Nenhum dos novos tratamentos medicamentosos contra a obesidade no Brasil é disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e seus custos dificultam o tratamento, que deve ser a longo prazo. Desta maneira, a cirurgia bariátrica acaba se tornando uma das principais opções dos pacientes - para além de outras medidas.
Medicações injetáveis como semaglutida (Wegovy) e liraglutida, e a associação de bupropiona e naltrexona, somaram-se, há alguns anos, como opções de tratamento da obesidade, além da sibutramina e do orlistate, que têm uma potência modesta de redução de peso (em torno de 5% a 7%). Há ainda alguns medicamentos off label — sem indicação para este fim na bula — como a bupropiona e o topiramato.
O Ozempic, por sua vez (que também tem como ingrediente a semaglutida), é registrado para o tratamento de adultos com diabetes tipo 2 insuficientemente controlado – porém, também é utilizado fora de sua indicação na bula no Brasil e recomendado por médicos para o tratamento da obesidade.
Medicamentos são indicados se o paciente tem uma obesidade grave ou se está em tratamento para obesidade com medidas de mudança de estilo de vida e não está obtendo resultados satisfatórios, explica Rogério Friedman, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e médico endocrinologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Já o tratamento com análogos do GLP-1 é recomendado para pacientes com sobrepeso com comorbidades, com obesidade ou com diabetes tipo 2, segundo Carolina Leães Rech, chefe do Serviço de Endocrinologia da Santa Casa, professora da UFCSPA e diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia da regional RS (SBEM-RS).
Os análogos do GLP-1 possuem múltiplos efeitos, com destaque para, conforme Friedman:
- Modulam o apetite
- Alteram o tempo de esvaziamento do estômago
- Estimulam o pâncreas a liberar insulina
As alternativas medicamentosas estão revolucionando o tratamento da obesidade, na visão de Carolina, pois trazem melhores resultados na perda do percentual de gordura corporal e estão associados a uma redução do risco cardiovascular. Há, ainda, evidências de benefícios adicionais desses medicamentos: melhora da apneia do sono, de questões de artrose, de dores e desconfortos do paciente, da doença gordurosa hepática.
— É um cenário, para nós, muito animador para uma doença importante, prevalente, associada com uma série de complicações, e que a gente está conseguindo mudar desfechos, para pacientes que têm condições de ter acesso aos medicamentos — aponta.
De acordo com os médicos, as medicações costumam ser bem toleradas, causando poucos efeitos colaterais, como náusea e, em alguns casos, diarreia ou prisão de ventre, mas os sintomas são leves. O tratamento é iniciado com dose baixa, que é aumentada gradativamente para amenizar essas situações.
Para uso contínuo determinado
O uso de medicamentos por até três anos é seguro, baseado na experiência científica. No entanto, estudos mostram que, após seis meses da suspensão da medicação, o paciente volta a ganhar peso rapidamente. A tendência, portanto, seria manter o medicamento por um longo prazo, já que a obesidade é uma doença crônica, ressalta o médico do HCPA.
A base do tratamento para a obesidade é a mudança do padrão alimentar, com a atividade física como elemento fundamental. Devido às mudanças no estilo de vida, algumas pessoas conseguem se manter com o peso estável e não necessitar mais de medicação.
No entanto, cerca de 80% precisariam utilizá-la cronicamente, indicando a tendência de que, na maioria das vezes, não seja possível interromper o tratamento, segundo Jacqueline Rizzolli, endocrinologista do Hospital São Lucas da PUCRS e coordenadora do Departamento de Cirurgia Bariátrica da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
Sem cobertura pelo SUS
O problema é que essas medicações não são cobertas por seguros de saúde. No SUS, nenhum tratamento medicamentoso é disponibilizado para obesidade. O único tratamento coberto é o acompanhamento nutricional e médico, com possibilidade de realização de cirurgia bariátrica.
O debate da classe médica com o Ministério da Saúde a respeito dos tratamentos é antigo, conforme Friedman. Como o custo dessas medicações varia entre R$ 600 e R$ 2 mil por mês, a maioria das pessoas não consegue iniciar ou sustentar o tratamento, segundo os médicos.
— Às vezes, até inicia, faz um período curto, tem bom resultado, mas acaba tendo de parar pelo custo das medicações — afirma a coordenadora da Abeso.
O Ministério da Saúde informou, em nota, que atualmente não há demanda para a avaliação de medicamentos para tratamento de obesidade pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), necessária para incorporação ao SUS.
“Desde 2014, a Comissão recebeu quatro solicitações para avaliação de medicamentos (sibutramina, orlistat, sibutramina e liraglutida 3mg), todos com recomendação desfavorável à incorporação. Os critérios para cada recomendação estão disponíveis nos relatórios técnicos”, afirma.
A comissão age conforme a demanda e assessora o Ministério da Saúde nas decisões. Ela analisa as evidências científicas sobre a tecnologia, considerando aspectos como eficácia, acurácia, efetividade e segurança, além de realizar uma avaliação econômica comparativa dos benefícios, custos e o impacto orçamentário para o SUS.
“Embora não haja tratamento medicamentoso, o SUS oferece atendimento a pacientes com obesidade, conforme orientações do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Sobrepeso e Obesidade em Adultos. O documento recomenda o tratamento com medidas não medicamentosas, focadas em atividades físicas, alimentação saudável e suporte psicológico. O objetivo é alcançar metas de curto e longo prazo, incluindo a redução de gordura corporal, a manutenção da perda de peso e a educação alimentar e nutricional. Em casos específicos, pode ser indicada a cirurgia bariátrica pelo SUS”, afirma a pasta.
Bariátrica é opção
A cirurgia bariátrica é indicada para pessoas com índice de massa corporal (IMC) 40 ou maior e para pessoas com IMC de 35 a 40 com complicações associadas, como diabetes e hipertensão.
A operação é reservada a pacientes mais graves, quando já se esgotaram outras possibilidades de tratamento (incluindo remédios, quando há essa possibilidade) e a longevidade pode estar comprometida. Se o IMC for menor do que 50, o período de tentativa efetiva de tratamento é de pelo menos dois anos. Se for superior a 50, esse período é de seis meses. O paciente é encaminhado para um programa de cirurgia bariátrica.
Em breve, novas medicações devem chegar ao Brasil, como a tirzepatida, que trazem uma perda de peso mais significativa, na faixa de 10% a 15%, chegando a 20%, em alguns casos. Ele se assemelharia a resultados tão bons quanto os da cirurgia bariátrica, ressalta Jacqueline Rizzolli.
Até recentemente, a operação era a melhor opção de tratamento em função dos benefícios para os pacientes e do potencial de perda de peso – que, até então, era o único com mais de 20% do peso corporal, salienta a médica da Santa Casa.
As perspectivas, em sua avaliação, são boas, com novos medicamentos sendo testados e um tratamento à altura do problema de saúde pública que é a obesidade. A médica não acredita, no entanto, que a cirurgia será substituída, devido ao cenário ainda enfrentado, por exemplo, no Brasil.
Em nota enviada a Zero Hora, a Novo Nordisk destaca que o Ozempic não é aprovado para o tratamento da obesidade, para o controle de peso ou para uso em adultos que não tenham diabetes tipo 2. A empresa afirma apoiar "o uso responsável de seus medicamentos, sempre baseado na aprovação de sua bula".