Desde que se recorda, Joana de Aquino, 27 anos, engenheira civil, convive com uma infinidade de alergias: a metal, corante alimentício e de roupas, água salgada (incluindo suor, lágrima e água do mar), desodorante, sabonete, esmalte, acetona, maquiagem, tatuagem, tinta de cabelo, perfume, camarão, abacaxi, água sanitária, amaciante, pó, pólen, oliveira, cachorro, gato, pena, mofo, bolor — para citar as principais.
— Desde bebê, as alergias de pele já se manifestaram em mim, principalmente nas dobras, dos braços e das pernas. Tenho asma e rinite também. Nunca foi fácil e, conforme os anos passam, piora — conta Joana.
Celebrado neste sábado, 8 de julho, o Dia Mundial da Alergia busca conscientizar sobre essa condição que afeta cerca de 30% da população brasileira, segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), e pode até mesmo resultar em morte. A alergia é uma reação exagerada do sistema imunológico ao entrar em contato com determinada substância, explica a médica Helena Fleck Velasco, alergista e imunologista do Núcleo de Alergia e Imunologia do Hospital Moinhos de Vento:
— As células do sistema imunológico são feitas para nos proteger de coisas externas. Por um motivo que não se sabe exatamente qual, que é o gatilho, em algum momento, o sistema identifica aquele alérgeno, ou proteína, como algo ruim para o nosso corpo. A partir dali, começa uma reação alérgica para se proteger daquilo, uma reação inflamatória para que o corpo elimine aquilo.
Desta maneira, após a primeira reação, o efeito será desencadeado novamente a cada novo contato com o alérgeno.
As alergias mais conhecidas são as alimentares, como ao leite e ao ovo, principalmente na infância, camarão, frutos do mar, oleaginosas e amendoim; as de pele, como a dermatite atópica, que é uma inflamação crônica, a dermatite de contato, causada por produtos de beleza, metais e outros alérgenos, a urticária e alergias a picadas de inseto; as respiratórias, principalmente asma e rinite alérgicas, causadas por pólens, ácaros, trocas de temperatura, entre outros; bem como as alergias a medicamentos, que costumam ocorrer principalmente com antibióticos e anti-inflamatórios. Já as mais incomuns, por outro lado, incluem alergias a corante alimentício, látex, sêmen, água, sol, alergias de anafilaxia a picadas de abelhas e vespas, entre outras.
Em épocas de frio, os pacientes acabam buscando mais atendimento por questões respiratórias. Assim, no inverno, 70% dos casos do ambulatório de alergia e imunologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre são de rinite, conforme a médica Mariana Jobim, doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Asbai. Ela também alerta para o quadro da rinite medicamentosa, comum devido ao uso de descongestionantes nasais, que causam um efeito rebote.
— Acaba virando vício, e a pessoa tem de estar sempre utilizando. Tem pessoas que têm rinites alérgicas associadas à troca de temperatura e ainda têm a rinite medicamentosa do uso indevido de medicações. Tem de ser bem persistente, porque é difícil parar de usar, e há efeitos adversos, não é bom ficar usando — esclarece Mariana.
Sintomas
Conforme as especialistas, os sintomas mais comuns de alergia são coceira, inchaço e placas elevadas e pruriginosas na pele. As manifestações podem variar conforme o tipo: a alergia de pele pode incluir ainda o ressecamento; as respiratórias, espirros, coriza, obstrução nasal, tosse e falta de ar; a medicamentosa, vômito; e as alimentares: diarreia, dor abdominal e todos os outros sintomas mencionados.
Joana costuma enfrentar espirros e coceira devido à rinite, bem como falta de ar e chiado no peito em função da asma. Além disso, as alergias de pele afetam as dobras, o rosto, a boca e a cabeça:
— E são as piores, que ficam mesmo em carne viva de tanto coçar se eu não uso corticóide. E coça muito, tem noites que eu nem consigo dormir de tanto que coça, é horrível, insuportável. Não consigo aproveitar as coisas que eu gosto, por exemplo, a praia, sempre dá alergia, o verão em si. O inverno também, como é muito seco, me dá mais alergias, a pele fica ressecada.
Conviver com tantas alergias é algo custoso, mas a jovem engenheira diz que aprendeu a lidar com isso ao longo dos anos. Devido à alergia ao metal, quando usa brincos eles precisam ser de ouro e utilizados por poucas horas. Ainda criança, Joana também precisava evitar tocar em moedas. Quando teve um pássaro, não podia se aproximar dele por causa de suas penas. Dos cachorros, não abre mão.
— Acho que a maior dificuldade é tentar fazer o que todo mundo faz, mas não posso, é impossível. O pior é isso, ter esse sentimento de que eu não posso ser igual a todos, ter que sempre me ajustar das minhas formas. Igual a quando eu era criança: todas as minhas amigas comiam bala o tempo todo, e eu não podia por causa do corante. Então, nunca foi fácil lidar com isso — relata Joana.
Tratamento
Joana já buscou o auxílio de diferentes especialistas em diversos lugares. Já tentou vários tratamentos, como vacinas, que resultaram em uma melhora da asma por alguns anos. Atualmente, ela realiza novamente o tratamento com vacinas, à espera de que voltem a auxiliar na asma e na rinite. Sua pele, por outro lado, só melhora utilizando corticoides, relata.
Os tratamentos disponíveis ganharam inovações significativas nos últimos anos. Hoje, há medicações mais modernas em uso, como os imunobiológicos, que são feitos especificamente para tratar cada doença. Eles funcionam bloqueando substâncias inflamatórias do sangue para controlar a alergia. Por serem específicos para essas substâncias, têm poucos efeitos colaterais e costumam ser eficazes para casos moderados a graves, sendo considerados opções importantes para a dermatite atópica e para a asma grave.
Diz a médica Mariana Jobim:
— São doenças com as quais, no passado, as pessoas sofriam bastante. As medicações são de alto custo, mas cada vez mais estão entrando no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e estão cobrindo custos. Não são utilizados para o resto da vida, mas por um tempo adequado, conforme o laudo médico. Acho que isso é uma revolução.
Há também a imunoterapia, feita para que o paciente passe a tolerar a substância à qual é alérgico. Esse tratamento pode ser realizado com aplicação subcutânea, tipo vacina, ou com gotas sublinguais. Mariana comenta:
— Há uma comprovação bem eficiente se bem indicada. O curso da vacina dura em torno de dois anos e meio a três anos, mas a pessoa tem de ser bem persistente, e o Sistema Único de Saúde (SUS) não cobre, nenhum plano cobre. Funciona bastante, faz com que a pessoa fique tolerante, consiga conviver melhor com a alergia.
A imunoterapia é utilizada, por exemplo, quando crianças são alérgicas ao leite e não melhoram com o passar dos anos. Assim, são administradas doses diluídas, consecutivamente, por um longo período, para que comecem a tolerá-lo e não tenham uma reação grave. Portanto, apesar de uma cura não existir, é possível atingir a tolerância em alguns casos.
Existe prevenção?
As médicas Helena Fleck e Mariana Jobim apontam que não há uma "fórmula mágica", como uma medicação ou vitamina para prevenir alergias. No entanto, uma boa microbiota, que é formada nos primeiros dois anos de vida, pode ser uma grande aliada na proteção e prevenção de alergias. Portanto, as recomendações são:
- Comer bastante vegetais e frutas
- Não comer ultraprocessados
- Fazer exercícios
- Expor-se ao sol
- Dormir bem
- Fazer controle do estresse
- Evitar o excesso de antibióticos
- Para crianças, o aleitamento materno, evitando fórmulas nos primeiros meses
- Para gestantes, manter cuidados com a alimentação
- Ter cuidados com o ambiente, realizando a limpeza da casa e de colchões