Nelson Teich, ex-ministro da Saúde do governo Jair Bolsonaro na pandemia, publicou um texto em suas redes sociais destacando os resultados de um estudo que relaciona 17 mil mortes ao uso de hidroxicloroquina, droga indicada para o tratamento da malária e de doenças reumáticas. A recomendação do medicamento para a covid-19 não estava na bula (off label) e acabou não tendo comprovação científica de eficácia, mas seguiu provocando polêmica. Por parte do ex-presidente, a droga era fervorosamente defendida, junto da cloroquina (substância um pouco mais tóxica), para prevenir e tratar a infecção por coronavírus.
O médico oncologista não chegou a completar um mês na Esplanada dos Ministérios, entre abril e maio de 2020, e deixou o cargo alegando falta de autonomia para definir medidas de enfrentamento à covid-19. Entre elas, estava a alteração do protocolo do Sistema Único de Saúde (SUS) para o emprego de cloroquina e hidroxicloroquina desde o início do tratamento de casos de covid.
"Ter que tomar uma decisão sobre a incorporação, liberação ou recomendação de um medicamento ou tecnologia é algo complexo, principalmente em um momento crítico, tenso, politizado, instável e cercado por grande incerteza, como foi a realidade da cloroquina no Brasil e no mundo no período da covid-19. Essa decisão de não liberar o uso da cloroquina para tratar pacientes com covid-19 teve que ser tomada quase quatro anos atrás, em um momento de extrema incerteza, polarização e medo. Felizmente, o tempo mostrou que a minha decisão de me posicionar contra a liberação e recomendação da cloroquina foi correta", escreveu Teich no X, antigo Twitter, em 7 de janeiro.
A pesquisa mencionada pelo ex-ministro foi conduzida por cientistas da França e do Canadá e está na edição de fevereiro do periódico Biomedicine & Pharmacotherapy. Refere-se a números estimados em seis países (Bélgica, França, Itália, Espanha, Estados Unidos e Turquia) durante a primeira onda da doença, em 2020. Os autores reconhecem que há limitações no estudo.
Eduardo Sprinz, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), destaca, ao avaliar a pesquisa, um problema e um mérito. O ponto negativo é a imprecisão dos dados apresentados, com estimativas incompletas e, provavelmente, incorretas — os números podem estar subestimados ou superestimados.
— Na primeira onda, pensando que não sabíamos quase nada da doença, as pessoas ficavam mais doentes. Quando uma população é mais doente, maior pode ser a toxicidade da hidroxicloroquina. Não só casos mais graves (de covid), mas a covid acometendo pessoas com doenças mais graves que não só a covid, o que propicia a toxicidade maior de um medicamento. Uma coisa é uma pessoa de 25 anos tomar hidroxicloroquina, outra coisa é uma de 60 anos tomar hidroxicloroquina com outros medicamentos (para outras doenças que ela apresenta) — explica Sprinz.
A mensagem mais importante desse trabalho, segundo o infectologista, é o perigo de transpor um medicamento de uma enfermidade para outra.
— Usamos hidroxicloroquina em uma dose diferente para tratar uma doença crônica (como as doenças reumáticas, por exemplo) e tentamos recolocá-la, sem evidência científica, numa dose maior, numa doença aguda, cujo cenário seria totalmente diferente. Isso gera um grande risco — analisa o médico do HCPA.