Em meio a uma dívida de R$ 300 milhões e após um processo iniciado há meses, o Hospital São Lucas da PUCRS fecha, nesta segunda-feira (15), os 75 leitos do seu setor materno-infantil. Após firmar um convênio com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), grande parte dos leitos e profissionais da saúde passará ao Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, localizado na Avenida Independência. A transferência começou em abril e termina no fim de julho.
GaúchaZH questionou a prefeitura de Porto Alegre sobre quantos leitos de obstetrícia foram perdidos e quantos serão abertos para bebês e crianças, além de solicitar um porta-voz do Executivo sobre o assunto, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.
Um dos resultados das mudanças é que o Hospital Presidente Vargas, gerido pela prefeitura de Porto Alegre e atendendo 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS), será modernizado e equipado para tratar casos graves, além de ganhar leitos psiquiátricos.
Segundo a prefeitura, hospitais já lidam com uma menor demanda de atendimento para partos em meio ao processo de inversão na pirâmide demográfica gaúcha — em 2029, haverá mais idosos do que jovens com até 14 anos. Concomitantemente, aumenta a demanda de especialidades ligadas ao envelhecimento, como oncologia.
O principal argumento do São Lucas para fechar o setor materno-infantil, que atendia pelo SUS e particular, é o prejuízo financeiro, descrito como "muito crítico" pelo diretor da instituição, Leandro Firme. Para além da dívida de R$ 300 milhões, havia um déficit de R$ 75 milhões por ano, acentuado pela queda de 40% na demanda de atendimentos na área fechada.
— A instituição já vem em um estresse financeiro há pelo menos três anos. Com a crise financeira que assola praticamente todas as empresas no mundo, principalmente na área da saúde, a situação se agravou, fazendo com que a gente tome, além das medidas já previstas, outras complementares para que se consiga passar por essa fase difícil e garantir a sustentabilidade e a saúde financeira do hospital — analisa o diretor.
O hospital é filantrópico e, por lei, não pode visar ao lucro, mas precisa buscar saúde financeira. Segundo a instituição, a mantenedora do São Lucas e da PUCRS já gastou as reservas disponíveis para cobrir os prejuízos do hospital. O objetivo é cobrir os próprios custos com salários e manutenção de equipamentos. Para isso, a partir desta semana, o hospital focará em atendimentos de alta complexidade de adultos e idosos.
Antes de anunciar o fechamento do setor materno-infantil, o São Lucas procurou a prefeitura de Porto Alegre para discutir possibilidades. A fim de não desassistir a população, foi firmado um convênio para transferir o atendimento ao Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, focado na população mais vulnerável.
Segundo o Presidente Vargas, a instituição, que tinha 110 leitos, ganha 82 (totalizando 192 vagas), 250 médicos, enfermeiros, técnicos e outros profissionais (totalizando mais de mil funcionários) e recebe reformas e equipamentos para ampliar serviços e reabrir aqueles que estavam fechados há anos. Também acolherá residentes da PUCRS.
A transferência do atendimento, que começou em abril, já abriu 16 leitos de pediatria, seis de psiquiatria e seis de UTI pediátrica. O processo inteiro envolve R$ 6 milhões investidos pela Rede Marista — segundo a assessoria de comunicação do São Lucas, não há contrapartida em benefícios fiscais.
O fechamento do setor materno-infantil do São Lucas foi alvo de protestos de estudantes e chegou a ser temporariamente suspenso, após ação do Ministério Público. A justificativa era de que o convênio entre o hospital e a prefeitura não passara pelo crivo do Conselho Municipal da Saúde (CMS), entidade que representa a sociedade civil em discussões da área. A ação caiu, após a rede Marista recorrer.
Presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Marcelo Matias critica a "falta de transparência" ao longo do processo.
— Acho que, quando analisamos esse tipo de decisão de um hospital que está em crise, a gente até entende que a instituição busca magnificar lucros ou minimizar perdas. Mas quando temos um hospital como o São Lucas, que é filantrópico, que é vinculado a uma universidade, me parece que faltou um pouco de transparência e ética na forma como a comunicação foi feita. Alunos, funcionários e entidades de saúde estiveram de fora desse processo. Até hoje, não temos notícia do que vai acontecer com a residência em obstetrícia do hospital, ainda não se sabe para onde vão, por exemplo — diz.
Matias afirma que reconhece que o "esforço" do São Lucas para aumentar a capacidade do Presidente Vargas, mas entende que a população será afetada:
— A gente precisa entender o tamanho dessa instituição. O impacto (da mudança) não é só aqui na cidade, é no Estado. Quando fecha dessa forma, o Estado inteiro sofre. Mesmo que eu entenda a questão financeira, posso afirmar sem qualquer risco de errar, que as pacientes vão ser prejudicas no momento de seus partos. Mesmo que financeiramente a alteração tenha lógica, o ponto mais fraco, os funcionários, os alunos e a população, é afetado.
Para a médica obstetra e diretora geral do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, Adriani Galão, a população não ficará desassistida porque já há uma menor demanda por leitos obstétricos em Porto Alegre. Leitos de UTI neonatais serão preservados, em meio ao desenvolvimento de tecnologias que permitem a sobrevivência de bebês cada vez mais prematuros, destaca.
— Em poucos meses, reformamos quatro andares para ampliar os leitos, algo que seria muito mais moroso, do ponto de vista administrativo. A população não fica desassistida: ampliar um hospital, em tempos de covid, em 89% é uma notícia fantástica. A gente está dobrando leitos de UTI neonatal, que são bastante valorosos em termos de saúde, porque estão sempre lotados, e ainda ampliando leitos psiquiátricos.