Cena recorrente no inverno gaúcho – e não mais somente na estação mais fria do ano –, emergências de Porto Alegre estão novamente superlotadas. Segundo o painel de monitoramento da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) às 11h30min desta sexta-feira (12), a ocupação atual nos leitos adultos de hospitais é de 225,73%.
O mesmo ocorre nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), com quase 226%. Já nas emergências pediátricas, a maior parte das instituições opera dentro da capacidade, com uma média de 63%. A exceção é o Hospital da Criança Conceição, que chega a 112,50% de lotação.
Segundo as casas de saúde contatadas pela reportagem de Zero Hora, o perfil da procura é variado, abrangendo desde doenças respiratórias, casos infecciosos, crônicos, cardiovasculares e digestivos. Como trata-se de um problema que persiste, profissionais afirmam que há intervenções, com ampliação de mais de 250 leitos, além da contratação de quase mil profissionais, mas que ainda assim não resolvem a demanda.
Entre os fatores que levam a “emergência a ficar na emergência”, o diretor de Atenção à Saúde do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), médico Luiz Antônio Benvegnú, cita o inverno rigoroso e o estado emocional da população, abalado pela enchente.
— A gente conseguiu contratar profissionais em regime emergencial para fazer frente a esse período, imaginando a repercussão da calamidade, em função de motivos como leptospirose, aumento dos acidentes, e outras doenças. Além disso, as enfermidades respiratórias típicas do inverno, que teriam um excesso de ocorrência em função da própria diminuição de imunidade das pessoas que tiveram a casa alagada — afirma.
Mas, apesar da antecipação, Benvegnú frisa que é necessário observar o sistema como um todo. Ele lembra que as redes de saúde devem estar organizadas e com uma resposta sistêmica dos demais órgãos. A Secretaria Estadual da Saúde (SES) fala em “realidade crônica”.
— A superlotação afeta não apenas as emergências de Porto Alegre e região. Por todo o RS, essa realidade se faz presente, principalmente nas instituições que são referências regionais. As doenças de inverno, este ano agravadas pelas enchentes que assolaram nosso Estado, são uma preocupação permanente — afirmam o chefe da divisão de Regulação Hospitalar da Secretaria Estadual da Saúde (SES), Rogério Caruso, e a diretora do departamento de Regulação Estadual, Suelen Arduin.
Ainda vemos pacientes vítimas da enchente que perdem acompanhamentos ou tiveram dificuldade de procurar atendimento.
DANIEL FONTANA PEDROLLO
Chefe do Serviço de Emergência do HCPA
No momento, a situação mais grave é do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), onde a superlotação chega a 259%. Conforme o painel, 145 pacientes estavam internados, ao passo que a disponibilidade cadastrada é de 56 leitos. Na área adulta, a instituição informa que está atendendo somente a casos com risco de morte.
— Como estamos sempre no limite, pequenas alterações de algum fator ocasionam aumento da lotação. Nos últimos dias, ocorreu um pequeno aumento de doenças respiratórias, e ainda vemos pacientes vítimas da enchente que perdem acompanhamentos ou tiveram dificuldade de procurar atendimento — detalha o chefe do Serviço de Emergência do HCPA, médico Daniel Fontana Pedrollo.
Para enfrentar o quadro, Pedrollo salienta que algumas das medidas adotadas são a revisão dos casos, tentativa de transferência para hospitais de menor complexidade e verificação de reagendamento de procedimentos. A população também pode contribuir fazendo as vacinas recomendadas, tomar cuidado com locais fechados e de aglomeração, além do uso de máscara em casos sintomáticos.
Causas da procura pelos hospitais
No Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a emergência adulto chegou a 210% de lotação. As maiores causas da procura são quadros de aparelho circulatório, digestivo e respiratório.
Um pouco abaixo deste contingente, está o da Santa Casa de Misericórdia. A ocupação atual na emergência adulto é de 228,57%, operando com restrição. A instituição detalha que a demanda é majoritariamente de pacientes crônicos que já realizam tratamento na instituição, como oncológicos e em lista de transplante.
No Conceição, as causas de procura pela emergência adulta são variadas: doenças infecciosas, respiratórias, cardiovasculares, câncer com intercorrências e doenças crônicas em situação aguda. Já no caso pediátrico, as enfermidades respiratórias oriundas de infecção viral levam ao atendimento.
Estado cita acréscimo de leitos e remodelação da Divisão de Regulação Hospitalar
O Estado afirma que tem realizado ações para amenizar o quadro. Entre elas, está a autorização de abertura de 594 “leitos de calamidade”, dos quais 85% já está implantado e cadastrado. São unidades que recebem incentivo financeiro específico e estão espalhadas pelo RS. Além disso, a SES aponta que há incentivo de credenciamento de leitos para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
Ainda segundo a secretaria, está em implantação um plano de remodelação e aprimoramento da Divisão de Regulação Hospitalar, com ampliação do número de médicos reguladores, “propiciando a ampliação do escopo de leitos regulados, incluindo projeto de acompanhamento intensificado”, diz.
Em Porto Alegre, SMS busca opções para alta demanda
A prefeitura de Porto Alegre, por meio da SMS, informa que a operação inverno conta com a abertura de 135 leitos nos hospitais Vila Nova, Restinga e Extremo Sul (HRES), São Lucas, Pronto Socorro (HPS) e Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV), com aporte de R$ 7,1 milhões.
Outras ações são a contratação de 73 novos profissionais até o momento, que ingressaram também na atenção primária. Ainda, foram abertas nove unidades de saúde aos finais de semana, que servem de suporte às UPAS. Durante a semana, 16 funcionam até as 22 horas.
As medidas também levam em conta que, segundo a SMS, 80% das ocupações das emergências são referentes a casos leves, que poderiam ser atendidos em postos.
E quais as alternativas trabalhadas pelos hospitais?
No GHC, uma das tentativas para enfrentar o aumento da demanda em função das doenças de inverno também foi a ampliação de 120 novos leitos nos quatro hospitais - Conceição, Criança Conceição, Fêmina e Cristo Redentor. Porém, atualmente todos já estão ocupados.
Além disso, o GHC aponta a contratação emergencial temporária de 890 profissionais de saúde para atuar nas casas de saúde e em unidades básicas que gerencia. Já no HSL, o principal plano de ação é seguir trabalhando para otimizar o giro hospitalar.
Situação é de atenção nos privados
Em relação às instituições particulares, a situação é de atenção. O Hospital Moinhos de Vento informa que o serviço de emergência está com 94,9% de ocupação no atendimento adulto, e 70% no pediátrico. As doenças respiratórias são a principal causa da procura.
A instituição explica que trabalha com alguns protocolos, como a ampliação da rede de atendimentos conforme classificação de risco e priorização de pacientes graves.
Contatado, o Hospital Mãe de Deus comunicou que o percentual de lotação de emergência é dinâmico, chegando atualmente a 75%, "mantendo a mesma capacidade de antes das enchentes que ocorreram na Capital". Infecções respiratórias e de trato urinário levam principalmente à procura.