade aumente de 0,81 bilhão, em 2020, para 1,53 bilhão em 2035. O relatório aponta que nenhuma área do mundo está imune aos efeitos da obesidade. Além disso, o aumento das taxas revelou lacunas nos cuidados de saúde e na nutrição.
As populações mais pobres são as mais afetadas, em idades cada vez mais jovens, segundo a WOF. Ao contrário da percepção pública, os países de baixa renda estão cada vez mais na liderança em termos de incapacitação (disability) precoce e morte devido à obesidade e às doenças por ela provocadas, como diabetes e doenças cardíacas.
Além disso, o Atlas identificou uma ligação clara entre as emissões de gases de efeito estufa e as crescentes taxas de obesidade – evidenciando a relação entre fatores ambientais e obesidade.
No Brasil, sobre as questões ambientais relacionadas à obesidade, Gerchaman aponta que é preciso melhorar o índice de pessoas que praticam atividades físicas e ter atenção ao consumo de proteína animal. Ele também destaca que 87,1% da população brasileira vivem em área urbana, considerada um um grande fator de risco.
Segundo a WOF, o Atlas também indica como a falta de cuidados com a obesidade nos sistemas de saúde impulsiona as principais doenças não comunicáveis, como câncer e diabetes. Com o aumento alarmante das taxas de obesidade, a federação demanda atenção e ação imediatas por parte dos governos, dos profissionais de saúde e das comunidades em todo o planeta.
— Hoje em dia, obesidade é considerada a segunda ou terceira maior causa de câncer, só perde para tabagismo no mundo e isso é pouco levado em consideração. Muitos pacientes falam "não tenho hipertensão, não tenho diabetes, não tenho complicações, não tenho problemas causados pela obesidade", só que o câncer pode se desenvolver a qualquer momento e ninguém quer, né? — pontua.