Artigo publicado na revista Microorganisms demonstra que a melatonina, a despeito de seu efeito antioxidante e regulador do sono, pode piorar a inflamação intestinal. A ocorrência ou não do efeito negativo depende do conjunto de bactérias que vivem no corpo humano, especialmente no intestino do hospedeiro – ou seja, da microbiota, antigamente chamada “flora intestinal”.
A melatonina é conhecida popularmente como “hormônio do sono”. Tem sido bastante corriqueiro as pessoas, sem prescrição médica e de forma não diretamente acompanhada, fazerem uso de melatonina para dormir melhor.
— Todo mundo acha que é inócuo, que um hormônio como a melatonina não faz nada de mau, só melhora o sono, e o que estamos mostrando é que as pessoas têm de ficar atentas e alertas, porque uma suplementação hormonal pode melhorar o sono, mas pode piorar outra coisa — diz Cristina Ribeiro de Barros Cardoso, professora de imunologia e neuroimunoendocrinologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP).
O laboratório de Cristina trabalha com enfermidades inflamatórias intestinais, entre elas doença de Crohn e retocolite ulcerativa. São condições imunomediadas, ou seja, dependentes de uma resposta imunológica descontrolada que acaba causando destruição no trato gastrointestinal e efeitos clínicos muito fortes, como dores abdominais, diarreias constantes, sangramentos e muita fadiga.
O tratamento depende da supressão ou inibição da imunidade. É preciso diminui-la para reduzir a inflamação excessiva que causa danos ao intestino. Além de corticoides e imunossupressores, há tratamentos com medicamentos imunobiológicos mais efetivos para casos moderados e graves, porém, de altíssimo custo e, por isso mesmo, de acesso mais difícil para a população, sendo fornecidos apenas em condições específicas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou por convênios particulares via ações judiciais.
A pesquisadora ressalta que muitos pacientes não respondem adequadamente nem mesmo aos tratamentos mais modernos e dispendiosos, sendo necessárias cirurgias para a remoção de partes do intestino. Estes são procedimentos bastante invasivos para os pacientes, com consequências diretas na sua qualidade de vida:
— Então temos buscado nos últimos anos novas opções terapêuticas, principalmente com base na modulação ou regulação de respostas imunológicas.
Com anos de experiência na pesquisa de hormônios, a melatonina entrou no foco de investigação do grupo de Cristina Ribeiro de Barros Cardoso. A pesquisadora destaca que a melatonina tem efeitos benéficos e há poucos estudos ou relatos de efeitos colaterais adversos. A melatonina pode atuar como antioxidante e melhorar diversas condições fisiológicas ou patológicas.
— Então começamos esse trabalho imaginando que teríamos um potencial novo tratamento para doença de Crohn e retocolite ulcerativa, mas, para nossa surpresa, o que vimos foi exatamente o contrário. E esse alerta precisa ser feito — defende. Após induzida a doença intestinal de forma experimental em camundongos, quando eles eram tratados com melatonina, ao invés de melhorar, pioravam.
O efeito negativo da melatonina depende das bactérias que vivem no intestino e que também estão relacionadas às doenças inflamatórias intestinais. Certas configurações da microbiota fazem com que o tratamento com melatonina aumente os parâmetros inflamatórios e leve o sistema imunológico por um caminho ainda mais desregulado, que intensifica os danos ao trato gastrointestinal.
— Começamos a tentar entender os porquês da piora. E o que vimos é que se tirarmos a microbiota do contexto, se a gente fizer um tratamento de amplo espectro com antibióticos nesses camundongos, eliminando todas essas bactérias, a melatonina passa a ter um efeito positivo na doença — explica a especialista.