Fechada desde a enchente de maio, a maternidade do Hospital Mãe de Deus ainda não tem data para reabrir. O setor é o único da casa de saúde que não foi retomado depois da tragédia climática que atingiu Porto Alegre. Questionada por Zero Hora, a instituição não informou se o fechamento será definitivo, mas confirmou não ter previsão para a retomada das atividades. A possibilidade de o serviço materno-infantil não voltar a funcionar preocupa entidades médicas, que temem a sobrecarga de outros hospitais da Capital.
O hospital foi atingido quando o entorno da instituição, no bairro Menino Deus, foi tomado pela água no início de maio. Pacientes precisaram ser retirados às pressas do local e a casa de saúde fechou as portas. O Mãe de Deus voltou a funcionar em 1º de junho, com a retomada gradual dos setores. A maternidade, porém, não retomou as atividades. Segundo a instituição, para que o hospital pudesse reabrir, alguns serviços que estavam localizados no subsolo, área atingida pela enchente, foram realocados para o terceiro andar, onde ficava o Centro Obstétrico.
Para o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e para a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Rio Grande do Sul (Sogirgs), a interrupção desse serviço, mesmo que temporária, representa uma perda significativa na quantidade e qualidade de atendimentos obstétricos e neonatais na Capital.
— Eles nos procuraram para falar sobre a situação e colocaram que foram altamente impactados pela enchente. Disseram que não há previsão de retorno do Centro Obstétrico. O impacto para Porto Alegre é extremamente grande. Isso, certamente, vai sobrecarregar os locais que hoje ainda atendem partos. Além disso, é uma perda de serviços altamente qualificados. Outros hospitais que atendem convênios, como o Divina Providência, o Moinhos de Vento e, até mesmo, a Santa Casa de Porto Alegre, vão ficar sobrecarregados e vai acabar sobrando para o atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) — afirma o presidente do Simers, Marcos Rovinski.
A Capital conta com 232 leitos de maternidade na rede pública e 117 na rede privada. O Mãe de Deus era responsável por 18 desses espaços destinados aos planos de saúde. A instituição também tinha 10 leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) neonatal. O presidente da Sogirgs, Lucas Schreiner, cita a importância desses espaços para o setor de saúde materno-infantil de Porto Alegre e de cidades vizinhas:
— O Mãe de Deus é uma das principais maternidades de Porto Alegre, em termos numéricos. As UTIs neonatais, uma ferramenta tecnológica fundamental para os recém-nascidos que necessitam de atenção especial, tiveram seus funcionamentos encerrados em diversos hospitais de Porto Alegre e da Região Metropolitana. Todo leito de UTI neonatal é importante, porque quando a gente precisa, sempre tem dificuldade de encontrar. Agora, com essa redução, a gente certamente vai ter uma piora desse cenário.
Setor não é considerado rentável
A instituição estima um prejuízo de quase R$ 150 milhões por causa da enchente, para a reconstrução e recomposição do capital de giro. Para Rovinski e Schreiner, a questão financeira poderia ser uma explicação para a possibilidade de um fechamento definitivo. Em 2020, o serviço materno-infantil do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) foi fechado devido ao prejuízo financeiro. Schreiner explica que esse movimento não é isolado, uma vez que o setor não é considerado rentável:
— Em geral, o que é relatado pelos grupos hospitalares que fecharam suas maternidades, é que a remuneração destinada ao atendimento da gestante e da criança não é compatível com os gastos. Um grupo hospitalar precisa estar saudável financeiramente, mas sua atividade vai além da matemática. Envolve a necessidade de assistência. É uma visão muito estreita ficar olhando só para a questão financeira e tendo foco apenas em áreas que são rentáveis, não dando atenção integral à saúde das pessoas.
Em nota, o Hospital Mãe de Deus afirma que, depois de um período fechada em razão da enchente, "a instituição tem trabalhado para voltar a seu funcionamento pleno". Afirma, ainda, que seguirá com a realização de novas análises e a atualização constante do planejamento (confira abaixo).
— Nós nos colocamos à disposição para tentar criar condições para que não seja suspenso o atendimento obstétrico e neonatal ali, procurando alguma solução junto aos entes públicos e privados. É importante sensibilizar as mantenedoras do hospital, que não façam terminar o sonho da irmã Maria Jacomina Veronese, que foi a criadora do hospital, e que certamente estaria sofrendo muito nesse momento — defende o presidente do Simers.
Nota do Hospital Mãe de Deus na íntegra:
“Localizado em um dos bairros de Porto Alegre que ficou inundado durante as enchentes de maio, o Hospital Mãe de Deus foi uma das instituições mais afetadas na área da saúde, com seu subsolo ficando submerso. Para que a instituição pudesse reabrir as portas o mais brevemente possível, principalmente o atendimento de Emergência, serviços essenciais para o funcionamento do hospital que ficavam no subsolo precisaram ser realocados para o 3º andar, onde fica o Centro Obstétrico. Em razão disso, não temos previsão de reabertura da maternidade, seguindo com a realização de novas análises e a atualização constante do nosso planejamento.
Depois de um período fechada em razão da enchente, a instituição tem trabalhado para voltar a seu funcionamento pleno, e hoje já retomou a grande maioria dos serviços, essenciais para a rede de saúde da Capital e do Interior.
O Hospital agradece todo o apoio e a compreensão da comunidade durante esse período em que busca sua completa recuperação.”